Paixões, escândalos e alta costura: a vida turbulenta da marquesa que foi musa de Balenciaga
"O que escondiam os seus olhos", série espanhola que a 29 de janeiro começou a ser transmitida semanalmente pela RTP 2, recorda um dos maiores escândalos que abalaram a alta sociedade durante a ditadura de Franco. Mas também evoca a amizade da sua protagonista, Sonsoles de Icaza y León, com Cristóbal Balenciaga.
Tudo começou no Ritz de Madrid, em plena Segunda Guerra Mundial, quando a capital espanhola, tal como Lisboa, era um autêntico ninho de espiões britânicos e alemães. O ambiente era de cortar à faca e suspeitava-se que, à mínima faísca, o incêndio que devastava a Europa estender-se-ia à Península Ibérica, já deixada exangue pelos três longos anos da Guerra Civil de Espanha. Entre segredos traficados a peso de ouro, na alta sociedade que girava em torno do ditador Francisco Franco e sua omnipresente mulher, Carmen Polo, poucos eram realmente quem diziam ser.

Estamos em 1940 e o embaixador sueco oferece uma recepção no Hotel Ritz, tido por muitos como o território privilegiado dos nazis em Madrid, a que comparecem, para além do corpo diplomático, as autoridades políticas, militares e religiosas do país. Entre elas, está Ramon Serrano Suñer, ministro dos Assuntos Exteriores, cunhado de Franco (é casado com Zita, irmã mais nova de Carmen Polo), que, apesar da não participação de Espanha na guerra, não se dá ao trabalho de disfarçar a militância pró-alemã.


Com fama de mulherengo (apesar da alcunha de "cunhadíssimo" que os espanhóis lhe aplicam por alusão ao Generalíssimo Franco), não resiste à tentação quando, no mesmo salão, vê aparecer, pelo braço do marido, María Sonsoles de Icaza y de León, marquesa de Llanzol. Vestida por Balenciaga, de quem foi musa e amiga íntima, Sonsoles, então com 26 anos, era tida como uma das mulheres mais fascinantes da aristocracia madrilena. Entre o ministro e a marquesa, não obstante os respetivos casamentos e famílias, nascerá uma paixão turbulenta, de trágicas consequências, que a série espanhola O que escondiam os seus olhos, agora transmitida aos domingos pela RTP 2, procura reconstituir.

Sonsoles (interpretada na série pela atriz Blanca Suárez, cabendo o papel de Serrano Suñer ao ator cubano Rubén Cortada) nascera numa família de intelectuais bem colocada na Espanha do rei Afonso XIII (bisavô de Felipe VI), que começou a viver dificuldades económicas quando o seu pai, o poeta e embaixador mexicano Francisco Asís de Icaza y Beña, morreu subitamente. Para tentar manter nível de vida e estatuto, à mãe, posta em apuros, só restava um recurso: procurar casar as filhas com homens que se movessem nos círculos de poder. A mais velha, Carmen, conseguirá impor-se profissionalmente como jornalista e escritora mas Sonsoles casou-se, aos 21 anos, com Francisco Díez de Rivera y Casares, marquês de Llanzol, 24 anos mais velho do que ela. Em 1940, quando vão à festa do embaixador sueco, já têm três filhos.
Dois anos depois, em setembro de 1942, quando a marquesa dá à luz uma quarta criança, meia Madrid dirá já que Carmen (assim chamarão à menina) é filha de Serrano Suñer, de tal modo são conhecidos os amores da mãe com o ministro. Não obstante tais rumores e a evidência das semelhanças fisionómicas, o Marquês de Llanzol perfilhará a criança e criá-la-á como se fosse sua. Num meio dominado pela moral católica, que exige castidade às mulheres e sacraliza a família, os dois casais procurarão manter as aparências e continuarão a frequentar-se entre si. Sem suspeitar do segredo que envolve o seu nascimento, Carmen brinca com os seis filhos dos Suñer e é possível que tudo se tivesse dissipado no esquecimento se, no final dos anos 50, Carmen e Ramon (filho de Ramon e de Zita) não se tivessem apaixonado e feito planos para casar. Perante tão crua realidade, a família teve de dissipar o equívoco. Foi como se o chão tragasse Carmen, que deixou para trás a despreocupada vida que até aí levara: ingressou num convento de clausura, de que desistiria em favor de uma vida de serviço público, primeiro como voluntária na Costa de Marfim e depois como política, tendo-se tornado uma das figuras chave da transição para a Democracia. Mas não casou, não teve filhos e morreu aos 57 anos, vítima de cancro. Os seus próximos afirmam que nunca perdoou à mãe e ao pai biológico (que, ao longo de 101 anos de vida, nunca assumiu a paternidade) tamanha dissimulação.

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Diva de Balenciaga

Para a História, Sonsoles fica também como a musa de Cristóbal Balenciaga, então no auge do prestígio. Sediado já em Paris no princípio da Segunda Guerra Mundial, o costureiro basco mantinha três casas em Espanha: em San Sebastian, Barcelona e Madrid. Aqui, num atelier sumptuoso na Gran Vía, onde chegaram a trabalhar 300 operárias, acorriam as mulheres da alta sociedade madrilena em busca de glamour e da perfeição que Balenciaga punha em tudo quanto levava o seu nome. Sonsoles não foi excepção, como a filha mais velha recordaria em entrevista à revista Telva (em janeiro de 2015): "A minha mãe foi pela primeira vez ao seu atelier de Madrid no princípio dos anos 1940, quando estava grávida de um dos meus irmãos. Escolheu um par de modelos e quando, ao sair do gabinete de provas, se cruzou com Cristóbal exigiu um desconto: Senhor Balenciaga, isto é roupa de grávida, que não voltarei a usar. E ele respondeu respondeu: Madame, eu não sou responsável pelo seu estado. Olharam-se e começaram a rir. Assim começou uma amizade que só terminou em 1972, com a morte dele." Alta e magra, senhora de um porte aristocrático, Sonsoles era a encarnação do ideal estético do costureiro.
Doravante, Balenciaga tornar-se-ia presença familiar em casa dos marqueses de Llanzol. Não sabemos se, como vemos na série televisiva, foi o depositário dos muitos segredos da marquesa mas sabemos que fez, para ela e para as filhas, mais de 400 modelos. Para a filha mais velha, de nome Sonsoles como a mãe, fez também o vestido de noiva, todo bordado a pérolas e filigrana, que já esteve em exibição no Museu Thyssen de Madrid e foi inspirado na pintura renascentista espanhola. Fiel a esse legado, a família Díez de Rivera Ycasa dirige ainda hoje a Fundação Cristóbal Balenciaga.

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