Maria Giulia, herdeira da Max Mara: "A Moda tem sido sempre uma forma de representação no mundo"
A icónica casa italiana expande horizontes ao escolher, pela primeira vez, a capital lisboeta como palco para a apresentação da coleção Max Mara Resort 2023, com data marcada para 28 de junho nos jardins da Fundação Calouste Gulbenkian. Conversa com Maria Giulia, neta do fundador, Achille Maramotti, e atual diretora global de vendas da área de retalho da maison.

Confiante e destemida, Maria Giulia Maramotti tem sobre os ombros o futuro de uma das casas de Moda mais prestigiadas de sempre, reconhecida como a precursora do pronto-a-vestir. Numa Itália arruinada pela Segunda Guerra mundial, o seu avô, um empresário de 24 anos de nome Achille Maramotti, criou a Max Mara com um objetivo inovador em mente: oferecer às mulheres peças intemporais de qualidade, baseadas em necessidades e não em tendências, e inspiradas na elegância da couture francesa, mas a preços acessíveis. Cerca de cinquenta anos após a abertura da primeira loja, o negócio de família marca presença um pouco por todo o globo, e é Maria Giulia que dá continuação ao legado de família.
Este ano, a muito aguardada apresentação da coleção Resort 2023 da maison será em Lisboa, na Fundação Calouste Gulbenkian, que terá lugar a 28 de junho. Além de ser o local escolhido, a Fundação serviu também como fonte de inspiração para a coleção, pois é lá que se encontra a pintura de Nikias Skapinakis da poetisa e feminista Natália Correia, musa inspiradora para o desfile, a par do fado, que será celebrado com a participação especial da cantora Carminho. No fundo, trata-se de uma comemoração da cultura portuguesa, cujo epítome acontece com peças inspiradas no padrão dos românticos Lenços dos Namorados do Minho, tipicamente adornados com corações, flores, laços e pássaros, uma tradição que dá mote ao tema do evento Vai Lenço Feliz.
Cresci na indústria da Moda, por isso sempre fez parte da minha educação/crescimento (upbringing). Pude ver o seu lado empresarial, mas também o lado familiar e o lado relacionado com o estilo. Amo Moda, genuinamente. E considero-me extremamente sortuda por ter crescido neste cenário, pois deu-me uma educação muito bonita em termos de cultura, visuais e experiências que pude fazer, e percebi que sempre olhei para o mundo através da lente da Moda. Portanto, faz parte da minha linguagem.


Quando é que soube que queria trabalhar no negócio de família?
Sempre quis estar envolvida no negócio, porque, na realidade, estava efetivamente envolvida. A minha mãe trabalhava muito na empresa e levava-me para o escritório quando era ainda muito nova. Fazia parte do meu dia-a-dia. Depois de me licenciar, quando tinha 22/23 anos, decidi juntar-me à empresa. E estava muito assustada, porque quando se entra num negócio de família, para mim, o maior medo era o fracasso, especialmente quando temos exemplos tão fantásticos à nossa frente. Não queria desiludi-los, desiludir-me a mim mesma, e então estava um pouco assustada. Também tive muita sorte. Já trabalho para a Max Mara há quase 15 anos, e tem havido um crescimento dentro daquilo que tenho feito e no que tenho visto a marca tornar-se, e penso que a dada altura, nos últimos 15 anos, passei de espetadora, de uma menina tímida, para ser parte do processo.
Começou por ser assistente de vendas na Max Mara. Foi difícil?
Absolutamente, foi tão difícil! Continua a ser… Penso que daqui a uns anos vou tornar obrigatório que todos aqueles que entrem na Max Mara passem uma semana como vendedores, porque é mesmo difícil. É uma lição.

Acredita em tendências?
Como é que a história da sua família e do seu avô influenciou a marca?
Existem dois aspetos. Um deles é o facto do conceito de fazer roupa para mulheres não ter vindo de um designer, mas sim de um empresário. Portanto, houve sempre um lado empresarial no que toca à Max Mara, que realmente reside no seu ADN, e há também um aspeto pragmático.
Hoje falamos de tendências criativas, de diretores criativos e de como o processo criativo é importante na criação da Moda, no qual eu acredito, e foi por isso que o meu avô começou a trabalhar com algum dos mais incríveis designers da história. Ele conseguia claramente reconhecer talento, mas acho que a história de como o meu avô construiu a marca foi bastante simples, porque ele queria fazer vestuário intercetando uma necessidade para um tipo muito específico de mulheres. Em Itália, a classe média estava a crescer após a Segunda Guerra Mundial e as mulheres estavam a mudar os seus hábitos, já não iam ao alfaiate como faziam. Foi uma forma de se intercetar uma novidade. É esse o espírito que tentamos ter na Max Mara… Não se pode ser nostálgica enquanto se trabalha, o que significa que é preciso ser-se fiel ao ADN da marca. Se as mulheres pararem de usar casacos, aceita-se o facto de que há algo por mudar.

Será o componente "família" o segredo da fórmula para o sucesso?
Sim, tem sido verdade até agora. Não sei se será no futuro. Não acredito no facto de terem de ser necessariamente pessoas da minha família a trabalharem na Max Mara, e eu sei que estou a dizer algo que vai muito contra mim própria, mas é preciso alguém que lidere. Quando se tem uma empresa tão grande, consegue-se trabalhar com um fundador e três pessoas no início, como a minha mãe e os meus tios fizeram, mas neste momento é preciso uma administração para gerir a empresa e é isso que está a acontecer. Ter a tua família envolvida e a mesma ser proprietária do negócio é uma forma diferente de fazer as coisas, obviamente que existe um valor acrescentado no que toca ao modo de como se aborda a ética e a ontologia da empresa, mas tem de se estar muito consciente de onde começa a identidade dos proprietários e onde a do indivíduo começa, e essas duas coisas têm de estar equilibradas. E temos de ser capazes de dar um passo atrás enquanto indivíduos. Por isso, não acho que a família seja necessariamente parte da equação para o sucesso.

Quais foram os maiores desafios que a Max Mara enfrentou na última década?
Fazer a transição de uma abordagem centrada no produto, quando o produto era o único filtro, a única lente, o único conteúdo, para uma abordagem centrada no consumidor. Exige um grande esforço, porque se nos pusermos numa perspetiva centrada no consumidor, naturalmente há muitas coisas que vão ser postas em discussão, e às vezes isso gera um pouco de dúvida e tem de se estar preparado para isso. O foco no produto é mais impositivo. Hoje não se pode ser assim para o consumidor, ele não faz o que nós dizemos. A Moda costumava ditar o que as mulheres vestiam, como tinha de ser a sua aparência. Agora, as mulheres são do género: "não, eu vou ter esta aparência e é bom que sigas o que digo."

Quem é a mulher Max Mara?
Uma coisa que as mulheres Max Mara têm em comum, na minha opinião, é o facto de gostarem de Moda. São mulheres que não consideram a Moda algo superficial. Há muitas coisas importantes no mundo, mas a Moda tem sido sempre uma forma de representação. Conta visualmente as histórias da sociedade, porque a mulher sempre usou a roupa para se expressar. E não nos podemos esquecer disso. Então, o que as mulheres têm em comum na Max Mara é o facto de adorarem Moda genuinamente, mas também o facto de serem pessoas com personalidade, com sentido de estilo. Não importa que idade têm.
Como é que viver em Nova Iorque afetou a forma como olha para a indústria da Moda?
Nova Iorque e os Estados Unidos têm uma visão muito diferente da Europa. A América (do norte) é pragmática. Pode-se odiá-la, pode-se amá-la, mas é pragmática e é muito sintética em termos do que nos dizem. Nos Estados Unidos, aprende-se o valor acrescido de fazer uma declaração e de continuar sempre com a mesma, de a repetir até as pessoas já a não conseguirem ouvir, porque é assim que o consumidor a vai entender. Porque nos EUA a abordagem é centrada no consumidor. O cliente tem sempre razão. E foi isso que mudou a minha perspetiva. Cá na Europa, não é tanto assim.

Qual foi o conselho do seu avô que a impactou mais?
O meu avô não era o tipo de pessoa que dava conselhos, mas era definitivamente bastante opinativo, e digo isso com o maior respeito e amor. Provavelmente iria concordar com 95% das suas opiniões. Ele falava muito sobre o negócio, de como o começou, e o que admirava mais nele era o facto dele ser muito descontraído com tudo o que tinha feito. Ele dizia:"sim, eu estive bem e sei-o, estou bem, estou feliz por o ter feito, por ter sucedido no meu negócio, por tê-lo passado aos meus filhos e de ter construído uma boa família." Ele era uma pessoa muito realizada, porque gostava de cultura. Uma coisa que vai ficar comigo para sempre é que ele era alguém que acreditava mesmo na nutrição do espírito.

Acredita que é essa a chave para o sucesso?
O que reserva o futuro para a marca?
Há diferentes projetos em que estamos a trabalhar. Penso que aquilo que se tornará mais estratégico para nós será sermos mais expressivos sobre quem somos. E fazermos mais projetos, como as [coleções] Resort ou desfiles. Construir o produto a partir de momentos como este será essencial para a marca.
Qual será o futuro da Moda?
Uma coisa que posso afirmar é que fiquei bastante impressionada com o quanto o street style tem impactado fortemente o couture. Vivemos uma época em que o street style é uma linguagem que está mesmo a ser utilizada por marcas tradicionais para alcançar gerações mais novas. Não penso necessariamente que isso será o caminho que a Max Mara deva seguir, porque está bastante longe de quem somos, mas estou muito curiosa com isso. E quando falo de street style também falo de todo este novo mundo digital do metaverso e dos NFT’s. Li sobre o tema e devo confessar que estou com dificuldades em perceber o seu conceito, porque é algo muito complexo e que se encontra muito longe da minha visão, mas reconheço igualmente como a nova geração está bastante familiarizada com este conceito da realidade aumentada e realidade virtual. Penso que existirá uma evolução nesse sentido que terá de ser explorada, mas também não acredito que o futuro vá ser completamente em realidade virtual.


A sustentabilidade é um tema urgente em várias indústrias, e a da Moda não é exceção. Qual é a posição da Max Mara neste sentido?
A minha posição é simples. É um tema muito complicado. Para mim, o único caminho possível é seguir a regulamentação. E não estou a dizer que o facto de não haver regulamentação faz com que a marca não seja sustentável ou não pense sobre isso, mas acredito que esta é uma questão complicada porque que não posso, enquanto marca, ser sustentável por razões de marketing, eu não acredito nisso, é perigoso.
Porque afirma isso? Que burocracias envolve?
No que toca à investigação e ao desenvolvimento, há muitos projetos em que estamos a trabalhar e isso é muito entusiasmante para a marca. Há diversas camadas e isso é um conceito que precisa de estar bem assente e que tem de estar presente, como uma marca criativa, no que se quer fazer. E depois há a parte legislativa sobre a sustentabilidade, essa muito mais complexa, porque desde que não exista uma lei internacional a regular certas coisas, as pessoas podem dizer tudo e nada. E como marca não queremos dizer coisas que não são exatas. Temos provavelmente vinte anos de adaptação pela frente. É um processo e está a acontecer.

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