Viver com transtorno disfórico pré-menstrual. "Não é bipolaridade, não é depressão, não é TPM. É o quê?"
Depois de vários anos à procura de explicações para uma angústia mensal que a transformava noutra pessoa, a jornalista Rita Avelar descobriu que há razões que a razão desconhece porque as doenças de saúde mental são mesmo assim. A resposta chegou com a pandemia, mas a viagem de autodescoberta ainda agora começou.

Escrevo este texto enquanto me debato com uma insónia, da espécie que faz com que deixemos de olhar para o relógio para saber quantas horas ainda sobram para dormir antes que o dia recomece no seu esplendor. É um dos efeitos da medicação, se tomada fora de horas, alertou o médico. Mas life happens. Outra vez.
Começo por fixar bem o título, para me convencer da importância – que ultrapassa a experiência na primeira pessoa – de escrever sobre transtorno disfórico pré-menstrual, ou TDPM. Sim, é próximo da sigla que todas conhecemos, mas o "D" a mais faz uma pequena (gigante) diferença. Durante vários meses perguntei-me qual seria a melhor definição desta sigla, para que fosse de imediata compreensão. Desisti, porque nada parecia fazer jus ao estado psicológico que este transtorno provoca. Segundo a IAPMD (The International Association For Premenstrual Disorders) – que, by the way, tem um chat em tempo real para quem está em momentos de desespero ou simplesmente quer conversar sobre o problema - afeta cerca de 5,5% das mulheres em idade fértil.

Conformei-me em usar a definição desta associação internacional que se dedica a informar sobre a síndrome, e que a sumariza assim: "A TDPM é um distúrbio de humor cíclico de origem hormonal, com sintomas que surgem durante a fase pré-menstrual (ou luteal, do ciclo menstrual) e que se evapora dentro de poucos dias após a menstruação." Embora esteja diretamente ligada ao ciclo menstrual, não consiste num desequilíbrio hormonal. Do ponto de vista fisiológico, é uma reação considerada "negativamente grave" que ocorre no cérebro, devido "ao aumento e queda naturais do estrogénio e da progesterona." E o resto da definição pode ser lida aqui.
Mas não é sobre definições que quero escrever, porque viver com síndrome disfórico pré-menstrual tem muito pouco a ver com palavras ou raciocínio, embora seja importante e essencial perceber o lado científico e químico do problema. Vivi 13 anos na ignorância, sem saber da existência deste diagnóstico, o que acredito ser o caso da maioria das mulheres. Não é fácil chegar a ele, quando nos dizem, ao longo da adolescência, que a TPM é normal, e que acontece a todas as mulheres, ou se banalizam orientações como "ponham sacos de água quente" e "fiquem no vosso cantinho que passará". Já encontrei quem definisse a TDPM como a versão "maquiavélica" da TPM. Não menosprezando nem uma nem outra, posso afimar que a TDPM dura cerca de 10 dias, como se metade do mês a pessoa tivesse direito à normalidade e na outra metade estivesse apenas a tentar sobreviver.
Afinal, quais são os sintomas da TDPM? Irritabilidade, angústia, revolta, choro compulsivo, incapacidade para expressar sentimentos. No meu caso, muito poucos sintomas físicos, ou inexistentes. O diagnóstico chegou a meio da pandemia, entre a angústia do momento e o "buraco" a ficar cada vez mais fundo. Eu lá no fundo, a voz já num eco, e o desespero a dar lugar ao silêncio e à impotência. Quando um problema se torna numa repetição, passa a fazer parte de nós, torna-se um traço da nossa personalidade, não é verdade?

E, da adolescência à idade adulta, a irritabilidade é camuflada com impulsividade, a angústia com impaciência, o choro com imaturidade, a loucura com individualidade, as asneiras com os devaneios próprios da idade. Resumindo-se, por fim, a um traço irremediável de um carácter tempestuoso porque ela "é assim", é a "natureza dela".
Foram muitos meses até dar o passo e contar à primeira amiga. Lágrimas de alívio, culpa, remorsos, nostalgia – tudo misturado – em conversas com a família, namorado e amigos mais próximos. Relações desfeitas, relacionamentos amorosos destruídos, amigos que fugiram (desistiram?) para nunca mais voltar. "Afinal era isto." Como é que pude não saber, costumo perguntar-me todos os dias, desde que na urgência psiquiátrica a médica, séria e calma, me olhou nos olhos dizendo que não era preciso sofrer mais. As lágrimas correram, pela primeira vez, com razão de ser, com algum sentido de justiça, e ganharam significado.
A natureza de ser mulher faz com que carreguemos o peso e a oscilação das hormonas, é um facto irrefutável. Ler o livro da médica Andreia de Almeida, Saúde para elas: O kit de sobrevivencia para mulheres dos 20 aos 60 + foi como se abrisse um portal para um admirável (e esclarecedor) mundo novo. Quem vive com síndrome pré-menstrual sabe como é difícil explicar por palavras o que se sente – aliás, qualquer pessoa que tenha uma doença considerada mental terá, certamente, essa dificuldade. Não é bipolaridade, não é depressão, não é TPM. É o quê? Mais uma crise de saúde mental porque é o tema do momento? Mas agora toda a gente tem problemas "de cabeça"? (Sim, o estigma existe e persiste, o meu lado observador, como jornalista, continua a captar os sinais). Uma consequência a nível mental por algum trauma esquecido no passado que teima em atacar todos os meses, ao começar no mesmo dia, durante 10 dias? Que coincidência. Será dupla personalidade? "Qual é o teu signo? Ah, o ascendente é Peixes, é por isso que és sensível." Questionei-me muitas vezes mas não as suficientes. Até que alguém se questionou por mim e me deu um empurrão (obrigada!).

Numa entrevista ao jornal The Guardian, Rachel, diagnosticada com TDPM, definiu a sensação da chegada deste estado que dura mais do que uma semana, por norma, como "se alguém carregasse num interruptor." Assim é, um botão mágico que faz com que, de um segundo para o outro, literalmente, fique tudo cinzento, sem cor, sem saída, sem razões, sem porquês. "Metade do mês era extrovertida" diz, "até que atingia a ovulação. E nessa altura, tornava-me disfuncional, tímida e retraída. É como se um dia eu acordasse e me tornasse uma pessoa completamente diferente. E desde então, até começar a menstruar, tornei-me completamente disfuncional. Quando tinha o meu período ficava bem. E isto acontecia uma e outra vez e outra vez". Em suma, e como resume o professor Jayashri Kulkarni, psiquiatra e diretor do centro de investigação psiquiátrica Monash Alfred, ao jornal: "Este é [um transtorno] causado por flutuações nos níveis hormonais que afetam a química cerebral e resultam em graves perturbações do humor."
Quando chegou o diagnóstico, em maio de 2020, em plena pandemia e à beira de uma mudança profissional, assimilar demorou quase um ano. Perceber que ninguém, até mesmo na comunidade científica, parecia importar-se com uma solução mais concreta que antidepressivos até à menopausa, confesso que doeu. Em Portugal, encontrei somente um grupo de Facebook que só foi fundado no fim de 2019, com 123 membros – sou a nº 124.
É por isso que é tão importante falar de saúde mental, não só por estarmos a viver uma pandemia, mas sobretudo porque a ciência evoluiu e já não precisamos de sofrer (tanto). Em pesquisas densas em noites de insónia como esta, enviei vários e-mails a fim de encontrar terapias alternativas que substituíssem a medicação, que camufla, mas não trata. Sem sucesso. Fora da Ginecologia, da Psicoterapia e da Psiquiatria, e resumindo sem querer ser injusta porque – confins da internet, certo? – não encontrei profissionais disponíveis para ajudar com o diagnóstico. Ou que soubessem ler o que se passa com o "todo", corpo e mente, essa estrutura que nos lembra que somos feitos de neutrotransmissores, e que sem seratonina não sabemos rir e a vida é a preto e branco.

Viver com TDPM é como ter uma vida dupla. É uma vivência em loop que se repete vezes sem conta, e contas também as fiz: experienciei estes efeitos pelo menos 156 vezes ao longo dos meus quase 28 anos, de forma mais ou menos acentuada. O café ou o álcool, caso a sua ingestão coincida com os dias em questão em que tudo começa, são exemplos de combinações explosivas, e deveriam ser acompanhados de um aviso com muitos sinais de exclamação. A cafeína porque é estimulante, o álcool porque… é o álcool. E um ou dois copos de vinho é o quanto basta, caso se estejam a perguntar desse lado. Em alguns casos, com ou sem cocktail molotov (TDMP + outros fatores da vida dita normal) há quem pense em suicídio - no meu caso não chegou a este ponto, apesar de ter ficado obcecada com a ideia da morte, mais pelo medo da perda do outro, depois de ler um livro duro (e talvez porque os últimos anos foram de perdas). Mas quero sublinhar que pode chegar. Afinal, falamos de um transtorno que só foi reconhecido como um problema de saúde mental em 2013, e só nesse ano foi incluído na lista de doença depressivas do Manual de Diagnóstico e Estatística de Psiquiatria, publicado pela Associação Americana de Psiquiatria.
Em 2017, a comunidade científica deu mais um passo em frente na investigação da TDPM, ao descobrir a existência de um gene relacionado com a doença, que foi encontrado por investigadores dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA e publicado na revista Molecular Psychiatry. A descoberta aponta para uma predisposição biológica para as mulheres que são extremamente sensíveis às flutuações hormonais normais nos seus ciclos. Aquando deste momento, David Goldman, investigador, refere uma frase que me marcou:"Este é um grande momento para a saúde das mulheres, porque estabelece que as mulheres com TPDM têm uma diferença intrínseca no seu aparelho molecular de resposta às hormonas sexuais - e não têm apenas comportamentos emocionais que deveriam ser capazes de controlar voluntariamente".
A esperança da chegada de um tratamento que não passe pelo "até à menopausa", passou a existir no meu quotidiano. Tomar dois pequenos "smints" bem cedo (amanhã, depois de acordar a muito custo, vou lembrar-me) passou a integrar a rotina. Normalizar também. Fiz psicoterapia durante sete meses, e fez uma diferença abismal (obrigada, Dr. Ricardo!) na minha forma de interiorizar todas as experiências negativas que a doença me trouxe, e tornar o discurso mais claro. Depois, encontrei o psiquiatra que me fez olhar diferente para a TDMP, e respetiva medicação. E isso fez toda a diferença.

Fazer exercício, meditar, comer de forma saudável, dormir bem e pelo menos oito horas por dia – tudo isto ajuda a quem vive com TDPM. Não resolve, mas melhora. Rodearmo-nos de pessoas que estão atentas e compreendem o problema, também. E se um dia de cada vez se aplica a quase tudo na vida quanto toca a questões de saúde, aqui não há exceções, só que nisto, mais uma vez, estamos juntas. E juntas - nós sabemos - é sempre mais fácil.
*Se pensa que tem algum problema psicológico contacte o SNS (808 24 24 24), disponível 24h por dia, 7 dias por semana. Para saber mais sobre TDPM aceda a iapmd.org/.

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