Celebridades

Quando Isabel II "reinou" entre os portugueses

Habituada a ser muito ativa, ao longo do seu reinado, a rainha Isabel II, que morreu esta quinta, 8, fez mais de 200 viagens internacionais, duas delas a Portugal. Recordamos o artigo de 2021 sobre as suas vindas ao nosso país.

Isabel II e o príncipe Filipe com Mário Soares, em março de 1985
Isabel II e o príncipe Filipe com Mário Soares, em março de 1985 Foto: Getty Images
08 de setembro de 2022 Maria João Martins

Desde a visita de Eduardo VII, em 1903, que Lisboa não via tal esplendor. No princípio de 1957, a notícia de que a sua bisneta, a jovem rainha Isabel II, visitaria não apenas a capital, mas também o Porto, Vila Franca de Xira, Nazaré, Alcobaça e a Batalha, mergulhou o país num frenesim de melhoramentos e despesas extraordinárias para o Estado, mas também para a elite do regime, chamada a receber Sua Majestade e o príncipe Filipe com um glamour que lhes faltava nos outros dias. "Encomendaram-se vestidos a Paris", sublinhava o repórter da revista O Século Ilustrado ao notar o desfile de sedas, cetins, peles e joias visto na récita do Teatro de São Carlos, em Lisboa.

Isabel II no Mosteiro dos Jerónimos durante a visita oficial a Portugal, em fevereiro de 1957
Isabel II no Mosteiro dos Jerónimos durante a visita oficial a Portugal, em fevereiro de 1957 Foto: Getty Images

Duas semanas antes da chegada do casal real, os jornais começaram a publicar avisos em relação às alterações de trânsito impostas pela passagem das comitivas, ao mesmo tempo que forneciam indicações a quem pretendesse ver a rainha tão perto quanto possível. Ensaiavam-se cortejos e cerimoniais, procedeu-se à reparação da sempre difícil calçada portuguesa, as mulheres da Nazaré prepararam uma boneca tradicional, devidamente vestida com as sete saias da praxe, para oferecer à princesa Ana, então com seis anos de idade. Finalmente, o dia aprazado, que foi 16 de fevereiro, chegou. Isabel II desembarcou na Base Aérea do Montijo, mas a embaixada britânica pedira antecipadamente paciência e discrição aos portugueses, em especial às autoridades e aos jornalistas: Sua Majestade não via o marido há 4 meses (este terminara uma longa digressão pelos países da Commonwealth) e queria "matar saudades" antes de, juntos, responderem às solicitações oficiais. Como recordarão os fiéis seguidores da série The Crown, esta espécie de "segunda lua-de-mel" em águas portuguesas foi um interlúdio romântico numa vida conjugal nem sempre auspiciosa.

Dois dias depois, ao desembarcar em Lisboa, no Cais das Colunas, Isabel II, então com 30 anos de idade e cinco de reinado, foi recebida pelo Presidente da República, General Craveiro Lopes, e pela mulher deste, Berta, e aclamada por uma multidão empolgada. A toda a largura da primeira página, o jornal Diário de Notícias titulava: "Vibrante e apoteótica recepção do povo de Lisboa à rainha Isabel II". E continuava o relato: "Do Terreiro do Paço a Queluz, a multidão aclamou entusiasticamente a jovem soberana."

Isabel II e o príncipe Philip, duque de Edimburgo, durante a visita oficial a Lisboa, fevereiro de 1957.
Isabel II e o príncipe Philip, duque de Edimburgo, durante a visita oficial a Lisboa, fevereiro de 1957. Foto: Getty Images

Esta moldura humana manteve-se ao longo dos cinco dias que durou a visita oficial, fosse o cenário o bairro social do Restelo ou as ruas do centro histórico do Porto. Pelo meio, houve naturalmente tempo para o banquete no Palácio da Ajuda, para a noite de ópera em São Carlos (com apresentação do bailado Pedro e Inês, com música de Ruy Coelho e coreografia de Francis Graça) e para a audiência com Salazar, que lhe ofereceria um cavalo de raça lusitana. Sob o brilho dos lustres e os sorrisos para a fotografia, ficavam as exigências da diplomacia britânica, como a do embaixador em Lisboa, Charles Stirling, que insistiu em ler previamente o discurso do Presidente da República portuguesa, e as cedências do governo português, ansioso por mostrar ao mundo a aprovação da democrática Inglaterra.

Isabel II e o príncipe Philip no Teatro Nacional de São Carlos durante a visita oficial a Portugal, em fevereiro de 1957
Isabel II e o príncipe Philip no Teatro Nacional de São Carlos durante a visita oficial a Portugal, em fevereiro de 1957 Foto: Getty Images

Quase 30 anos depois, quando Isabel e Filipe regressaram a Portugal, o país, o mundo e eles próprios tinham mudado muito. Já não se tratava de dar apoio implícito à ditadura (como, de facto, acontecera em 1957) mas de lembrar a importância da "velha aliança" no momento em que Portugal e Espanha se preparavam para aderir à Comunidade Económica Europeia. Foram recebidos pelo Presidente Ramalho Eanes e sua mulher, Manuela, e pelo primeiro-ministro Mário Soares. Entre 25 e 29 de março, visitaram vários pontos de Lisboa e Évora, estiveram na Assembleia da República, na Saint Julian’s School, em Carcavelos, (frequentada por muitas crianças e jovens ingleses) e no Teatro Nacional Dona Maria II, onde assistiram a um programa musical composto por música antiga portuguesa e um recital de Carlos Paredes. No momento mais glamouroso da visita oficial - o banquete no Palácio da Ajuda - trocaram-se algumas trivialidades amenas sobre a antiguidade da aliança fundada pelo Tratado de Windsor, mas nem, por isso, o Presidente Eanes prescindiu de se mostrar assertivo no discurso. Como noticiou o Diário de Lisboa, "o PR relembraria que não se pode conceber a unidade europeia sem a participação do Sul da Europa, acentuando que, relativamente ao processo de adesão de Portugal à CEE, o nosso país sempre recebeu o apoio inequívoco do Reino Unido." Ramalho Eanes não perderia ainda a oportunidade de chamar a atenção da soberana para "os problemas da população de Timor-Leste, subjugada pela Indonésia". Graciosa, mas evasiva como manda o figurino de monarquia constitucional, a rainha disse ver com agrado o interesse com que o futebol inglês era seguido pelos portugueses. "Até aparece nos boletins do Totobola", brincou. Para falar de Política, viera o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Geoffrey Howe, que se reuniu com o seu homólogo português, Jaime Gama.

Isabel II durante a visita oficial a Portugal, em março de 1985
Isabel II durante a visita oficial a Portugal, em março de 1985 Foto: Getty Images
Isabel II com Manuela Ramalho Eanes, mulher do presidente da República da altura, Ramalho Eanes, durante a visita oficial a Portugal, em 1985
Isabel II com Manuela Ramalho Eanes, mulher do presidente da República da altura, Ramalho Eanes, durante a visita oficial a Portugal, em 1985 Foto: Getty Images

Acolhida com o mesmo entusiasmo em 1957 e 1985, Isabel II não voltou a Portugal, mas fizeram-no os seus filhos e noras: Carlos e Diana em fevereiro de 1987, no âmbito de uma visita oficial, e André e Sarah Ferguson, em lua-de-mel nos Açores.

Foto: Getty Images
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