O diabo veste...Caxemira. O guarda-roupa dos super ricos
'Succession' acaba de voltar aos nossos ecrãs, com o seu guarda-roupa de fatos elegantes e malhas subtis – e sem um logótipo à vista. Vassi Chamberlain conversou com a costume designer da série sobre como se veste um multimilionário.

Há alguns verões, estava eu de férias nos Hamptons com um britânico residente em Nova Iorque, tive um vislumbre das regras da Moda dos super ricos. Era a minha última noite e um amigo meu que trabalha em relações públicas convidara-nos para uma festa de angariação de fundos na casa em frente à praia de um multimilionário tímido e desajeitado. Não havia dress code, mas os sinais de riqueza — brushings de cabeleireiro, diamantes e etiquetas — eram abundantes. Havia, porém, uma exceção: o anfitrião que, com a sua camisola azul de decote em V, T-shirt branca, sapatilhas e boné de basebol, parecia estar prestes a instalar-se no sofá para passar a noite a ver TV. Não teria querido dar-se ao trabalho, lembro-me de pensar, ou seria este look um gozo cuidadosamente planeada, com um significado muito mais interessante? É o tipo de subtileza que Succession, a história com contornos de Lear sobre quatro irmãos (mais vários membros bajuladores da família) que pretendem ficar com a coroa do pai, capta tão bem. A segunda temporada terminou com mais uma alusão a Shakespeare — um momento pleno de suspense inspirado em Macbeth, uma morte metafórica do rei.


A terceira temporada estreia agora e eu mal posso esperar por dissecar as subtis pistas de Moda, porque a forma como os vários mandarins se apresentam anuncia frequentemente o seu destino e, mais importante, as suas intenções. É raro um filme ou uma série de televisão representarem tão fielmente o que se passa realmente no universo restrito dos super ricos. Geralmente, temos de ler A Fogueira das Vaidades ou O Grande Gatsby para ter esse nível de pormenor, mas esta série fá-lo com um brilhantismo observacional perfeito. Perguntei a Michelle Matland, costume designer de Succession e nomeada para um Emmy —veterana da indústria há 25 anos, cujos pontos altos de carreira incluem Mamma Mia!, Cold Mountain, Escândalos do Candidato e, mais recentemente, A Rapariga no Comboio — como alcançou esta proeza. "Bem, andei a perseguir outfits na Madison Avenue [em Nova Iorque]", disse. "Não vejo as coleções nem as revistas. Prefiro ir a lojas como a Saks, Bergdorf ’s ou Bloomingdale’s." Então, anda à espreita do que vestem os ricos? "Posso estar a ver os expositores na Loro Piana, por exemplo, e ver um casal entrar. Ele tem 72 e ela, para aí, uns 42." Rimo-nos os dois do cliché óbvio. "Vejo-os a examinar as camisolas de caxemira e ela diz: ‘Querido, que tal isto?’, segurando uma peça. Então, olho bem para a camisola e interrogo-me por que ela a escolheu para ele."



A pesquisa de Matland também inclui andar pelas ruas da zona central de Nova Iorque, passando à porta dos escritórios de grandes empresas como a Viacom, para ver as subtilezas da hierarquia masculina — as pastas, os sapatos, os relógios. O ponto a destacar é a ausência de logótipos óbvios porque não há necessidade de mostrá-los neste mundo, pelo menos não no topo. És o Tom Wolfe dos costume designers, digo-lhe. Shiv, a única filha (interpretada por Sarah Snook), que ao princípio, parecia não se importar com herdar a coroa do pai, pois trabalhava em política, mas na segunda temporada pôs os olhos no prémio, é possivelmente a personagem mais interessante de estudar.

Ao longo de duas temporadas, vemo-la passar do seu look típico de mulher rica e conservadora, com saltos baixos e cardigans — da moderna, mas discreta marca Theory — e um cabelo de comprimento médio de baixa manutenção para se transformar gradualmente numa amazona subtilmente sexy e poderosa com camisolas de gola alta diáfanas, vestidos de noite sem costas, saias de seda coleantes, fatos de calças com a cintura alta e um bob chique pelo queixo. Aqui Matland sobe o tom, recorrendo a Stella McCartney, Gabriela Hearst, The Row e Armani, juntamente com Max Mara e Suistudio. "Passámos de um look dos primeiros tempos de Carolyn Bessette, que era muito simples, com linhas direitas e elegantes, calças de ganga e uma camisa branca impecável, tudo topo de gama, mas sem nada que chamasse a atenção para a riqueza, para um estilo mais parecido com o de Katherine Hepburn, com calças de cintura subida e camisolas de gola alta", diz Matland. ‘‘É um look que diz ‘estou aqui, estou pronta para te enfrentar, se for preciso’. É simultaneamente desafiante e cool. Na terceira temporada, ela descobre a sua liberdade e força interior. É movida por um objetivo, mas agora sabe quem é, é dona da sua sexualidade e isso vai fazer-se sentir mais. Estou curiosa por ver onde o Jesse [Armstrong, o criador e argumentista britânico da série] a vai levar. Ela pode vir a ser a líder da família Roy ou afastar-se, mediante as suas próprias condições. "Há muito mais complexidade em vestir mulheres – é sempre assim", prossegue Matland. ‘‘Elas sabem melhor como usar a sua roupa. É algo inato. Os homens aprendem a fazê-lo."


Entretanto, Kendall, o irmão de Shiv, interpretado por Jeremy Strong, é o segundo filho, inteligente e astuto, mas aparentemente fraco. Passa a vida em discotecas e o seu estilo varia desde Gucci clássico aqui, Balenciaga além e um guarda-roupa furtivo que replica o do seu pai à medida que vai avançando no seu encalço. Por outro lado, Roman (Kieran Culkin), o irmão mais novo de espírito mordaz, esconde a sua ambição por detrás da aparência de uma personagem cómica como Puck, com um estilo quase juvenil.


No entanto, é o patriarca maquiavélico, Logan Roy (interpretado com brilhantismo pelo ator escocês Brian Cox), que é o verdadeiro estudo de caso de poder e arrogância. Logan alterna entre um casaco de malha velho em caxemira com gola larga Loro Piana e boné de basebol, quando está definitivamente no seu modo mais letal, sempre durante as reuniões de família de fim-de-semana, e os fatos Leonard Logsdail feitos por medida complementados por lenços Hermès quando exibe grandeza e boémia encenada por um especialista em relações públicas na sala de reuniões do conselho de administração. Já o divertido e apegado marido de Shiv, Tom (interpretado por Matthew MacFadyen), é frequentemente ridicularizado pelos irmãos Roy pelo seu guarda-roupa de fatos de boas marcas, mas de pronto-a-vestir.



Os acessórios também desempenham um papel importante. "As joias são essenciais para identificar uma personagem’’, diz Matland. ‘‘Os homens estão a usar um relógio Rolex ou Piaget, Shiv usa diamantes minúsculos ou um colar de pérolas, enquanto a mulher de Logan, Marcia [interpretada por Hiam Abbas], tem mundo e é misteriosa. Por isso, ela usa coisas que foi colecionando ao longo da sua jornada, com alguns pormenores das suas viagens. Gerri, por outro lado [membro do conselho de administração e confidente de Logan, interpretada por J Smith-Cameron], usa joias subtis e caras, mas previsíveis. Ela é como uma mulher que trabalha em política: usam todas o mesmo uniforme. Enquanto tentamos ser o mais anti-Kardashian possível."
Em Succession, como em tantos códigos de Moda dos super ricos, as alusões não se ficam pelas roupas, estendendo-se ao interior das casas. "Se o designer de cenários, Steven Carter, escolher uma poltrona capitonê para o quarto de Logan, sei imediatamente o tipo de pantufas de tecido que ele vai calçar", diz Matland. "E se Kendall se deixar cair para o lado de cansaço num sofá de linhas minimalistas em tons claros, sei de que cor vão ser as suas calças de fato de treino em caxemira." Com efeito, todos os cenários possíveis são pensados com antecedência. "Trabalho em situações como a transição de uma personagem do duche para o quarto. Estamos preparados para tudo o que possa acontecer: estão de pantufas, com um turbante ou um par de chinelos de enfiar no dedo?


Agora estou mais convencida do que nunca de que o multimilionário que deu aquele jantar nos Hampstons inspirou o look de Roy quando está a jantar em frente à televisão, mas Matland é demasiado discreta para revelar mais do que o seguinte: "Há afirmações de que os estupidamente ricos jogam um jogo, sempre com sentido de humor, mas eles sabem exatamente o que estão a fazer".
Sempre achei espantosas as presunções de superioridade de algumas personagens super ricas. Há alguns anos, estava a trabalhar no festival de cinema de Cannes e fui com um grupo à casa à beira-mar de uma pessoa parecida com Logan Roy. Ele insistiu em fazer-nos uma previsível visita guiada à sua impressionante coleção de Arte. Quando saímos, passámos por um Aston Martin clássico raro que estava estacionado à porta de casa. A capota estava aberta e, junto à maneta das mudanças, estava um par de luvas de condução imaculadas, em cabedal castanho. Parecia uma montra de uma loja de luxo e gritava mais do que um Picasso de 50 milhões de libras, de tão hilariantemente estudado e intencional que era.


Com efeito, alguns dias depois de voltar dos Hamptons, e de ter conhecido o multimilionário discreto, voei até Ibiza e fui diretamente para uma festa. Quando entrei, tive uma experiência extra-corpórea. Foi como se alguém tivesse ligado as luzes e eu tivesse entrado num universo alternativo e fluorescente de carne nua e bronzeada, Moda de cores vibrantes e expressão humana libertária que não dizia nada sobre a riqueza ou a rigidez das convenções, mas dizia tudo sobre cada pessoa enquanto indivíduo. Não faço ideia se havia algum Logan Roy presente porque, se estivesse, seria irrelevante, invisível.

Foi então que percebi que passara as últimas duas semanas a viver naquilo que parecia ser um filme unidimensional a preto a branco, onde as personagens pertencem a dois campos, cada um com o seu uniforme: os que nos esfregam na cara a sua arrogância vestindo-se como se não se preocupassem minimamente e os que rastejavam a seus pés, gritando a sua alegada riqueza e necessidade de aceitação nesse mundo, adornando-se com etiquetas vistosas e extravagantes. "É o dinheiro antigo versus o dinheiro novo", diz Matland. Mas "antigo" significa século XXI – antigo tipo ontem. Por isso, quanto mais depressa aprendermos que menos é mais, mais depressa ascendemos para fazer mais.


Vassi Chamberlain/The Times/Atlântico Press
Tradução: Érica Alves


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