Isabel II. Rainha, mulher, mãe, avó, ícone pop
Sabíamos que um dia aconteceria mas talvez não o esperássemos. Afinal, Isabel II, rainha da Grã-Bretanha durante 70 anos, não era imortal. No seu reinado, o mais longo da História do seu país, o mundo mudou de forma radical e só ela parecia um rochedo de constância. Mas também ela mudou e foi-se adaptando às circunstâncias. Em nome da sobrevivência da Monarquia.

"O que irá acontecer agora?" perguntou o jovem Winston Churchill ao Lord do Almirantado na tarde de janeiro de 1901 em que o Reino Unido e o mundo souberam da morte da rainha Vitória. No trono desde os 18 anos, a trisavó de Isabel II fora, ao longo dos seus 81 anos, a única monarca que várias gerações de britânicos e de súbditos do vasto Império Britânico tinham conhecido. Embora hoje, no momento em que nos deixa a monarca de maior longevidade na milenar História do seu país a questão já não se coloque do mesmo modo (até porque os poderes constitucionais da monarquia se modificaram há muito), paira em muitos a sensação de que é toda uma época que chega ao fim. Uma longa época que se iniciou ainda no pós Segunda Guerra Mundial, nos primórdios da Televisão e da sociedade pop tal como a conhecemos.
Elizabeth Alexandra Mary nasceu de cesariana, na casa materna do seu avô materno, em Londres, a 21 de Abril de 1926, ainda como primogénita dos duques de Iorque. Foi batizada a 29 de maio por Cosmo Lang, Arcebispo de Iorque, na capela do Palácio de Buckingham, tendo como padrinhos o rei Jorge V e a rainha Mary. Tal como a sua irmã, Margarida, nascida quatro anos mais tarde, foi educada em casa sob a supervisão de sua mãe e da governanta, Marion Crawford, conhecida como "Crawfie". As aulas concentravam-se em História, línguas estrangeiras, literatura e música. Em 1950, Crawford publicaria uma biografia das infâncias de Isabel e Margarida chamada The Little Princesses, em que dá conta da precoce paixão de Isabel por cavalos e cachorros, a sua disposição metódica e sua atitude de responsabilidade. O primeiro-ministro Winston Churchill, por sua vez, recordaria uma menina que, já aos dois anos, transmitia a quem com ela privasse autoridade e sentido de ponderação.

Durante o reinado de seu avô, Jorge V, Isabel era a terceira na linha de sucessão ao trono depois do tio Eduardo, Príncipe de Gales, e do pai. Apesar de seu nascimento ter gerado grande interesse público, não era ainda esperado que ela se tornasse rainha já que o Príncipe de Gales ainda era jovem e muitos esperassem que ele casasse e tivesse filhos. No entanto, a crise desencadeada pela abdicação de Eduardo VIII logo nos primeiros meses de reinado, poria fim a qualquer sonho de uma infância tranquila e protegida da atenção pública. Em dezembro de 1936, o duque de Iorque tornou-se rei com o nome de Jorge VI e Isabel tornou-se a herdeira presuntiva da Coroa mais poderosa do mundo.

Uma princesa educada na Guerra
O Reino Unido entrou na Segunda Guerra Mundial em setembro de 1939. Durante o longo conflito, Londres foi alvo frequente de bombardeamentos aéreos e muitas crianças londrinas foram evacuadas para o campo. Lorde Douglas Hogg, 1.º Visconde Hailsham, sugeriu que as duas princesas fossem evacuadas para o Canadá, mas isso foi rejeitado pela rainha, que declarou: "As crianças não vão sem mim. Eu não vou partir sem o rei. E o rei nunca partirá". As princesas Isabel e Margarida permaneceram no Castelo de Balmoral, Escócia, até ao Natal desse ano, indo depois para a Casa Sandringham em Norfolk. Mas seriam chamadas a participar no esforço de guerra. Em 1940, Isabel, então com catorze anos, fez sua primeira transmissão de rádio durante a Children's Hour da BBC, com um breve discurso dirigido aos meninos da sua idade.
Em 1943, aos 16 anos, Isabel fez sua primeira aparição pública sozinha ao visitar os Grenadier Guards, de que tinha sido nomeada coronel no ano anterior. Em fevereiro de 1945, juntar-se-ia ao Serviço Territorial Auxiliar como segunda subalterna honorária com número de serviço 230 873, onde recebeu treino como motorista e mecânica, sendo promovida a comandante júnior honorária em julho.
Um dos dias mais memoráveis da sua vida teria sido o de 8 de maio de 1945, quando as tropas alemãs se renderam finalmente, pondo fim a seis longos anos de Guerra. Para a História das princesas Isabel e Margarida ficaria o momento em que, de forma anónima, se misturaram com uma multidão exultante em Londres e foram conduzidas pelo que a herdeira do trono recordaria como "uma onda de felicidade e alívio".

O amor de uma vida inteira
Ainda a Guerra não tinha começado e a princesa não chegara aos 14 anos quando um encontro com o seu primo Filipe da Grécia, no Real Colégio Naval de Dartmouth, a deixaria muito impressionada. A correspondência entre os dois iniciar-se-ia, em parte estimulada por Lord Mountbatten, tio materno de Filipe, mas a família dela não veria tal entusiasmo com bons olhos, Filipe não tinha nenhuma situação financeira, era estrangeiro (apesar ter servido na Marinha Real Britânica durante a Segunda Guerra Mundial) e tinha irmãs casadas com nobres alemães com ligações nazis. No seu livro de memórias, Crawford, a antiga governanta, recordaria que "alguns dos conselheiros do rei não o achavam suficientemente bom para ela. Ele era um príncipe sem casa ou reino."

A jovem bem-comportada estava, no entanto, determinada a impor a sua escolha. Antes do casamento, Filipe renunciou aos títulos gregos e dinamarqueses, converteu-se da ortodoxia grega para o anglicanismo e adotou o título de "Tenente Filipe Mountbatten", tomando o sobrenome da família britânica de sua mãe. Isabel e Filipe casaram-se na Abadia de Westminster a 20 de novembro de 1947. Com um sentido de responsabilidade de que jamais abdicaria, a jovem solicitou que os cupões de racionamento comprassem o material para seu vestido de noiva, que foi desenhado por Norman Hartnell. Na Inglaterra do pós-guerra, as dificuldades económicas dominavam ainda o quotidiano da maior parte da população.

Isabel deu à luz o primeiro filho, Carlos, a 14 de novembro de 1948. A segunda criança, Ana, nasceria em 1950.
Mas a saúde do rei Jorge VI foi piorando ao longo do ano de 1951 e Isabel foi chamada a representar o pai em vários acontecimentos públicos. Tudo se desencadearia no início de 1952, quando Isabel e Filipe partiram em viagem pela Austrália e Nova Zelândia, com uma paragem no Quénia. A notícia tão temida chegaria na manhã de 6 de fevereiro: Jorge VI morrera aos 56 anos, vítima de cancro do pulmão. Quando, em plena selva africana, o seu secretário lhe perguntou qual nome régio que gostaria de usar como nova monarca, a nova rainha não teve duvidas: "O meu próprio, é claro".
A coroação ocorreu como planeado no dia 2 de junho de 1953 apesar da morte da avó da rainha, Maria de Teck, a 24 de março, como a própria havia pedido.


A cerimónia realizou-se na Abadia de Westminster e foi transmitida em direto pela televisão, à exceção dos cerimoniais da unção e da comunhão. O seu vestido de coroação foi desenhado, uma vez mais, por Norman Hartnell e, seguindo as instruções da rainha, foi bordado com os emblemas florais dos membros da Commonwealth: entre eles, a Rosa de Tudor inglesa, o cardo escocês, o alho-porro galês, o trevo irlandês, a acácia australiana, a flor-de-lótus da Índia e o trigo, algodão e juta paquistaneses. Nos anos seguintes, Isabel II passeará o seu charme de jovem soberana pelo mundo, com uma muito aclamada visita a Portugal, em 1957.


Filhos, noras, crises
Isabel II teria mais dois filhos, André, tido por muitos como o seu filho favorito (nascido em 1961) e Edward (em 1965). A aparência idílica que a família real procurava transmitir (e que hoje sabemos que não correspondia à verdade, já que o seu casamento passara por várias crises e a relação com a irmã jamais voltaria a ser a mesma após esta ser impedida de casar com Peter Townsend) seria estilhaçada com a maioridade dos príncipes e os seus conturbados casamentos. Em 1992, ano em que a monarca assinalava 40 anos de reinado, desfizeram-se com grande estrondo os casamentos dos filhos Carlos, Ana e André. Isabel II assistiu ainda ao incêndio que destruiu o castelo de Windsor, uma das suas residências favoritas. Num raro momento de desabafo e público, ela revelaria que não ia ter saudades de 1992, já que para ela fora mesmo um annus horribilis. Mas só três anos mais tarde, e depois de consultas com o marido Filipe, o primeiro-ministro John Major e o arcebispo da Cantuária, a rainha escreveu a Carlos e Diana, em dezembro de 1995, dizendo que o divórcio era desejável.


A maior prova de fogo para a rainha aconteceria, no entanto, dois anos depois, quando a princesa de Gales morreu num acidente de carro em Paris. Depois de uma única aparição pública na igreja, a rainha e o duque de Edimburgo blindaram os netos por cinco dias em Balmoral. Mas o povo britânico mostrar-se-ia muito crítico em relação ao silêncio da monarca e ao facto de a bandeira no Palácio de Buckingham não ter sido colocada a meia haste.

Só a 5 de setembro, um dia antes do funeral de Diana, a monarca apareceria na televisão para falar da antiga nora. "Como vossa monarca e como avó quero prestar homenagem a Diana. Ela era um ser humano excecional e dotado." Os ânimos apaziguaram-se e o episódio seria recordado no filme The Queen, com Helen Mirren no (difícil) papel titular.

Ícone pop
Com estes acontecimentos e com a popularidade de Diana, dir-se-ia que Isabel II percebera que o distanciamento e a reserva não eram a melhor forma de se relacionar com os britânicos. Em 2012, durante as celebrações do Jubileu de Diamante, a rainha afirmaria, no Parlamento, que em tempos inconstantes era reconfortante saber que era apenas a segunda monarca a atingir esta "marca". Nesse ano ela e o marido realizaram grandes viagens pelo Reino Unido enquanto os filhos e os netos viajaram pelo mundo.
Mas 2012 foi também o ano em que ela se tornaria um ícone pop, abrindo as Olimpíadas de Verão e surpreendendo tudo e todos ao interpretar-se a si mesma numa curta-metragem com Daniel Craig como James Bond. Voltaria a mostrar idêntico sentido de humor 10 anos depois, já este ano, quando "contracenou" com o ursinho Paddington.

Em 2015, Isabel II tornou-se a monarca de maior longevidade em todo o Reino Unido, superando a sua trisavó, rainha Vitória. Em 2016, tornar-se-ia também a chefe de estado há mais tempo no cargo, um recorde alcançado com a morte do rei da Tailândia. Mas, nesse mesmo ano, cancelaria pela primeira vez em 30 anos, a sua ida à Missa de Natal devido a uma forte gripe. Em 2020, a pandemia levou Isabel II a passar o ano isolada em Windsor com o marido. Na tradicional mensagem de Natal não se esqueceu dos que tinham perdido pessoas por causa da Covid e dos que apenas sentiam falta dos familiares e dos amigos por causa do distanciamento. "Não estão sozinhos," foi a mensagem enviada por Isabel II.

Um ano e meio depois a monarca perdia o grande apoio, o marido com quem esteve casada durante 74 anos. O príncipe Filipe estava a dois meses de comemorar o centenário. Ainda assim, apesar da dureza desse golpe (e de outros, como o afastamento de Harry e Meghan ou as acusações de abuso sexual contra o Príncipe André) foi com alegria e simpatia que a rainha viveu e participou nas cerimónias, em junho último, do seu Jubileu de Platina.
A marca que Isabel II deixa no mundo (a maior parte de nós nunca viu outra pessoa no trono de Inglaterra) passa também pelo estilo muito próprio, com que também comunicava. Um estilo que misturava formalidade com cores vibrantes e até humor. Um estilo inconfundível feito de pérolas, pequenas malas de mão e vestidos ou fatos monocromáticos, coordenados com chapéus, em cor-de-rosa, violeta, azul turquesa ou mesmo amarelo. Um desassombro que, de algum modo, evidencia o sentido de humor de quem assim trajava.

Há 120 anos, quando a família real transmitiu ao mundo a notícia da morte da rainha Vitória, o trânsito em Londres parou, os atores abandonaram o palco a meio da peça e a bolsa de valores de Nova Iorque interrompeu as suas atividades. "O que acontecerá agora?" perguntava Churchill, jovem político com ambições. Hoje, num mundo muito mais acelerado, em que talvez façamos essa pergunta todas as manhãs, o que resta é silêncio. E uma certa nostalgia.

Mundo, Atualidade, Ícone, Rainha Isabel, Inglaterra
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