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A chave para uma vida mais longa e saudável é combater a inflamação. Eis aqui como fazê-lo

É um processo oculto e perpétuo que está relacionado com o cancro, a doença cardíaca e a demência, mas há muita coisa que se pode fazer para reparar os danos.

Foto: Freepik
27 de janeiro de 2023 Máxima

Na última mão-cheia de anos, há um novo termo em voga que entrou em todas as conversas acerca de enfermidades e doenças. Os médicos estão a falar cada vez mais sobre "inflamação" – uma expressão que descreve a resposta automática do (ou o eclodir no) organismo, quando este tenta combater infeções, toxinas e traumas.

Até há pouco tempo, o termo "inflamação" era usado na generalidade para descrever algo que se podia ver: a vermelhidão de um dedo do pé raspado ou a "-ite" de um par de amígdalas ou de um apêndice inchados. Depois há os problemas autoimunes, tais como a doença inflamatória intestinal. Mas agora está a prestar-se atenção à inflamação "oculta" um processo crónico, dissimulado e perpétuo que pode ser responsável por problemas comuns, que vão da doença cardíaca ao cancro e à diabetes Tipo 2, e até à depressão e demência.

A médica Shilpa Ravella é uma gastrenterologista especialista em transplantes, professora assistente de Medicina no Centro Médico da Universidade de Columbia e autora de um novo livro – A Silent Fire: The Story of Inflammation, Diet and Disease [trad. literal – Um Fogo Silencioso: História da Inflamação, Dieta e Doença]

"Nós costumávamos falar, em grande medida, acerca da inflamação como uma consequência, não como uma causa primordial, de uma doença", diz a especialista. "Mas nas duas últimas décadas, há indícios cada vez mais evidentes de que a própria inflamação pode provocar ou está associada a níveis mais elevados de doença crónica. A inflamação afeta o envelhecimento, os germes no nosso sistema intestinal e o funcionamento dos nossos intestinos."

A curto prazo, a inflamação é uma resposta normal e saudável a invasores. Quando o nosso corpo encontra um agente agressor – tais como vírus, bactérias ou químicos tóxicos –, ativa o sistema imunitário. O nosso sistema imunitário envia as equipas de primeiros socorros: células inflamatórias e citocinas (substâncias que estimulam mais células inflamatórias) para neutralizar os intrusos ou para iniciar a regeneração dos tecidos danificados. Em caso de inflamação aguda, o organismo põe-se imediatamente em sentido – por exemplo, para curar um corte. Mas com a inflamação crónica, o nosso corpo continua a enviar células inflamatórias, mesmo quando não existe qualquer perigo exterior.

Shilpa Ravella, gastrenterologista especialista em transplantes, professora assistente de Medicina no Centro Médico da Universidade de Columbia e autora de 'A Silent Fire: The Story of Inflammation, Diet and Disease'.
Shilpa Ravella, gastrenterologista especialista em transplantes, professora assistente de Medicina no Centro Médico da Universidade de Columbia e autora de 'A Silent Fire: The Story of Inflammation, Diet and Disease'. Foto: @shilpa.ravella

Estamos habituados a ver "inflamação aguda" diariamente, por exemplo, quando batemos com um joelho contra uma mesa, ele fica vermelho e aquece. "Isto é uma manifestação de alterações inflamatórias ocorrendo a um nível microcósmico, devido a um aumento da circulação sanguínea e à dilatação dos vasos sanguíneos", explica Ravella. "Há muito que os cientistas sabem que, embora seja para beneficio de um organismo hospedeiro, a inflamação também pode provocar danos nos tecidos." Mas a inflamação oculta nem sempre é visível a olho nu. Ocorre em locais profundos do organismo – nos intestinos, ou pâncreas, ou vasos sanguíneos.

Há medida que vamos envelhecendo, a nossa resposta imunitária torna-se menos bem regulada e a inflamação crónica pode persistir durante meses ou anos, com o sistema imunitário a envolver-se ativamente num prolongado "fogo amigo", acabando por danificar o organismo com o tempo. Neste momento, é pouco provável que os pacientes que vão aos consultório dos seus médicos de família sejam rotineiramente sujeitos a testes para deteção de inflamações ocultas (embora uma clínica de cardiologia possa fazer testes para deteção de um marcador inflamatório designado por Proteína C-Reativa – ou PCR – de alta- sensibilidade, que é produzida pelo fígado).

"Mas testar para encontrar ‘representantes’ de inflamação pode ser revelador", diz Ravella. "Por exemplo, gordura em redor da barriga – que é um marcador de gordura visceral altamente inflamatória, que envolve os órgãos internos abdominais – ou níveis elevados de açúcar no sangue, são sinais de inflamação oculta."

Ravella está especialmente preocupada com aquilo que apelida do "disparar" de problemas como a obesidade, diabetes Tipo 2, alergias e cancro – que ela denomina como "doenças inflamatórias". Estudos reiterado ao longo dos últimos 20 anos, incluindo dois publicados no influente New England Journal of Medicine, demonstraram uma relação entre a inflamação e a doença cardiovascular, uma vez que a inflamação crónica desempenha um papel na arteriosclerose ou "endurecimento" das artérias. De igual modo, a investigação feita sugere que a inflamação crónica poderá ter um papel no danificar do ADN e em alterações de genes associadas a diversos tipos de cancro.

"Hoje sabemos que muitas das nossas enfermidades crónicas são – pelo menos em parte – desordens inflamatórias. Ao evitar ou tratar a inflamação, poderemos ser capazes de diminuir o risco de doença futura", diz Ravella. Por exemplo, metade das pessoas com doença cardíaca não têm elevados níveis de colesterol no sangue, o que é um fator de risco comum para desenvolver doença cardíaca. Mas estudos feitos demonstraram que, quando tratamos inflamações de baixa intensidade, Podemos reduzir o risco de um futuro ataque cardíaco ou AVC."

Doenças inflamatórias são a causa mais comum de enfermidade e morte no mundo atual, diz Ravella. "A genética desempenha um papel nestas doenças (em alguns mais, do que noutros), mas ela não pode ser a única causa. A investigação está a demonstrar crescentemente que muitas doenças inflamatórias são, em grande medida, desordens provocadas pelo estilo de vida."

Como é óbvio, não podemos alterar os nosso genes, mas podemos mudar o nosso estilo de vida. Continue a ler, para descobrir alguns simples ajustes anti-inflamatórios que podem acrescentar anos à sua vida.

'A Silent Fire: The Story of Inflammation, Diet and Disease', de Shilpa Ravella.
'A Silent Fire: The Story of Inflammation, Diet and Disease', de Shilpa Ravella. Foto: D.R

Não-surpreendentemente, dieta é a chave

"Uma parte enorme da abordagem anti-inflamatória envolve a sua dieta alimentar, o que, por sua vez, afeta o microbioma intestinal – os germes benéficos no interior do nosso intestino", explica Ravella. "A fibra é anti-inflamatória e vital para a saúde dos germes do seu intestino", diz a gastrenterologista. "Somos poucos, os que ingerimos fibra suficiente."

Uma investigação britânica sustenta a sua afirmação: segundo um relatório de 2022 da Action on Fibre, apenas 9% dos adultos do Reino Unido alcançam a quantidade recomendada. Em 2015, o governo aumentou a dieta de fibras recomendada de 24g para 30g por dia e, desde então, tem havido muito poucas alterações na sua ingestão por parte da população britânica.

Grande parte do livro de Ravella é dedicado aos benefícios da dieta mediterrânica, que assenta em alimentos à base de vegetais ricos em fibras e em plantas anti-inflamatórias, em que a principal fonte de gordura é o azeite e em que a carne vermelha e os doces são pitéus ingeridos apenas ocasionalmente.

Talvez a maior publicidade possível à dieta mediterrânica seja o próprio homem que a "descobriu" e promoveu: o psicólogo Ancel Keys morreu em 2004, a escassos dias do seu 101º aniversário.

A variedade é importante

"Um dos maiores mal-entendidos existentes é que uma dieta anti-inflamatória exclui diferentes grupos de alimentos. Na verdade é muito inclusiva", afirma Ravella.

De acordo com a Action on Fibre: "Ao longo dos anos, a política do governo tem-se focado na redução da quantidade de calorias, sal e açúcar que consumimos, mas pouco enfoque tem dado ao aumento do grupo de alimentos e nutrientes de que mais necessitamos." Talvez esteja na altura de repararmos nisso.

Ravella aconselha os seus pacientes a encherem os seus pratos com uma gama de plantas o mais variada possível. "Isto inclui alimentos que nós fomos habituados a evitar: cereais integrais – até feijão e aqueles que contêm glúten – são alimentos anti-inflamatórios", diz.

Os vegetais crucíferos, como os brócolos, a couve-flor e a couve frisada (kale), são especialmente saudáveis, porque contêm moléculas designadas por isotiocianatos, que removem as toxinas, previnem danos no ADN e aniquilam as células cancerígenas.

"[Estes alimentos] oferecem uma poderosa proteção contra doenças inflamatórias crónicas", diz Ravella. A especialista também recomenda a fibra solúvel que se encontra nas bananas, na aveia e no feijão. "As bactérias do intestino adoram estes alimentos. Elas fermentam as fibras solúveis para formar correntes curtas de ácidos gordos que reduzem a inflamação nos intestinos e por todo o organismo", diz.

Investigações reiteradas, incluindo um estudo de 2019 realizado na Clinical Nutrition, demonstrou que alimentos que são ricos em polifenóis – frutos vermelhos, citrinos, cereais integrais e frutos secos – combatem os radicais livres indutores de cancro e regulam os marcadores inflamatórios, incluindo a PCR. Os cogumelos são uma fonte natural de vitamina D, conhecidos por ajudarem o organismo a absorver cálcio e fortalecerem o sistema imunitário. A cebola e o alho também estimulam a imunidade e reforçam as bactérias do intestino.

Alimentos a evitar

"O sistema imunitário responde à dieta ocidental, carregada de alimentos animais modernos, açúcares, sal, carboidratos refinados e alimentos processados, como responderia a qualquer germe nocivo", diz a dra. Ravella. "Estudos realizados tanto em animais, como em seres humanos demonstram que esta dieta pode ativar diretamente o sistema imunitário, levando as células do nosso organismo a um esforço extremo e instigando as nossas células imunitárias a produzirem uma sobrecarga de moléculas inflamatórias e uma quantidade mais reduzida das anti-inflamatórias."

Portanto, alimentos que devemos contornar: cereais com elevado teor de açúcar ao pequeno-almoço, batatas fritas e outros alimentos salgados, carnes processadas, incluindo bacon e salsichas, refrigerantes, qualquer coisa que inclua xarope de milho e gorduras saturadas em excesso.

Tenho mesmo de abdicar da carne, de todo?

"Os alimentos animais modernos não têm a mesma qualidade daqueles consumidos pelos nossos antepassados", sublinha Ravella. "Por exemplo, a carne de antílope, que os antropólogos sugerem ser semelhante à carne do Paleolítico, é mais magra e tem maior concentração de gorduras ómega-3 do que a carne moderna. Entretanto, há crescentes indícios de que a proteína animal é prejudicial para o organismo, conduzindo a um excesso de substâncias toxicas, tais como o sulfureto de hidrogénio no intestino, que está ligado a enfermidades, como a doença inflamatória intestinal e até cancro.

"Por vezes, as pessoas afirmam que uma dieta reduzida em hidratos de carbono e rica em alimentos animais modernos as ajuda a perder peso, mas a inflamação criada por esta alimentação pode ser silenciosa e traiçoeira, por isso o preço de consumir quotidianamente estes alimentos nem sempre é aparente, logo de início."

Uma dieta alimentar pobre continua a dar origem a gordura intestinal e inflamação oculta, mesmo perante a ausência de visível gordura abdominal.

No início dos anos 1970, Ancel Keys – o tal que deu fama à dieta mediterrânica – observou um grupo de lenhadores finlandeses em super-boa-forma física que viviam fazendo uma dieta alimentar de carne vermelha, manteiga e ovos, e que estavam a cair mortos de ataque cardíaco ao ritmo mais elevado conhecido no mundo.

A mensagem de Ravella aqui é clara: na vossa dieta, cortem nos alimentos animais. Em especial, minimizem ou evitem a carne vermelha e carnes processadas.

"Se optarem por incluir alimentos animais na vossa dieta, maximizem primeiro a ingestão de fibras e, depois, escolham laticínios fermentados de alta-qualidade, ovos, marisco e carne avícola magra em reduzida proporção, que estejam em linha com os padrões dietéticos tradicionais – como na dieta mediterrânica."

Miranda-Levy / Telegraph Media Group Ltd / Atlântico Press

Tradução: Adelaide Cabral

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