Como o rabo feminino se tornou político… e o que isso revela a nosso respeito
Algumas mulheres são capazes de tudo para alcançar a “pera” perfeita. O que esconde esta obsessão? Sarah Ditum traça a evolução do derrière, desde a anquinha aos liftings de nádegas.

Camem-lhe bunda. Chamem-lhe nalgas. Usem o emoji do pêssego, se quiserem. Chamem-lhe simplesmente, rabo. Mas independentemente do nome que escolherem, esta parte específica do corpo humano tem dominado o século XXI no que toca aos padrões da beleza feminina. Estamos a viver a era dourada do traseiro.
Procurem no Instagram e vão descobrir que qualquer lança-armadilhas sexy (thirst trappers) que se digne dos seguidores que tem de certeza que oferece uma boa perspetiva de parte da sua anatomia traseira. Vão ao ginásio e, onde em tempos teriam visto mulheres obstinadamente queimando calorias em máquinas de cardiofitness, agora estão na sala dos pesos, a fazer agachamentos e elevações de quadris para maximizar os glúteos. Ou perguntem aos cirurgiões plásticos, que relatam que o aumento do volume e o lifting das nádegas são os procedimentos com maior aumento de procura em todo o mundo.
Há três principais formas de aumentar o traseiro: infiltrações, implantes e transferências de enxertos de gordura, conhecidos por "Lifting de Bumbum Brasileiro" (BBL, na sigla inglesa). Todas elas conheceram um aumento drástico de procura nos últimos anos. De acordo com a Associação Internacional de Cirurgia Plástica Estética, a procura por operações de aumento do volume das nádegas cresceu 41% desde 2017.
Isto apesar do facto de estas operações virem acompanhadas de uma margem considerável de complicações. O BBL, em particular, apresenta uma taxa de mortalidade impressionante. Pelo menos um em cada 3.000 pacientes BBL morrerá em resultado da operação, que envolve retirar gordura de uma outra área do corpo, usando lipoaspiração, e reinjetá-la nas nádegas ou ancas. O risco é que o cirurgião atinja uma artéria, bombeando gordura para a corrente sanguínea e provocando uma embolia.

Os pacientes também podem sofrer um necrose gorda – a gordura reinjetada literalmente morrer no interior do seu corpo. Mesmo no melhor dos cenários, trata-se de um processo extremamente doloroso e a recuperação torna-se mais difícil pelo facto de os pacientes poderem acumular peso nas nádegas durante o processo curativo. Entretanto, emergiu um ramo de negócio subsidiário de locais de recuperação em torno das clínicas, onde as mulheres podem descansar em espreguiçadeiras adaptadas com buracos no local do traseiro.
Tudo isto pode parecer estranho para aqueles, de entre nós, cuja memória consegue remontar até ao distante passado dos anos 90 e 2000, em que o ideal era o ultramagro.

A emblemática série da BBC The Fast Show até fez uma piada com a ansiedade feminina de parecer magra, usando a deixa de Arabela Weir "O meu traseiro parece grande demais com isto?" que se tornou um slogan. "Não se era magrinho até se conseguirem ver os ossos", recorda Lorry Hill, uma YouTuber que tem vindo a traçar as tendências da cirurgia plástica.

Hill atribui o domínio do derrière à influência de uma mulher: Kim Kardashian, que alcançou imensa fama com um vídeo de sexo, seguido por um reality show em 2007. Desde o início, a figura curvilínea de Kardashian foi crucial para a sua imagem pública. O primeiro episódio de Keeping Up with the Kardashians começa com a mãe e irmã dela a discutirem "o quanto [ela] tem acumulado no porta-bagagens".
Nem toda a gente era seu admirador convicto: Paris Hilton rudemente descreveu o traseiro de Kardashian como "nojento (…) [tipo] requeijão enfiado num enorme saco do lixo", numa entrevista em 2008. Mas a moda não estava do lado de Paris. Na verdade, a tendência já tinha começado a virar. Em 2001 as Destiny’s Child – a banda que lançou a carreira de Beyoncé – tinham posto no mapa a confiança nos corpos de rabos grandes com a canção Bootylicious, e Jennifer Lopez já estava a ser aclamada pelas suas curvas. Quando os anos 2000 chegaram ao fim, a era do traseiro já estava em pleno vigor.

Desde o período imediatamente após a Segunda Guerra Mundial que a voluptuosidade não era tão assumidamente celebrada. As figuras tipo bombas boazudas de Marilyn Monroe e Rita Hayworth haviam representado o exemplo supremo da atração feminina: amplos seios, traseiros grandes e uma cintura bem delgada. Trata-se de uma forma física muitas vezes descrita como "típica de mulher", querendo com isto dizer-se que existe alguma ironia no facto de para a maioria das mulheres a alcançarem ser necessário ajuda.
As mulheres de meados do século XX usavam cintas para aplainarem o corpo numa figura de ampulheta – espartilhos proporcionavam a exagerada cintura de vespa exigida pela silhueta do New Look da Christian Dior. Por muito apertados que estes fossem, pelo menos tinham o benefício de serem feitos dos novos tecidos elásticos, significando que eram mais leves e flexíveis do que as rígidas roupas interiores impostas às gerações anteriores.

Recuemos até ao início dos anos 1900 e, em busca da "Curva S" da moda, a mulheres usavam espartilhos com armações de aço para apertar a cintura para dentro e empurrar a anca para trás – produzindo aquela importantíssima curva ao fundo das costas que dava ênfase ao traseiro. No século anterior, as longas saias de forma bufante aumentavam ainda mais o contraste, ao acrescentarem um volume tremendamente exagerado à parte inferior do corpo.

Numa moda extrema para o traseiro, houve tendência para acrescentar almofadas diretamente sobre o rabiosque: a anquinha, que foi popular nas décadas de 1870 e 1880, criava uma espécie de projeção quase tipo prateleira na base da espinha. Estas iam das mais baratas almofadas feitas de crina de cavalo, a dispendiosas armações em barbas de baleia, e até havia uma versão flexível, chamada a "nova anquinha Phantom", que convenientemente se dobrava para cima quando a utilizadora se sentava.

Por outras palavras, muito antes da emergência da cirurgia plástica, a tecnologia já estava a ser usada para moldar o corpo das mulheres e realçar o seu traseiro. Seriam estas tendências conduzidas pelas preferências femininas ou pelo gosto masculino? É difícil dizer: historicamente o design e produção de vestuário foi dirigido por homens, não por mulheres. Mas, seja como for, as mulheres há muito que têm tomado as medidas mais drásticas na busca pela silhueta da pera. Há um poder hipnótico no traseiro perfeito.
O rabo humano é excecional. "Nádegas bem desenvolvidas", escreveu o antropólogo Ashley Montagu em 1966, "são um traço típico do homem. Nenhum dos outros primatas tem algo tão bem desenvolvido." Há duas coisas que distinguem o Homo Sapiens: cérebros desenvolvidos e traseiros grandes. E a evolução destas duas características influenciaram-se uma à outra de formas subtis.

O fundamento para o considerável rabiosque humano consiste nos enormes músculos necessários para manter os nossos corpos eretos. Sobre eles ainda vem a espessa camada de gordura exigível para alimentar as nossas capacidades cognitivas. Enquanto os outros símios têm menos de 9% de cordura corporal, para nós uma linha saudável situa-se entre os 14% e os 31%. Até um humano esguio é um primata anafado.
Portanto, para ambos os sexos, um traseiro bem tonificado é um grande indicador de boa-forma física. Mas nas mulheres é especialmente importante. As mulheres têm normalmente cerca de mais 10% de gordura corporal do que os homens e guardam-na em torno da parte inferior do corpo, em vez de no torso – é a clássica forma de pera. Estas acumulações desempenham um importante papel reprodutivo: podem sustentar uma mulher durante a intensa atividade calórica da gravidez e amamentação.

As ancas das mulheres são também mais largas do que as dos homens devido à nossa estrutura óssea. Embora a pélvis ideal para um animal ereto, como nós, fosse uma mais estreita, aqueles enormes cérebros humanos deram origem a bebés com cabeças grandes: a pélvis feminina é mais ampla para acomodar o parto. Deste ponto de vista, um rabo grande numa mulher poderá, para um homem, encerrar a promessa de uma prole bem-sucedida.
O rabo feminino tem sido objeto de fascínio e especulação para os evolucionistas. O livro de 1967 de Desmond Morris O Macaco Nu defendia que um traseiro rechonchudo foi o chamariz erótico original. "A dada altura, no passado entre os nossos ancestrais, devemos ter usado a abordagem traseira", ponderava ele. "Supondo que tenhamos atingido a fase em que as fêmeas exibissem sinais sexuais ao macho a partir de trás com um par de nádegas carnudas e hemisféricas (…)."
Uma vez tendo os humanos evoluído para uma forma de caminhar ereta, Morris argumentava que as fêmeas precisaram de algo na parte da frente do seu corpo que imitasse o traseiro: "Os seios protuberantes e hemisféricos da fêmea devem seguramente ser cópias das nádegas carnudas", concluiu ele. Por outras palavras, segundo Morris a grosseira classificação de se ser "homem de rabos" e "homem de mamas" não tem qualquer significado: há é homens que simplesmente gostam de rabos e homens que gostam de sucedâneos de traseiros.


Toda esta teorização pode ajudar a explicar por que razão a retaguarda veio a tornar-se objeto de tanto fetichismo nos últimos anos. O que não consegue explicar, no entanto, é o porquê de ter havido longos períodos em que os rabos grandes caíram em desgraça. Se a natureza prefere as curvas, como é que as mulheres acabaram por aprender a abominar as suas?
Quando o artista renascentista Peter Paul Rubens definiu o corpo feminino perfeito, foi claro quanto ao tipo de traseiro que este incluía: "nádegas que não são esticadas ou descaídas, mas redondas, amplas, firmes e carnudas", escreveu nos seus blocos de apontamentos. Coxas anafadas e barrigas em curvatura também faziam parte da lista. Seria, como é óbvio, um erro ver isto como uma espécie de aceitação corporal (body-positivity) antes do seu tempo. Os requisitos de Rubens, que fizeram eco nos nus de outros pintores, incluindo em Ticiano, eram tão exigentes como qualquer atual conjunto de padrões.
Na era anterior à fotografia, as mulheres podiam ser simplesmente desenhadas com o aspeto físico que "supostamente" deveriam ter e foi a ilustração que impulsionou a primeira inflexão para um ideal mais delgado. O trabalho da artista Gordon Conway para a Vanity Fair e para a Vogue nos Anos 1920 definiu a figura das garçones de ancas estreitas. As fotografias de Conway eram a visão do ideal da mulher e adaptavam-se bem àqueles tempos de libertação – um tempo em que o sufrágio estava no ar e em que as mulheres desportivas como Jordan Baker, "esguia e de seios pequenos", do Grande Gastby, pareciam representar o futuro.


Nos anos 1960 o corpo de bomba boazuda começou definitivamente a perder o estatuto que tinha e isto pareceu acontecer em concertação com o facto de as mulheres ganharem, elas próprias, um maior estatuto. Num artigo de 1961, a crítica de cinema Pauline Kael avaliava as silhuetas de pin-up, tais como a de Marilyn Monroe e de Jayne Mansfield, com uma visão política e profundamente indelicada. Para Kael, a figura curvilínea nada mais representava do que o desejo masculino de ver as mulheres rebaixadas.
"Estas imagens sexuais esponjosas e sub-humanas reduzem as mulheres ao mais baixo patamar humano", escreveu Kael. "E no mundo moderno, em que as mulheres são competentes, independentes, livres e iguais, os homens sentem uma hostilidade competitiva e maciça – eles querem ver as mulheres reduzidas a nada mais do que um montículo que gratifique qualquer impulso masculino."
Quem quereria ser um montículo? O novo ideal feminino era esguio, traquinas e refinado, e simbolizado por Twiggy, que teve a sua primeira capa Vogue em 1967. À medida que a segunda vaga feminista ganhava força, as bainhas das saias subiam e as velhas roupas interiores limitativas foram descartadas. Depois dos anos 1960 estávamos na era daquilo a que os historiadores da Moda chamaram do "corpo exposto": as roupas assumiam a forma do corpo que estava por baixo, em vez de imporem uma forma diferente ao organismo.


Desde o século XIX, os "reformistas do traje" têm reconhecido que a roupa restritiva estava interligada com as restrições impostas, de um modo mais geral, às mulheres. Uma mulher com um espartilho de barbas de baleia nunca poderia ser livre. Com isto em mente, foi fundada a Rational Dress Society [trad. literal: Associação do Vestuário Racional] em 1881 para protestar contra "a introdução de qualquer moda no traje que deform[asse] a figura, imped[isse] os movimentos do corpo, ou por qualquer modo tend[esse] a prejudicar a saúde".
Esta entidade sublinha um ponto forte. Toda aquela tecnologia para realçar as curvas acarretava um custo elevado para o corpo cujas curvas estavam supostamente a ser realçadas. Os espartilhos com fitas bastante apertadas restringiam a respiração e esmagavam os órgãos. As volumosas saias compridas faziam da simples tarefa de caminhar um desafio. E as anquinhas (a não ser que se tivesse uma do tipo daquelas mais práticas, retráteis) tornava praticamente impossível o ato de sentar. Estas roupas interiores arquiteturais eram, além do mais, pesadas, sobrecarregando em média uma mulher comum com quase 6,5 kg.
Portanto, o afastamento da figura da ampulheta que veio com anos 1960 representou a libertação das mulheres. A não ser, isto é, que tenha representado algo mais insidioso: uma espécie de reação adversa. O "corpo exposto" na Moda significava que as mulheres eram julgadas não só pelas roupas que usavam, mas também pela figura que tinham. Agora, não apenas era possível ter o guarda-roupa errado – você própria podia ter o aspeto errado.
À medida que a reforma agrária conduzia a melhorias na dieta alimentar, estar bem alimentado deixou de ser algo a que se aspirasse. Um rabo grande havia, em tempos, não apenas significado boa-forma física reprodutiva, como também categoria social superior: ter curvas anunciava o facto de que se tinha dinheiro para pagar calorias. A melhor nutrição do século XX quis dizer que ser anafado podia tornar-se vulgar e a magreza foi elevada a estatuto de símbolo.


No seu livro de 1990 O Mito da Beleza, Naomi Wolf defendeu que a ascensão da magreza foi, na verdade, uma retaliação contra as liberdades de que as mulheres estavam a usufruir: "Quando as mulheres entraram em massa nas esferas masculinas, esse prazer teve de ser anulado por um expediente social urgente que iria transformar os corpos das mulheres nas prisões que as suas casas já haviam deixado de ser."
Independentemente daquilo que levou a esta alteração, um traseiro grande deixou de ser algo a que aspirar. Em 1988 Rosemary Conley publicou o seu livro Hip and Thigh Diet [trad. literal: Dieta para a Anca e Coxas], tendo por alvo a atualmente problemática carga: "As minhas coxas e traseiro estão tão esguios, que eu estou absolutamente estasiada", dizia delirante um dos testemunhos no livro. Em 1991, Jane Fonda lançou um vídeo de exercícios físicos intitulado Lower Body Solution [trad. literal: Solução para a Parte inferior do Corpo] – sendo a implicação do título, é claro, que a parte inferior do seu corpo é um problema.
O ideal de magreza teve variações. Nos Anos 80 as supermodelos eram esculturais e atléticas. Nos 90, a figura extremamente magra e esbelta – mais associada a Kate Moss – começou a dominar. Em nenhum destes tipos, no entanto, é provável que as "carnudas nádegas" louvadas pelo evolucionista Desmond Morris venham a ter protagonismo.

À chegada aos 2000 a magreza era praticamente um desporto de competição entre as celebridades femininas e a Moda foi brutalmente inóspita para a carne humana. Tops com tiras fininhas e cinturas descidas pouca ajuda deram a corpos maiores do que o Tamanho S. Foi insustentável: a amiga de Paris Hilton, Nicole Richie – na altura uma das favoritas dos tabloides – admitiu ser "demasiado magra" em 2006, enquanto a atriz Lindsay Lohan revelou que a sua estrutura elegantemente reduzida era, na verdade, um sintoma de um distúrbio alimentar.

O pêndulo teria de balançar e o traseiro pavoneante de Kim Kardashian iria dar-lhe o empurrão necessário. Mas esta ressurgência das figuras "típicas da mulher" iriam acontecer sem alterar as preferências pelo "corpo exposto" da Moda. Para muitas mulheres do século XXI, o traseiro perfeito não viria a ser alcançado com almofadas ou corpetes, mas graças a uma remodelação drástica do próprio corpo.
O regresso da importância do traseiro parecia ser, superficialmente, como uma vitória para a aceitação corporal. Após décadas de dieta cultural impondo às mulheres que se encolhessem até um simulacro de pubescência, elas estavam publicamente a celebrar a forma que lhes fora atribuída por Deus. "Não vou ser um pau-de-virar-tripas / uma boneca Barbie de silicone/ Portanto, se é disso que tu gostas, então segue o teu caminho e vai à tua vida", cantava Megan Trainor no seu single de estreia All About the Bass.

Tal como na era vitoriana, os rabos grandes tornaram-se um símbolo de riqueza e sucesso. "O meu cheesecake consumidor do fundo das minhas algibeiras", gabava-se a rapper Nicki Minaj nas suas estrofes em Monster, de Kanye West, em 2010, no qual também rimava "rabo roliço" com "arranja bagaço [dinheiro]". As curvas dela tornavam-na desejável, mas também demonstravam que não dependia da aprovação masculina: ela ganhava dinheiro suficiente para cuidar de si própria.
Para a maioria das mulheres, no entanto, conseguir ter uma idealizada figura de ampulheta não vai surgir apenas graças a cheesecake. Incluindo para Minaj: durante uma entrevista num podcast em 2022, ela admitiu ter ido fazer "injeções no traseiro" (presumivelmente infiltrações) no início da sua carreira administradas por "uma pessoa qualquer". Rodeada por artistas-homens que abertamente tinham fetiches por "mulheres com rabos grandes", ela disse que "não se sentia completa ou suficientemente boa". É uma pressão que a mulheres negras podem sentir de um forma particularmente intensa: no recente livro de Heather Radke, Butts: A Backstory [trad. livre – Traseiros: Uma História de Retaguarda], uma mulher negra explica que o seu traseiro pequeno a faz sentir "racialmente pouco autêntica".

Minaj está longe de ser a única a receber tratamento de fonte duvidosa. A indústria dos preenchimentos (fillers) está mal regulada e, como o aumento do volume das nádegas, seja de que tipo for, cai no extremo mais arriscado do espetro da cirurgia plástica, aqueles profissionais que estão dispostos a praticá-la estão muitas vezes entre os de menor reputação. Na América, há uma quantidade de clínicas em Miami – todas propriedade do mesmo homem – que provocaram a morte de quatro pacientes de BBL ao injetarem gordura nos seus músculos.

A BBL é tão perigosa que em 2018 a Associação Britânica de Cirurgiões de Plástica Estética lançou um apelo para que todos os seus membros parassem de realizar a operação. Mas isso não estancou a procura por este tipo de serviços. "A dificuldade é [que] se tiverem alguém que quiser ir avante com a cirurgia, eles vão fazê-la seja como for", diz Oliver Thorn, do escritório de Advogados Slee Blackwell, que está especializado em casos de danos corporais por cirurgias plásticas.
Diz ele que tem assistido a um aumento alarmante de consultas por parte de pacientes (na sua maioria, mulheres) que ficaram insatisfeitas ou sofreram danos devido a aumento do volume de nádegas – incluindo muitas que viajam até ao estrangeiro como "turistas cirúrgicas", frequentemente à Turquia. "Na sua maioria, trata-se de implantes. Eles voltam-se literalmente de um lado para o outro, de modo que é possível ver a forma do implante e como estão muito lisos de um dos lados."
A infeção é também um risco e, nesses casos, o implante afetado poderá ter de ser removido pelo SNS. Pergunto se o SNS removeria o outro lado por uma questão de cortesia. "Eu diria que eles, provavelmente, só removeriam aquele que está infetado", diz Thorne. Muitas vezes, os pacientes descobrem tarde demais que o seu cirurgião é não apenas pouco qualificado, como também tinha um seguro com uma cobertura insuficiente, deixando-os a braços com os estragos.
A tentação de ter uma parte inferior do corpo perfeita é tão grande, no entanto, que os pacientes poderão ignorar os sinais de alerta. Foi isso que Danielle (nome fictício), de 32 anos, de Brighton, diz que a levou a gastar 6130 libras [cerca de 6910 euros] em três rondas de injeções de preenchimento (usando a mesma substância que os fillers para os lábios) que ela crê terem-na deixada sem quaisquer resultados visíveis e com lesões nervosas.


Naturalmente magra, diz-me ela: "Sempre detestei que me chamassem magricela (…). Sempre quis o oposto." As redes sociais exacerbaram o seu descontentamento, diz, por isso quando o Instagram começou a apresentar-lhe anúncios de uma empresa que prometia "o traseiro que sempre quis ter", ficou imediatamente interessada.
Desde a sua primeira consulta, Danielle conta que a clínica aplicou táticas de venda muito agressivas e não discutiu efeitos colaterais, nem sequer que tipo de preenchimento estavam a usar. "Não fazia ideia do que era, pelo que, obviamente, sinto-me estúpida, mas estava só muito entusiasmada, na altura." No entanto, depois de o inchaço provocado pelo trauma da injeção ter desaparecido, não havia qualquer diferença física visível. Quando se queixou, a clínica disse-lhe que ela só precisava de mais tratamento.
Como se a afronta não bastasse, ela acredita que a empresa colocou uma versão manipulada das fotos que ela enviou na sua queixa como o "antes e depois", para angariar mais negócio no Instagram. "Vendeu um sonho de que vai resolver este problema em concreto", diz ela. "Isto põe-me mesmo triste, porque eu sinto-me como se tivesse sido visada especificamente quanto a algo que constituía uma insegurança minha bastante grande." Para as clínicas predatórias, os problemas de imagem do corpo feminino são uma oportunidade pura e dura.

Apesar da imensa especulação, Kim Kardashian sempre negou ter feito qualquer intervenção cirúrgica, atribuindo o seu traseiro à sua herança arménia. (Num episódio de Keeping Up with the Kardashians ela até se submeteu a raios-X para provar a ausência de implantes – embora isso não exclua os enxertos de gordura). Além de que recentemente ela emagreceu drasticamente, levando a analista de tendências do YouTube Lorry Hill as interrogar se a era da silhueta com curvas tinha chegado ao fim.

Após uma enxurrada de modelos muito magras nas passarelas da Semana da Moda, o New York Post chegou mesmo a declarar o regresso do "heroin chic". Para mulheres que só recentemente começaram a aceitar o facto de que o traseiro está na moda, isto é uma treta desconcertante, especialmente se se submeteram a intervenções cosméticas para obter a versão anterior do corpo ideal.
Esta é, no entanto, a natureza dos padrões da beleza e sempre assim foi. Quer o traseiro esteja supostamente destinado a representar potencial de maternidade (Morris), um montículo de disponibilidade sexual (Kael) ou independência financeira (Minaj), a versão perfeita estará sempre ali, mesmo fora do alcance, para a maioria de nós. Na busca pelo traseiro supremo, esquecemo-nos de que cada rabo humano é uma maravilha natural por direito próprio.
Tradução: Adelaide Cabral

Beleza, Discussão, Rabo, Corpo Feminino, Curvas, BBL, Cirurgia Plástica, Fillers, Kim Kardashian, Cardi B, Rihanna, Kate Moss, Nicole Richie, Paris Hilton, Beyoncé, Iggy Azalea, Ashley Graham
Fox Eyes, a tendência que Bella Hadid popularizou (e se vale a pena tentar)
Quem tem uma presença nas redes sociais sabe que o tema do momento está em constante mudança, e que bastam alguns meses para se tornarem obsoletos. Mas será mesmo assim na vida real? Em Portugal, o efeito "fox eyes" parece ter os seus fãs.