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Mães na adolescência. Histórias de quem engravidou cedo

Lara foi mãe aos 14, Maria do Carmo aos 15, e Ana aos 16. Mas as vivências da gravidez e maternidade das três mulheres aconteceram em épocas diferentes. Recordamos este retrato das suas experiências, no Dia Mundial da Grávida.

Foto: IMDB / "Juno"
09 de setembro de 2022 às 12:53 David Cunha / Universidade Lusófona

"Disseram-me que ou ia para uma casa de acolhimento ou ficava sem o meu filho"

Em 2017, Lara Rodrigues tinha 14 anos e descobriu que estava grávida. A primeira solução que lhe ocorreu foi abortar. Apesar da interrupção voluntária da gravidez ser legal até às 10 semanas em Portugal, o facto de ter apenas 14 anos exigia uma autorização dos seus responsáveis parentais para poder realizá-la. Na tentativa de o conseguir fazer sozinha, Lara recorreu ao uso de comprimidos ilegais, mas assim que o fez arrependeu-se. O efeito inicialmente pretendido não se concretizou, e a jovem decidiu que queria ser mãe. Até esse momento, não tinha contado a ninguém que estava grávida. Mas com receio dos efeitos dos comprimidos no feto, foi ao médico "numa fase avançada da gravidez", conta.

A viver só com a mãe em Porto Salvo, concelho de Oeiras, Lara não teve a vida facilitada quando contou o que se passava. "Disseram-me que ou ia para uma casa de acolhimento ou ficava sem o meu filho", lembra. O apoio do namorado não foi suficiente e a vida da adolescente deu uma volta de 180 graus. De um momento para o outro viu-se sozinha, num lugar completamente desconhecido e à mercê de um conjunto de pessoas que, para ela, não passavam de estranhos.

Quanto mais perto do fim ficava a gravidez, mais os receios de Lara se avolumavam. O medo de falhar, de não estar totalmente preparada para ser mãe, era aquilo que mais a assombrava. Mal se tornou mãe, percebeu que a adolescência tinha ficado para trás. "Tive de ensinar o meu filho a crescer, à medida que eu mesma ia tentando crescer", recorda a jovem, agora com 19 anos. Mas apesar das adversidades, Lara continuou a estudar, e mesmo com todas as dificuldades de ser uma mãe estudante, conseguiu acabar o 12º ano, facto que celebra como uma grande conquista.

Como a Organização Mundial de Saúde classifica como gestação precoce todas as gravidezes em que a idade da progenitora se encontra entre os 15 e os 19 anos, este tipo de gestação é considerado por muitos especialistas como de alto risco, visto que o corpo da mulher ainda não se encontra totalmente desenvolvido e apto para ter uma gravidez considerada normal.

"Perdemos a nossa vida por completo"

Para Ana Figueiredo, de 36 anos, a sua primeira gravidez não foi nada do que tinha idealizado. Engravidou aos 16 anos, de um relacionamento ainda bastante recente. "Eu estava a estudar na altura em que engravidei, estava no 8º ano", conta. Ana descobriu que estava grávida num Centro de Jovens, ao realizar umas análises em busca do medicamento mais adequado para regular a menstruação.

Quando soube da gravidez, Ana ficou em choque, sem saber como contar à família. Corria o ano de 2002 e, salvo um pequeno conjunto de exceções, o aborto mantinha-se uma prática ilegal em Portugal. A viagem de regresso a casa, que normalmente demoraria 20 minutos, durou cerca de 3 horas. O desespero levou-a andar às voltas, percorrendo incontáveis vezes os quarteirões perto de sua casa.

O "afastamento das pessoas", a falta de apoio e os olhares que sentia quando entrava em qualquer lugar foram os momentos mais difíceis que Ana Figueiredo viveu. Enquanto enfrentava as reações dos outros, viu a sua vida mudar radicalmente. "Tive de deixar de estudar, cancelei a matrícula e pronto! Deixei tudo por causa da gravidez".

Sobre a experiência, afirma: "não é bom ser mãe ou pai adolescente, porque perdemos a nossa vida por completo". Apesar disso, sente que tem sido uma boa mãe para o filho e, onze anos depois de dar à luz, concluiu o 12º ano, um passo que classifica como determinante para encontrar o equilíbrio de que precisava, e que lhe deu a sensação de ter recuperado o tempo perdido. Hoje, passados 19 anos, assegura que "não fazia nada diferente, acho que tudo na vida é uma lição. Aprendemos sempre com as coisas que fazemos".

De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), de 2017 para 2021, o número de jovens que foram mães entre os 11 e os 19 anos, baixou significativamente, passando de 2173 para 1499. Estima-se que estes resultados se devam à maior facilidade de aquisição de métodos contracetivos e ao facto de haver mais informação sobre os problemas que uma gestação precoce acarreta. Em Portugal, são várias as associações e entidades que têm como principal missão acolher e ajudar jovens mães. A Associação para o Planeamento da Família é uma dessas entidades e sua principal missão é "ajudar as pessoas a fazerem escolhas livres e conscientes na sua vida sexual e reprodutiva e promover a parentalidade positiva", lê-se no site. Outras entidades como a Associação Apoio à Vida, garantem também toda a confidencialidade desejada durante o apoio às jovens.

Foto: DR

"Estar grávida era quase um crime"

Em 1982, Portugal era um país diferente. Vivia-se em liberdade de expressão há menos de uma década, depois de um longo período de ditadura. Maria do Carmo Faria tinha 15 anos e vivia no Casal do Rato, Pontinha, Odivelas, quando descobriu que estava grávida. "O meu pai vai matar-me!", pensou. Mas quem reagiu pior foi a mãe, que a tratou "quase como uma criminosa, o facto de estar grávida era quase um crime", lembra.

A descoberta, aos três meses de gestação, foi uma surpresa, uma vez que a sua menstruação se manteve sempre regular. Maria do Carmo já tinha deixado a infância para trás há muito, não estudava, e assumia grandes responsabilidades e várias tarefas em casa. "Os 15 anos da minha época [vividos há 40 anos] não são os mesmos de atualmente", explica. Por isso, "se me perguntarem se a minha adolescência me fez falta, eu não sei. Só sei o que ganhei, não o que perdi", afirma.

Apesar das responsabilidades acrescidas que a gravidez lhe trouxe, Maria do Carmo nunca se arrependeu de ter engravidado. Ao longo de todo o processo, revela que aquilo que mais a surpreendeu foi o apoio e a compreensão do pai, coisas que não eram comuns no seu tempo. Já a mãe, "sempre adorou a neta, mas foi muito dura comigo", conta.

Não se lembra de ter ouvido falar em educação sexual enquanto andou na escola, e se tivesse sido um tema abordado, as coisas poderiam ter sido diferentes. Apesar da época ser bastante diferente da atual, Maria do Carmo, confessa que "sentia vergonha de estar grávida", mas hoje, com 55 anos, conclui que as pessoas não a julgavam, foi a falta de apoio da mãe que lhe criou tantas inseguranças. Em jeito de balanço, sente-se agora uma mulher equilibrada. "Eu acho que nunca se está preparada para ser mãe tão cedo e pela primeira vez. Se calhar não vivi as mesmas coisas que podia ter vivido, mas se fosse mais tarde tinha agora filhos na escola e não estava tão liberta".

Lara, Ana e Maria do Carmo tornaram-se mães na adolescência em épocas e circunstâncias diferentes. Todas reconhecem as dificuldades que a maternidade precoce lhes trouxe e a luta necessária para reencontrar o equilibro, mas não se arrependem de ser mães.

*Artigo escrito por um aluno da licenciatura em Comunicação e Jornalismo da Universidade Lusófona, editado por Rita Silva Avelar, ao abrigo da parceria com a Cofina.

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