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Perder um bebé. Testemunhos de quem lida com a morte de um filho

Matilde Breyner usou o Instagram para dizer que perdeu a sua bebé, que já tinha nome - Zoe. Leia os testemunhos de dor de quem passa pela fatalidade que é a morte prematura de um filho.

Foto: @cindybreyner
01 de julho de 2022 às 16:07 Pureza Fleming

Foi com a mais profunda tristeza que Cristiano Ronaldo anunciou a morte de um dos seus gémeos: "Nosso menino, és o nosso anjo. Vamos amar-te para sempre". Georgina estava grávida de gémeos, o quinto e sexto filho do capitão de seleção nacional. A gravidez foi anunciada no final de outubro, mais tarde foi publicado um vídeo em que era desvendado o género dos bebés. Desde então, tinham sido vários os momentos em que o casal mostrava o evoluir da gravidez, que estaria atualmente no final. De acordo com o comunicado, o bebé morreu durante o parto, enquanto a menina conseguiu sobreviver: "Só o nascimento da nossa bebé nos dá forças para viver este momento com alguma esperança e felicidade", escreve Ronaldo. A modelo estaria perto da 36ª semana de gravidez.

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Parto prematuro, sim ou não?

Os gémeos devem nascer às 37 semanas de gestação para minimizar os riscos de morte fetal e neonatal, concluiu uma investigação de 2016. Publicadas no British Medical Journal, as conclusões basearam-se nos resultados de 32 estudos realizados nos 10 anos que o antecederam e que abrangeram 29,6 mil gravidezes gemelares dizigóticas (em que cada gémeo tem a sua placenta) e 5,4 mil monozigóticas (em que os gémeos partilham a mesma placenta).

Já se sabia que o risco de morte fetal intra-uterina é maior nas gravidezes de gémeos do que nas de um só feto e que o risco aumenta com o tempo de gestação, pelo que, muitas vezes, antecipa-se o parto para prevenir complicações. No entanto, não se sabe com certeza qual a idade gestacional ótima para induzir o parto de forma a minimizar os riscos. As recomendações atuais oscilam entre as semanas 34 e 37 para as gravidezes monozigóticas e entre as semanas 37 e 39 para as dizigóticas. O estudo, que incluiu apenas gravidezes não complicadas, comparou a mortalidade intra-uterina e a mortalidade neonatal para diversas idades gestacionais posteriores à semana 34. Os resultados para as gravidezes dizigóticas mostraram que o risco de morte fetal intrauterina se equilibra com o risco de morte neonatal na semana 37 de gestação. Adiar o parto até às 38 semanas aumentava em média o risco de morte fetal intrauterina em 8,8 mortes por cada 1.000 gravidezes. Nas gravidezes monozigóticas, o risco de morte fetal parece ser maior do que o da morte neonatal para além da semana 36 de gestação. Os cientistas evitam, porém, fazer uma recomendação firme sobre o momento ótimo do parto no caso das gravidezes gemelares monozigóticas devido ao reduzido número de casos representativos deste grupo. "De forma a minimizar as mortes perinatais em gravidezes gemelares dizigóticas sem complicações o parto deve ser considerado às 37 semanas; nas gravidezes monozigóticas o parto deve ser considerado à semana 36", concluem.

Foto: Getty Images

O tipo de dor nunca antes sentido

Em outubro de 2020 a Internet comoveu-se com a devastadora notícia de que a modelo e autora do livro de cozinha, Cravings (2016), Chrissy Teigen e o seu marido, o músico John Legend, haviam perdido aquele que seria o terceiro filho do casal, devido a complicações no parto. "Estamos chocados e a sentir o tipo de dor que só ouvimos falar, o tipo de dor que nunca sentimos antes", começou por escrever a modelo nas suas contas de Instagram e de Twitter. Teigen, na altura com 34 anos, juntava-se a uma longa lista de celebridades que têm vindo, ao longo dos últimos anos, a quebrar o tabu social que é falar-se acerca do (incómodo) tema que é o aborto espontâneo. Recordemos a antiga primeira-dama dos Estados Unidos, Michelle Obama, que desabafou, no seu livro autobiográfico, Becoming — A Minha História (2018), ter-se sentido "perdida e sozinha" quando, aos 35 anos, sofreu de um aborto espontâneo. E onde mantinha: "Senti que tinha falhado, porque não sabia que os abortos espontâneos eram tão comuns, já que ninguém falava disso. Essa é uma das razões pelas quais acredito que é importante falar com as mães jovens acerca do motivo pelo qual ocorrem os abortos espontâneos". Um estudo com data de 2018 revelou que a ocorrência de abortos espontâneos é mais comum do que, à partida, se poderia pensar – mesmo para as mulheres que os têm. A mesma investigação apurou que mais de metade das fertilizações resulta em aborto. A pesquisa, da autoria do geneticista, William Richard Rice, da Universidade da California, Santa Barbara, nos Estados Unidos, baseou-se em dezenas de estudos anteriores, mas também em dados hospitalares analisados ao longo de várias décadas. Pesquisas anteriores apuraram que algures entre 10 a 20%, ou tantas quanto uma em cada quatro gravidezes, acabam em aborto espontâneo.

Foto: Instagram Michelle

Aceitação: um dos caminhos a adotar

Inês Durão tinha 34 anos quando passou, não por um, mas por dois abortos espontâneos. Na realidade, e já iremos entender porquê, foram três: "Comecei por ter um desmanche, tinha a minha filha mais velha, Madalena, dez meses. Naquela altura, estava com cerca de dez semanas de gestação. Dois meses imediatamente após esse aborto espontâneo, voltei a engravidar. Dessa vez de gémeos", conta à Máxima a gestora comercial, hoje com 47. Explica que, na sua situação, a médica já havia apontado para a possibilidade de um desmanche: "A minha avó perdeu, por duas vezes, gémeos. A minha tia, também. Então, na minha geração, já havia uma tendência genética para gémeos — e para a devida possibilidade de os ‘perder‘, ainda na barriga".

Embora os bebés estivessem, aparentemente, "ótimos", a médica aconselhou repouso, uma vez que "tinha pouco espaço dentro de mim para que ambos se desenvolvessem ‘direito’". Foi, nesse instante, que a falta de humanidade — ou, digamos antes, a total ausência de sensibilidade — por parte do seu patrão, se revelou crucial para que tudo corresse mal: "Ele [o patrão] disse-me que, se eu ficasse em casa, seria melhor começar a pensar em ficar em casa de vez. Entrei em pânico [com aquela ameaça] mas, uma vez que estava a trabalhar em vendas, arrisquei fazer aquelas vendas até ao fim". Recorda de ir trabalhar com as lágrimas a escorrerem-lhe pelo rosto, uma vez que começava a sentir certas contrações, numa altura em que ainda não era suposto.

Foto: Getty Images

No último dia de vendas — que seria o dia exato em que encerraria a porta do escritório para, enfim, se dedicar à tranquilidade necessária para uma gravidez bem-sucedida — começa a sentir umas dores fora do normal. Inês, seguiu para casa, e ligou à sua médica — que a aconselhou repouso absoluto até ao dia seguinte, altura em que a médica já a veria, no seu consultório. E foi, durante essa noite, que o temido aconteceu: "Já estava de cinco meses. Acordei com uma sensação estranha e percebi que as águas tinham rebentado. Fui até à casa de banho fazer xixi e comecei, naquele exato momento, a fazer o parto do primeiro bebé — olhei para a retrete e vi o bebé", narra com força suficiente na sua voz. E continua: "O meu marido começou a vomitar, de nervos, e pretendia puxar o autoclismo para eu não ver o bebé que, no entanto, estava preso a mim pelo cordão umbilical. Ligámos para o 112 e apareceram-me oito médicos em casa. Os enfermeiros puseram o bebé numa maca ao pé de mim, pois não podiam cortar cordão umbilical, e dali seguimos para o hospital para que nascesse o segundo".

Questiono, mais uma vez e tal como perguntei logo no início desta conversa, se lhe era possível falar acerca deste tema com alguma tranquilidade — ainda que o tom da sua voz me fosse confirmando que sim. Inês mantém, assim, a conversa, com a mesma serenidade a ecoar de dentro de si: "[Naquele dia, no hospital], tive de acalmar (também) a minha mãe, que não parava de chorar. Tive a frieza para lhe pedir que tivesse calma. Dizia-lhe: ‘Pode ser que o segundo [gémeo] sobreviva; que tudo corra bem com o segundo’". E não correu. Flashback para aquele dia, naquele hospital situado na cidade do Porto, com todo o tipo de dores que pode caber dentro de um ser humano, e ainda sem os bebés nos braços, a pergunta que lhe faço é: "Qual é a sensação desse vazio que é, em simultâneo, físico e emocional?". Relata uma "mistura de sentimentos". E relembra a frase que uma grande amiga, mais velha e, talvez por isso, com maior sabedoria, lhe transmitiu naquele penoso momento: "Que, provavelmente, Deus me tinha escolhido, e ao [meu marido] Afonso, para ser pais de dois bebés que só tinham precisado daqueles escassos momentos na terra, para se transformarem em anjinhos. E que, esses anjinhos, iriam ser os nossos protetores, para sempre. Hoje, sinto que tenho essa proteção, esses anjinhos que olham pela nossa família".

Foto: Getty Images

Para Inês, a fé foi a sua grande bengala: "Na altura, quis acreditar que aquilo não tinha acontecido por acaso. Que, talvez, naquele momento da minha vida, eu não tivesse a capacidade de ter dois bebés ao mesmo tempo. Que nada era por acaso, que tinha de ser", expõe com extrema placidez. Já para o seu marido, Afonso, o desgosto não foi tão bem digerido: "Ele é mais frágil do que eu, nestas coisas. Durante três ou quatro anos, sempre que se falava neste tópico, ele começava a chorar. Mesmo hoje, se o tema vem à superfície, ele prefere mudar de assunto". Dois anos depois daquele drama, a vida deu a este casal uma nova oportunidade de conceber uma nova vida — passe a redundância. A Constança, que acabaria por nascer com 31 semanas e com um quilo e 590 gramas, nasceria prematura, porém sem mazela nenhuma. Recorda Inês que, apesar da recém-nascida, Constança, ter tido de ser internada por precaução, tudo acabaria por correr bem. E, atribui aos gémeos, "os anjos protetores lá de casa", essa ventura. No seu testemunho, Inês Durão demonstra, por mais de uma vez, a pujança feminina. Comprova também que o dito popular que defende que "por detrás de um grande homem, há sempre uma grande mulher" não poderia ser mais justo. Na realidade, e feminismos à parte, até podia: bastava dizermos que por detrás de uma bem digerida fatalidade, está sempre uma mulher de armas.

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