Letizia, a rainha que veio da classe média
Quando, em 2003, foi anunciado o seu noivado com o príncipe das Astúrias, a jornalista Letizia Ortiz tornou-se uma celebridade mundial e uma das mulheres mais escrutinadas pelo público e pelos média. À beira de completar 50 anos continua a polarizar opiniões e a inspirar biografias, umas autorizadas e outras nem por isso.

No dia em que, durante uma cerimónia protocolar na universidade madrilena onde sou professora convidada, apertei a mão aos Reis de Espanha, tive um vislumbre da personalidade de Letizia Ortiz. Como se o diretor da Faculdade lhe dissesse que sou uma jornalista portuguesa, a Rainha deu um breve passo atrás, sorriu e perguntou como me corriam as coisas na capital espanhola. Dez minutos depois, ela já não se lembraria do caso, mas ainda hoje, quatro anos passados, tenho para mim que a palavra mágica, capaz de a fazer olhar duas vezes para quem a cumprimentara, fora precisamente… jornalista. A profissão a que ela se entregou com total dedicação até ao dia em que o casamento com o príncipe das Astúrias determinou que deixasse para trás tudo o que excluísse a Casa de Borbõn e Grécia e a Coroa de Espanha. Mas até que ponto pode um ser humano livrar-se do caminho que escolhera desde adolescente, como se fosse uma cobra a largar a pele?
Esta e muitas outras perguntas envolvem a figura da rainha consorte de Espanha, que completa 50 anos esta quinta, 15 de setembro. Rainha mais do que improvável, ida do mundo real da classe média para o seio da alta realeza e de uma das dinastias mais antigas da Europa (com origem francesa, começou a reinar em França e Navarra no século XVI), prima pela reserva e pelo distanciamento, o que nem sempre lhe desperta simpatias entre os espanhóis. Para os seus biógrafos, os autorizados e os outros, as razões para tal comportamento divergem: onde uns vêem instinto de defesa num meio que lhe é hostil, outros falam de uma necessidade imperiosa de controlo. O que, não sendo a mesma coisa, até pode não ser uma contradição.

Origens operárias

Letizia nasceu durante as festas de São Mateus, padroeiro da sua cidade natal, Oviedo, a 15 de setembro de 1972, sendo a primeira das três filhas do casamento do jornalista Jesús José Ortiz Álvarez com a enfermeira María Paloma Rocasolano Rodríguez. Com os pais absorvidos pelo trabalho, os avós foram essenciais na educação das meninas. Francisco Rocasolano, o avô materno (curiosamente, o membro da família com quem Juan Carlos melhor se deu durante o casamento e nos dias que o antecederam) nascera em Prosperidad, um bairro operário de Madrid vizinho do luxuoso bairro de Salamanca. Militante do Partido Comunista Espanhol, Francisco (ou Paco) participara na Guerra Civil de Espanha ao lado dos republicanos e, findo o conflito, arranjou emprego como mecânico dos Táxis de Madrid (onde mais tarde seria motorista) e casou com uma viúva, Enriqueta Rodriguez, que fugira de Oviedo para a capital com uma filha pequena, quando a cidade asturiana foi tomada pelas tropas de Franco. Igualmente importantes para as meninas foram os avós paternos, José Luis Ortiz Velasco (1923-2005) e Menchu Álvarez del Valle (1928-2021), esta última uma das responsáveis do fascínio da pequena Letizia pela rádio, já que muitas vezes a levava para estúdio quando ia gravar a sua rubrica dedicada às mulheres, Coser y cantar.
Durante a infância, as três irmãs Letizia, Telma e Erika partilharam o mesmo quarto e pequenos luxos, como os filmes domésticos que faziam com uma das primeiras câmaras vídeo vendidas em Oviedo, e viajavam muito de automóvel com os pais, indo a países como Portugal, França, Holanda, Bélgica e Itália, primeiro num jeep Lada e depois num Ford.

Mas a educação era a grande preocupação da família. Com as meninas ainda adolescentes, mudaram-se para Madrid para apostar na qualidade do Ensino e, assim, em 1990, Letizia tornar-se-ia a primeira pessoa da sua família a ingressar no Ensino Superior, no caso no curso de Ciências da Informação da Universidade Complutense, onde se licenciou em Jornalismo cinco anos depois. Estagiou em vários órgãos de comunicação social como o diário ABC e a agência de notícias EFE. Determinada e trabalhadora (qualidades que lhe são reconhecidas mesmo pelos biógrafos não oficiais) trabalhou num restaurante de fast food para poder assistir ao Encontro Iberoamericano de Faculdades de Comunicação que se realizou em Cali, na Colômbia, em outubro de 1994. No final de 1995, foi estudar para o México, onde trabalhou no suplemento Tentaciones do jornal Siglo 21, em Guadalajara. Ali apaixonou-se pela obra de Juan Rulfo, fumava Chesterfield (vício que deixou há muito), entrevistou o escritor Carlos Fuentes e parece ter quebrado alguns corações.

De regresso a Madrid, começou a trabalhar na Televisão, primeiro na CNN e depois na Bloomberg até que, em 2000, ingressou na TVE (Television Española), onde conquistou notoriedade. Apresentou o Telediario matinal, os especiais sobre o Euro como moeda única e foi enviada especial a diferentes pontos do mundo para cobrir acontecimentos da atualidade, como os atentados do 11 de setembro de 2001, o naufrágio do Prestige na Galiza, em 2002, ou a invasão do Iraque. De facto, cobriu este acontecimento para a TVE quando, em segredo, já tinha um relacionamento com o príncipe das Astúrias. Entretanto, tinha-se casado e divorciado de Alonso Guerrero Pérez, professor de Língua e Literatura no Instituto Ramiro de Maeztu de Madrid, em que ela estudara.

A notoriedade pública que conseguira com o seu empenho profissional seria, no entanto, largamente ultrapassada a 1 de novembro de 2003, quando a Casa do Rei de Espanha anunciou o seu casamento com o príncipe das Astúrias, Felipe de Borbón y Grécia, de 35 anos. Na véspera, às nove da noite, apresentara o telediário, ao lado do seu chefe, Alfredo Urdaci, e despedira-se com um simpático "até segunda-feira", mas a verdade é que não só não voltaria, como se tornaria ela própria notícia e não apenas em Espanha, mas em todo o mundo. A 6 de novembro, no Palácio Real de El Pardo, foi formalmente pedida em casamento e a boda celebrar-se-ia a 22 de maio de 2004, na Catedral de Almudena, em Madrid. Ao acontecimento assistiram representantes de 12 casas reais reinantes e outros 12 pertencentes a dinastias não reinantes, como a portuguesa Casa de Bragança. O resto é conhecido do grande público: o nascimento das duas filhas e a coroação como Rainha consorte depois da abdicação de Juan Carlos, em 2014, em clima de escândalo causado pelos alegados desvarios financeiros do monarca escolhido por Franco, mas que fora um protagonista da transição do país para a Democracia.


Biografias oficiais e…oficiosas
Esta Rainha raramente apanhada num passo em falso (a não ser na discussão que teve em público com a sogra e que se rapidamente se tornaria viral) tem inspirado os retratos mais diversos, sobretudo à medida que nos aproximamos do seu 50º aniversário. Escrutinada até ao limite (dos gestos à indumentária, como se viu este verão quando usou um vestido muito curto da Zara), nos gestos e nas atitudes, foi recentemente alvo de duas biografias, uma das quais, publicada em 2020 no país vizinho, acaba de ser agora publicada em Portugal. Falamos de Letizia, A Rainha Impaciente, da autoria do jornalista argentino Leonardo Faccio, que se tornou um autor bestseller com a biografia de Messi, O Menino que Chegava sempre tarde (e depois foi o primeiro). Neste livro, que sofreu vários (e nunca explicados) compassos de espera antes de chegar às livrarias, o autor dá-nos a conhecer o perfecionismo que move Letizia desde a juventude, o eterno descontentamento consigo própria, a curiosidade, a imensa cultura, a dedicação ao trabalho. Mas não há bela sem senão e Faccio também nos revela uma Letizia control freak, que impôs uma barreira de silêncio sobre a sua vida anterior ao namoro com Felipe a familiares próximos, amigos, antigos companheiros de trabalho. Um livro que implicou, segundo o autor, mais de cinco anos de investigação e redação, depois de realizada uma centena de entrevistas.
Mais doce, mas ainda assim não reverente, é a biografia assinada pela jornalista Carmen Duerto, Letizia, una mujer real. Especialista em temas relacionados com a realeza, a autora (que já fizera uma biografia da Infanta Elena), disse, numa entrevista à revista espanhola Telva, que a adaptação de Letizia ao seu novo papel foi tudo menos fácil: "Para uma jornalista de raça, como os seus familiares e ex-colegas a definiram, o mais doloroso de ser rainha é a impossibilidade de se expressar. Perder o poder de expressar uma opinião livremente. Quando fala, representa a monarquia, já não é a Letizia Ortiz". E acrescenta: "Ela mesma me disse, ainda princesa, que não queria ser mulher-jarrão. Ela insistiu muito nisso. Não estava disposta a limitar a sua atividade a quermesses ou ações de caridade com mulheres da alta sociedade, ela era outra coisa. Ela veio do mundo real. Ela é uma rainha ativa. Ela tenta resolver tudo o que está nas suas mãos".


Carmen Duerto aborda também o trabalho de Letizia enquanto mãe de duas adolescentes, uma delas futura rainha de Espanha. A antiga jornalista é uma mãe interessada e plenamente consciente do papel que as suas filhas desempenham na sociedade espanhola. Por isso mesmo, Leonor está a ser educada para ser rainha: "Letizia é rigorosa em aspetos como a alimentação, nada de doces. E procura fomentar em Leonor e Sofia a cultura de esforço, de ganhar, que viveu na juventude".
No que ambos os biógrafos concordam é no facto de Letizia continuar a ser uma mulher muito curiosa, que lê muito e se documenta sobre os mais diversos assuntos. E que nunca cessa de fazer perguntas. Serão as saudades da profissão que escolheu e deixou para trás?

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