Ian Griffiths, o homem por trás das coleções feministas da Max Mara
O designer bitânico trouxe a nova coleção da Max Mara para desfilar em Lisboa, uma estreia da capital numa grande passerelle internacional. Mas a maior surpresa foi o nome da sua musa inspiradora: a nossa Natália Correia.

A italiana Max Mara escolheu Lisboa, e a Fundação Calouste Gulbenkian, para apresentar esta terça, 29, a sua coleção Resort 2023. Será a primeira vez que Portugal recebe um desfile que atrai dezenas de jornalistas de Moda, bem como outros profissionais da indústria, que vão colocar a cidade nas bocas do mundo.

Calmamente por trás da organização – e da nova coleção, claro – está Ian Griffiths, o diretor criativo da Max Mara, que conversou com a Máxima sobre Lisboa ("foi uma revelação"), as influências do desfile, a descoberta de Natália Correia, e o feminismo histórico de uma das marcas de Moda mais sóbrias e luxuosas de hoje. As palavras são suas: "O facto de fazermos peças mais clássicas nunca significou que as mulheres Max Mara estivessem contentes com o staus quo. Pelo contrário, era precisamente porque queriam ser levadas a sério que se vestiam de uma forma mais clássica."

Além de Natália Correia, as suas fontes de inspiração são algumas das mulheres mais poderosas dos últimos 100 anos, cujas fotografias vai pendurando num quadro em frente à secretária: a arquiteta Eileen Gray, as escritoras Fran Lebowitz ou Dorothy Parker, Ingrid Bergman, Colette Anni Albers (artista têxtil), Patti Smith, Grace Jones, Marilyn Monroe, a rainha Isabel II e a sua própria mãe são algumas delas. Tem até uma imagem de Greta Thunberg, "que provavelmente não ia gostar de saber que está nesta lista, mas está."

Ian Griffiths foi o primeiro a ter honras de diretor criativo numa casa que sempre preferiu afirmar apenas a sua marca. Mesmo tendo contado com os talentos de Karl Lagerfeld, Anne Marie Beretta, Proenza Schouler, Narciso Rodriguez ou Jean-Charles de Castelbajac. Um percurso curioso que começou como adolescente punk em Manchester, transformado em designer de Moda para evitar o recrutamento para a Guerra das Malvinas.


Como é que Lisboa surgiu nos planos da Max Mara?Desde que começamos a fazer um dos nossos desfiles num lugar diferente, há cerca de cinco anos [o primeiro foi em Nova Iorque, para celebrar a abertura do Whitney Museum of American Art, na zona downtown de Nova Iorque] que estamos constantemente a pensar em locais. Sobretudo lugares que evoquem alguma história ou de sonho. Quando se fala em Lisboa, as pessoas identificam-na como a cidade do Fado, o que já dá uma ideia de poesia. Eu, quando pensava em Portugal comparava-o com Espanha, e se Espanha era impetuosa, Portugal era mais ardente e sombrio. Paixão e poesia…
Como é que chegou à Natália Correia e porquê ela?
Tinham-me falado na Gulbenkian como uma boa localização, mas não estava convencido, não via nada com o qual me identificasse. Tem uma coleção de Arte fantástica, obviamente, mas a uma escala demasiado grandiosa para um desfile, e então descobri a galeria de Arte Moderna. Foi lá que vi o quadro de Nikias Skapinakis com aquelas três mulheres [Encontro de Natália Correia com Fernanda Botelho e Maria João Pires, 1974], duas sentadas no chão em admiração da primeira, o que me deixou imediatamente intrigado. Quem era aquela mulher? Tenho de admitir que fiquei chocado por nunca ter ouvido falar nela, ou ninguém a conhecer fora de Portugal. É uma pena, porque merecia outra fama e reconhecimento. Identifiquei-a imediatamente como uma heroína Max Mara, uma mulher que não se importa de enfrentar o mundo para defender aquilo em que acredita, que não aceita compromissos.


Li uma frase sua onde afirmava "tratava-se de vestir as mulheres de uma forma que elas pudessem ter sucesso no mundo – portanto, não era uma filosofia conservadora, muito pelo contrário." Essa frase lembrou-me imediatamente outra citação conhecida, de Pierre Bergè, que falava sobre a Chanel ter libertado a mulher, mas ter sido Yves Saint Laurent quem a empoderou. Era isso que a Max Mara pretendia?
Quando me juntei à Max Mara, há 35 anos, os conceitos de feminismo e empoderamento tinham uma conotação política muito forte, e não era esse o nosso caminho. Mas estavam presentes, e o facto de fazermos peças de roupa com um estilo mais clássico não significava necessariamente que fossemos conservadores, ou que as mulheres para as quais desenhávamos estivessem satisfeitas com o status quo. Porque o contrário também é verdade, e era precisamente porque queriam ser levadas a sério profissionalmente que se vestiam de uma forma mais clássica. Por isso sim, acho que estamos mais ligados ao conceito de empoderamento. Hoje faz todo o sentido afirmar este mantra.
Daí a inspiração em Natália Correia. Mas de que forma a incorporam na coleção?
Ela era uma mulher liberal, e a sensualidade estava muito ligada à sua pessoa e à sua obra. É isso que pretendo transmitir, uma combinação de inteligência com sensualidade. Se a virmos em fotografias, usava sempre vestidos muito chiques, com uma silhueta a delinear o corpo e a cintura. Pensei também no ambiente boémio de quase todas as suas fotos, porque vivia em festa, por isso vamos ter uma coleção que expressa mais voluptuosidade, mais feminilidade, com mais vestidos, e mais curvilínea também, ainda que sempre dentro dos limites do bom gosto. É a fórmula da Max Mara, e Natália Correia nunca foi uma mulher vulgar.
Os lenços de namorados portugueses foram outra inspiração ao que sei. Esta menos sofisticada…
Sim. São uma inspiração mais ingénua, é verdade, mas também são poesia. Os lenços de namorados são uma tradição encantadora, e o facto de ainda serem feitos manualmente, por artesãs, é algo que deve ser celebrado. Por isso não nos quisemos inspirar nos lenços para desenhar qualquer coisa, preferimos antes fazer um acordo com essas artesãs para nos produzirem os lenços, que serão depois cozidos em t-shirts. Esperamos que se tornem uma parte importante da coleção.
Que passos estão a dar a caminho da sustentabilidade? É uma tema controverso na Moda.
Controverso e complexo, por isso preferimos não tocar ainda no tema. Estamos constantemente a adotar processos de fabrico que gastem menos água ou poluam menos, mas estamos também a preparar uma estratégia integrada de sustentabilidade, que deverá estar concluída no próximo ano. Nessa altura sim, queremos falar melhor sobre o tema, em vez de estarmos agora a referir que fazemos isto ou aquilo, que francamente me soa um pouco pretensioso. Diga-se, no entanto, que partimos numa posição melhor do que muitas outras marcas, porque uma peça Max Mara vai ficar muitos anos no guarda-roupa de uma mulher, e isso também é sustentabilidade…

Como é que se tornou designer de Moda? Li que foi para evitar o recrutamento para a Guerra das Malvinas.
Sim… Dito assim faz-me parecer um pouco superficial, mas é verdade. Na escola era um aluno muito bom, e por causa disso empurraram-me sempre para profissões mais "sérias", quando o que me atraiam eram as Artes. A única profissão artística mais respeitável era arquitetura, e foi assim que acabei nesse curso e me mudei para Manchester. Só que aí descobri rapidamente que as festas eram muito mais interessantes do que o curso, e durante uns anos fui feliz assim [Nos anos 80, Manchester era o epicentro de toda uma nova cultura popular onde nasceram bandas como os New Order e surgiram os movimentos House e Rave]. Numa manhã, a acabar uma noitada, estava sentado no sofá a ver televisão e deram essa notícia, que [Margaret] Thatcher estava a pensar instituir o recrutamento obrigatório por causa da Guerra das Malvinas. Tinha desistido do curso, por isso chamavam-me de certeza. Nessa altura já desenhava as minhas peças de roupa, as de alguns amigos também, e tinha percebido que era isso que gostava de fazer, por isso inscrevi-me num curso de Moda. Olhando para trás, parece que o mundo me tentou impedir de ser designer de Moda, mas não conseguiu. Ia gostar de dizer isso ao antigo diretor da minha escola...
E como é que a Max Mara surge neste percurso?Foi um concurso. Enviei o meu trabalho e fui selecionado, foi assim. Por mais estranho que possa parecer, houve uma completa identificação entre esta marca de Moda italiana, clássica e elegante, e o miúdo punk rock inglês. Do meu lado, nunca fui enganado pelo classicismo das peças, e sempre percebi a filosofia da marca, que defendia uma mulher progressista. Estes anos todos, já vão em 35, deram-me razão. Aqui estou, e por aqui espero continuar para sempre.

É um caso raro, porque neste mundo as pessoas costumam mudar com muita frequência.Sim, é uma raridade e estou muito feliz. Embora por vezes me questione se sou realmente um bom designer ou se sou só bom para a Max Mara. Como é que me sairia noutro sítio?
Podia criar a sua marca e descobrir…Nunca tive essa ambição pessoal, e provavelmente saía uma coleção igual à da Max Mara, e então eles processavam-me. É melhor não.

Podia fazer Moda masculina…Por minha conta não. E para a Max Mara também não faz sentido, visto que é uma marca de Moda que nasceu para empoderar a mulher. Seria uma pequena traição. Dito isto, temos assistido a um número crescente de homens a usarem os nossos casacos, especialmente os camel, o que não deixa de ser engraçado, porque o casaco camel era uma peça masculina que a Max Mara trouxe para o universo feminino.
