Inês Mocho: da endometriose à perda de três bebés, uma história de superação
Depois de perder três bebés devido a duas gravidezes ectópicas (a mais recente eram gémeos) e ter sido forçada a retirar uma trompa numa operação recente, Inês Mocho conta à Máxima tudo sobre a sua história, no mês da sensibilização para a endometriose.

Empresária, maquilhadora e fundadora da Inês Mocho Academy, um centro de formação de maquilhagem, Inês Mocho, 33, conquista pela simplicidade, humildade, destreza profissional e simpatia descomedidas. Talvez por isso tenha conquistado uma legião de mais de 270 mil seguidores no Instagram, de forma orgânica, ao longo dos anos. E como a vida não é sempre cor de rosa, nem a dela nem a de quem a segue, além de partilhar as suas várias conquistas profissionais – onde se incluem os seus salões de beleza ou uma loja online com produtos em que acredita – também mostra o lado menos colorido da vida, como os desafios pessoais ou familiares que se atravessam no seu caminho.
Mãe de Leonor, prestes a fazer 3 anos, Inês Mocho tem vindo a partilhar a sua jornada em relação à maternidade, que inclui lidar com a doença que lhe foi diagnosticada há quatro anos, a endometriose. Sabemos que é um diagnóstico que está longe de ser suficientemente discutido quando o Microsoft Word ainda não reconhece esta palavra, assim que a escrevemos. O certo é que continua a não ser natural que as mulheres continuem a ter esta doença sem saber que sofrem desta patologia - não, reforçamos que dores menstruais não são normais. A somar a tudo, Inês teve duas gravidezes ectópicas, uma delas com necessidade de cirurgia urgente, e é essa história que nos conta no mês da sensibilização para a endometriose.

Viveste uma experiência difícil recentemente, que foram duas gravidezes ectópicas. Quão doloroso tem sido?
Custou-me mais da primeira vez… A solução para a minha primeira gravidez ectópica foi através de injetáveis, e desta vez foi uma operação. Apesar de operação ser um conceito mais violento e de ficar sem uma trompa, estar dois meses a levar injeções, sempre em tratamentos, acaba por ser desgastante.
É um dos riscos da endometriose?

Sim. No meu caso, desde que me conheço que tenho sempre menstruações muito dolorosas. Chegava a ficar praticamente doente. Tinha muitas dores, ficava muito debilitada, mas como essa era a minha única realidade eu achava que era normal. Às vezes fala-se pouco sobre o que é suposto fazermos ou contarmos [aos médicos], da apalpação mamária ao período menstrual. Nós partimos do pressuposto que é tudo normal. E hoje sabe-se que as menstruações bastante dolorosas são um dos principais indícios de endometriose.
Como chegaste ao diagnóstico?
Há quatro anos comecei a ter episódios muito fortes, ao ponto de quase nem conseguir andar. Tive que ir às urgências várias vezes, achava sempre que eram coisas diferentes, como apendicite. Até que um dia cheguei ao Hospital de Santa Maria sem conseguir andar, viram o meu histórico e que era regular ir às urgências com dores e decidiram internar-me para avaliação na unidade de Gastrenterologia, onde fui testada de "fio a pavio". Ao fim de 15 dias chegámos ao diagnóstico. Foram dias que se "varreram" quase por completo da minha memória, lembro-me das minhas colegas de quarto, porque acordava, maquilhava-me, e a elas também. Era o que me trazia algum sentido de normalidade. Também me lembro de ir tomar banho e ver no espelho que estava ligada com cateteres, lembro-me da bata, das esponjas… Caia-me a ficha, e ficava muito triste.

O que sentiste ao ouvir a palavra endometriose?
Percebi que era algo bastante comum, mas que não era muito falado. Em parte, um dos grandes motivos que me leva a partilhar a minha história é saber que é importante falar disto, e não tornarmos certos assuntos mais ou menos "faláveis". É preciso entender-se que é uma doença mais comum do que se acha, e que há formas de termos mais qualidade de vida e também há certos riscos que corremos.
Quais foram os riscos que te foram explicados, e como foste encontrando estratégias para melhorar a qualidade de vida?

Na altura informaram-me sobre a doença, que [consiste em] ter um problema no nosso endométrio, por isso acabamos por menstruar em sítios diferentes. Os tecidos inflamam porque o sangue está onde não é suposto estar, o que causa muita dor. Na altura usava um contraceptivo que era o anel menstrual, e que aumentava a probabilidade de eu ter mais dores, porque não era compatível com a endometriose. Aconselharam-me a mudar para uma pílula mais compatível com esta patologia. Na altura perguntei à médica se podia fazer uma pausa na pílula, e ela concordou, avisou que havia sempre o risco de engravidar, mas que provavelmente iria acontecer o contrário - poderia, um dia, enfrentar dificuldades em engravidar.
Mas depois chegou uma surpresa chamada Leonor…
O mais engraçado é que eu parei a pílula em dezembro ou janeiro, e em maio já estava grávida da Leonor. Na altura recebi imensas mensagens de mulheres com endometriose – porque nós partilhamos a nossa vida e depois as pessoas também o fazem connosco [nas redes sociais] – a perguntar como tinha conseguido engravidar. Sendo uma gravidez não planeada, eu não sabia o que havia de responder! Na altura até pus em questão se tinha ou não o problema. Agora estou, infelizmente, a passar pelo processo oposto.





Como é sentir que se quer engravidar sem conseguir?
Eu quero muito engravidar, queria muito ter um segundo filho. Para que se perceba melhor (e peço desde já desculpa ao leitor pelo termo não ser médico) o que acontece é que ficamos com os orgãos [reprodutivos] "sujos", com restos de sangue, células mortas. É por isso que às mulheres que tentam engravidar com endometriose se recomenda fazer uma limpeza ao sistema reprodutor, através de uma laparoscopia. De maneira a que tudo esteja mais permeável para receber o esperma, e que o espermatozóide possa implementar-se sem problemas no ovário.
Como é que tudo se passou, no teu caso?
Eu consegui engravidar em agosto, e quando fui ver era uma gravidez ectópica, que infelizmente pode ser uma realidade para quem tem endometriose. O que aconteceu comigo foi que o embrião ficou preso na trompa, a partir desse momento não há nada a fazer. Uma em cada sete mulheres sofre uma gravidez ectópica, é uma percentagem surreal. Ou se tomam injeções até que o próprio corpo absorva o embrião, o que acaba por ser uma quimioterapia localizada, e depois há a operação, onde é retirada a trompa onde está o embrião. No meu caso, da primeira vez correu tudo bem, tive que tomar uma pílula até dezembro, e depois ia fazer um exame final, mas não me aparecia o período. Eu achava muito estranho, fui comprar um teste de gravidez e estava grávida.
Acredito que a notícia tenha sido recebida de forma angustiante...
Fui logo a um centro de ecografias (nem tinha requerimento médico) para saber se [o embrião] tinha implementado bem ou mal. Expliquei à médica que tinha muito medo porque tinha acabado de passar por uma gravidez ectópica, só que acabou por não ser possível ver nada. Andei duas semanas com sentimentos mistos. Eu sou muito de acreditar em energias, e gosto muito de acreditar que atraímos aquilo que queremos. Pensei para mim que ia correr tudo bem, e que não me ia preocupar. Planeei a minha vida toda a achar que ia ter um filho em novembro. Já andava a ver roupinhas de grávida, e apesar de não ter dito nada à Leonor comecei a introduzir-lhe o conceito de irmão ou irmã. Quando voltei à ecografia ia num estado muito positivo e crente, e foi um daqueles valentes socos no estômago quando estou deitada e percebo que há um silêncio. Até que pedi à médica para ver a minha trompa direita…Viu logo, e acabou por me mandar para operação de urgência, porque não só estava com uma gravidez ectópica na mesma trompa como eram gémeos, eram dois embriões.
Nunca há palavras que cheguem para consolar um momento assim. O que decidiste fazer nesse momento?
Ficou tudo mais lento, mais oco. A primeira coisa que fiz foi desinstalar todas as aplicações relacionadas com a gravidez, fui ter com um fornecedor da minha loja com quem precisava de tratar de coisas com urgência, liguei de imediato à minha mãe e ao Miguel [o namorado], fui dar um beijinho ao Miguel e à Leonor, ainda passei pela minha equipa para os coordenar durante uns dias, e dei entrada na maternidade para fazer a cirurgia.
Puseste tudo à frente daquilo que estava a sentir, até ao último minuto.
Fui tudo muito rápido porque o meu risco era altíssimo, o mais perigoso era haver um rompimento da trompa, e se a trompa romper provoca uma hemorragia abdominal. A mulher entra em risco de vida, e tem poucos minutos. Ainda para mais eu tinha um duplo embrião. Quando eu cheguei já estava tudo preparado. Lembro-me de estar deitada na maca, já com o soro, ainda ter o telemóvel, a resolver coisas, a adiar reuniões por motivos de saúde, e a enviar copys de publicidade que já estava paga, e só quando deixei os pertences e entrei no bloco operatório é que me caiu a ficha. Comecei a tremer e a chorar, e perguntei mais uma vez se me tinha mesmo que ser tirada a trompa. Ainda pedi para me verem a trompa esquerda, para eu entender em que estado ela estava, e se possível me fazerem uma limpeza, porque eu queria muito tentar engravidar.
Quando sentiste que era o momento de partilhar o que aconteceu?
Acima de tudo, a partilha foi uma necessidade minha. Já há muitos anos que tenho esta comunidade, e as pessoas para quem eu falo mandam-me muitas vezes mensagens. O que às vezes pode não ser tão dito é que elas também são importantes para mim. Eu sentir que tenho sempre pessoas do outro lado a querer ouvir, ver, e aprender comigo, alimenta a minha força. Da mesma forma que eu senti necessidade de falar com a minha mãe e com as minhas pessoas, também foi importante partilhar com quem me segue, caso contrário eu sentia que o ciclo não se completava nem se fechava, e para mim não fazia sentido. É o mesmo que existir um assunto muito importante em cima da mesa, e falar-se de tudo menos daquilo. E eu não ia estar bem comigo mesmo ao ir novamente para as redes sociais como se nada se passasse. Acho que hoje em dia, com tudo o que estamos a viver, é importante dizer que é okay não estar okay. É okay não nos sentirmos bem, e virmos dizer que estamos tristes. Não vamos romantizar assim tanto a vida porque essa é uma tendência que já existe nas nossas vidas.
Esse romantizar em excesso pode criar frustração do outro lado?
Sim, as pessoas não têm vidas perfeitas, e não corre sempre tudo bem. Eu senti a necessidade de dizer que estava a passar por um momento menos bom, que queria partilhar porque para mim era importante.

Sentiste um apoio incondicional?
Sempre que se partilha alguma coisa nas redes sociais é normal termos sempre quem não concorde com as nossas ideias ou postura. Na altura eu disse ao Miguel que queria muito partilhar [isto] com as pessoas, a preocupação dele era achar que eu estava frágil e que podia ter respostas ou mensagens que me podiam deixar mais em baixo. Partilhei com essa consciência, mas posso dizer que o apoio que eu senti foi surreal, a quantidade de testemunhos que me enviaram, histórias de superação, ou só a mandar um beijinho, foi incrível.
É uma espécie de ajuda a sarar as feridas?
Se calhar as pessoas nem se apercebem mas acabam por fazer parte e ser responsáveis nesta terapia, nesta cura. Eu tinha seguidoras que todos os dias me enviavam fotografias de coisas que sabiam que me iam animar, músicas. Continuo a achar surreal que pessoas que não me conhecem pessoalmente se preocupem tanto comigo. É este lado bonito do digital que me apaixona, que me cativa e que me faz partilhar todos os dias.
Tudo isto deixa não só mazelas físicas como psicológicas. Ne agora como te sentes?
Neste momento estou na fase de cicatrização, há duas semanas tirei os pontos. Daqui a duas semanas vou fazer o teste que averigua os níveis de beta-HCG, que têm que estar nulos. Só depois disso poderei passar ao próximo passo, que é fazer o teste que ia fazer antes de engravidar da última vez, que testa a permeabilidade das trompas [histerossalpingografia]. Pelo que me explicam, é um teste não doloroso mas desconfortável, onde é colocado um soro via vaginal, e através de uma ecografia vêem se há permeabilidade, e no meu caso se fiquei com alguma perfuração da operação. Mal tenha luz verde irei tentar novamente. Não foi isto que me fez desmotivar de querer ter um segundo filho. Neste momento inscrevi-me num centro de fertilização in vitro, foi-me aconselhado fazê-lo.
O que gostavas de deixar como mensagem a reter da tua história?
É importante dizer que há uma grande probabilidade de sofrer várias vezes uma gravidez ectópica. No meu caso já não tenho a trompa direita, só a esquerda, e só quando eu não tiver trompas é que vou partir para a fertilização in vitro. Nestes últimos anos eu mudei muito enquanto pessoa, mudei muito quando fui mãe. E estes episódios também me mudaram muito, deram-me uma perspetiva diferente sobre a vida, sobre a força que nós temos e que às vezes desconhecemos. Nesse sentido enriqueceu-me. Também me deu mais força e vontade de ser mãe. Fez-me olhar para a minha Leonor e ver que ela foi não planeada mas foi a maior bênção que eu podia ter tido.
Hoje olhas para a Leonor como uma bênção maior?
Na altura passei toda a gravidez à pressa, focada no meu lado profissional, não vivi a gravidez. Hoje penso que tinha aproveitado mais. Mas é mesmo assim, nós estamos sempre em pontos diferentes da nossa vida, da nossa caminhada. Obviamente que já fiquei muito triste, chorei muito, fiz o luto pelo que passei e ainda estou a passar. No fim do dia às vezes penso que podia ter mais três filhos e não tenho. São três bebés que eu queria muito ter nos meus braços, que eu queria muito. Ao mesmo tempo sinto que isto vai acontecer, que vou conseguir, e que vai ser breve. Temos de saber valorizar os nossos "picos máximos", hoje em dia ainda dou mais valor à minha filha, à minha família e a mim enquanto mulher. É preciso continuar a olhar para o lado positivo. Espero que a minha partilha mostre às mulheres o quão fortes elas são.
