Lidar com a realidade da doença terminal na família. Testemunhos de quem viu a morte
O livro da psiquiatra suíça Elisabeth Kübler-Ross, M.D. (1926 - 2004), cuja primeira edição saiu em 1969, retrata as cinco fases do luto como um padrão de ajustamento. A Máxima publica um excerto de "Sobre a Morte e Morrer", editado pela Leya, do capítulo 9 - "A Família do Paciente".

LIDAR COM A REALIDADE DA DOENÇA TERMINAL NA FAMÍLIA
"Os membros da família passam por diversas fases de adaptação semelhantes aos que descrevemos para os nossos pacientes. De início, muitos deles não conseguem acreditar que é verdade. Podem negar o facto de que existe uma doença desse tipo na família e "saltitar" de médico em médico na esperança vã de ouvir que esse diagnóstico estava errado. Podem procurar esperança e certezas (de que é tudo mentira) em adivinhos e curandeiros. Podem organizar viagens dispendiosas a clínicas e médicos famosos e enfrentar apenas gradualmente a realidade que poderá mudar as suas vidas de uma forma tão drástica. Dependendo muito da atitude, consciência e capacidade de comunicar do paciente, a família passa então por certas mudanças. Se forem capazes de partilhar as suas preocupações comuns, podem tratar de assuntos importantes numa fase precoce e sem estarem tão submetidos à pressão do tempo e das emoções. Se cada um tentar manter segredo dos restantes, conservarão uma barreira artificial entre eles que dificulta uma dor preparatória para o paciente ou para sua família. O resultado final será muito mais dramático, em comparação com as famílias que podem falar e chorar em conjunto de vez em quando.Da mesma maneira que um paciente passa por uma fase de ira, a família nuclear experienciará a mesma reação emocional. Alternarão entre a cólera para com o médico que examinou o paciente pela primeira vez e não avançou com o diagnóstico, e o médico que os confrontou com a triste realidade. Podem projetar a sua fúria no pessoal hospitalar que nunca se preocupou o suficiente, por mais eficiente que a assistência seja na realidade. Há uma grande componente de inveja nesta reação, porque, muitas vezes, os membros da família sentem-se ludibriados por não poderem, ou não lhes ser permitido, estar com o paciente e cuidar dele. Também há um grande sentimento de culpa e o desejo de compensar oportunidades perdidas no passado. Quanto mais conseguirmos ajudar o familiar a expressar essas emoções perante a morte de um ente querido, mais confortável ele se sentirá.Depois de ter conseguido ultrapassar a ira, o ressentimento e a culpa, a família passará então por uma fase de luto preparatório, tal como acontece com o paciente terminal. Quanto mais se expressar esta dor perante a morte, menos intolerável ela se tornará mais tarde. É frequente ouvirmos familiares dizerem com orgulho que sempre tentaram manter um sorriso na cara frente ao paciente, até que um dia não conseguiram manter mais tempo essa fachada. Mal sabiam eles que as emoções genuínas por parte de um membro da família são muito mais fáceis de aceitar do que uma máscara dissimulada que, de qualquer forma, o paciente consegue identicar e que, para ele, significa um disfarce em vez da partilha de uma situação triste.Se os membros de uma família conseguirem partilhar estas emoções uns com os outros, enfrentarão gradualmente a realidade de uma separação iminente e conseguirão aceitá-la em conjunto. O período mais doloroso para a família é talvez a fase final, quando o paciente está a separar-se lentamente do mundo, e também da sua família. Não compreendem que uma pessoa na fase terminal que encontrou paz e aceitação na sua morte se tenha de separar, passo a passo, do seu ambiente, incluindo os seus entes mais queridos. Como poderia ele estar preparado para morrer se continuasse ligado às relações importantes que são tão numerosas para qualquer pessoa? Quando o paciente pede para ser visitado apenas por mais alguns amigos, depois pelos filhos e, por fim, apenas pela mulher, deve-se entender que essa é a forma de ele se separar gradualmente. A família mais próxima confunde-o frequentemente com uma rejeição, e conhecemos vários maridos e mulheres que reagiram de uma forma dramática a esta separação normal e saudável. Penso que podemos ser mais úteis para os familiares se os ajudarmos a compreender que só os pacientes que lidaram bem com o seu processo de morte são capazes de se separar dessa forma lenta e pacífica. Devia ser uma fonte de conforto e alívio para eles, e não de dor e ressentimento. É durante este período que a família precisa de mais apoio, e o paciente de menos. Não quero com isto dizer que o paciente deve ser deixado sozinho nesta fase. Devemos estar sempre disponíveis, mas um paciente que alcançou esta fase de aceitação e decathexis tem geralmente poucas necessidades no que respeita a relações interpessoais. Se o significado desta separação não for explicado à família, podem surgir problemas semelhantes aos descritos no caso da Sra. W. (Capítulo VII).Quando adotamos o ponto de vista da família, a morte mais trágica é talvez – para além da das pessoas muitos jovens – a morte dos muito idosos. Quer as gerações tenham vivido em conjunto ou separadamente, cada uma delas tem a necessidade e o direito de viver a sua própria vida, de ter a sua privacidade, de preencher as suas necessidades de uma forma apropriada à sua geração. Os mais velhos deixaram de ter utilidade em termos do nosso sistema económico e ganharam, por outro lado, o direito de viver as suas vidas com paz e dignidade. Enquanto forem autossuficientes e saudáveis de corpo e mente, tudo isto pode ser possível. No entanto, vimos muitas mulheres e homens idosos que ficaram incapacitados física ou emocionalmente e que requerem uma enorme soma de dinheiro para que possam conservar o nível de dignidade que a sua família exige para eles. Nesses casos, a família é muitas vezes confrontada com uma decisão difícil, nomeadamente, mobilizar todo o dinheiro disponível, incluindo empréstimos e poupanças para a sua própria reforma, para suportar esses cuidados de saúde finais. A tragédia dessas pessoas idosas é talvez o facto de o volume de dinheiro e, muitas vezes, de sacrifício financeiro não envolver qualquer melhoria da sua condição, mas apenas a manutenção de um nível mínimo de existência. Se ocorrerem complicações médicas, as despesas multiplicam-se e é frequente a família desejar uma morte rápida e indolor, embora seja raro que expresse esse desejo abertamente. Obviamente que esses desejos trazem consigo sentimentos de culpa.Recordo-me de uma mulher idosa que estava hospitalizada há várias semanas e que precisava de cuidados de enfermagem dispendiosos e abrangentes num hospital privado. Toda a gente esperava que ela morresse passado pouco tempo mas, dia após dia, o seu estado de saúde continuava inalterado. A filha estava dividida entre mandá-la para um lar ou mantê-la no hospital, onde Quando o vi no dia seguinte, o Sr. P. pôs o braço de fora para O Sr. P. demonstrou tão bem como a Sra. W. (no Capítulo VII)
ela aparentemente queria ficar. O genro estava zangado com ela por ter usado o dinheiro que tinha poupado ao longo da vida e teve inúmeras discussões com a mulher, que se sentia demasiado culpada para a tirar do hospital. Quando visitei a mulher idosa, ela parecia estar assustada e cansada. Perguntei-lhe simplesmente de que é que ela tinha tanto medo. Olhou para mim e, finalmente, expressou o que tinha sido incapaz de transmitir até então, porque ela própria percebia como os seus receios eram irrealistas. Tinha medo de "ser comida viva pelos vermes". Enquanto eu recuperava o fôlego e tentava compreender o verdadeiro significado dessa frase, a filha disse abruptamente, "Se é isso que te impede de morrer, podemos queimar-te", querendo naturalmente dizer que a cremação a impediria de ter qualquer contacto com vermes. Toda a sua raiva reprimida estava nessa frase. Sentei-me sozinha ao lado da mulher idosa, durante algum tempo. Conversámos calmamente sobre as suas fobias, que a acompanhavam desde sempre, e sobre o seu medo da morte que se apresentava sob a forma deste medo de vermes, como se tivesse consciência deles depois de morrer. Sentiu-se muito aliviada por tê-lo manifestado e disse compreender a ira da filha. Encorajei-a a partilhar alguns desses sentimentos com a filha, para que ela não tivesse de se sentir tão mal por causa do que afirmara.Quando encontrei a filha fora do quarto, falei-lhe da compreensão da mãe, e elas reuniram-se finalmente para falar sobre as suas preocupações, acabando a fazer combinações para o funeral, que envolveria cremação. Em vez de ficarem sentadas em silêncio e cheias de cólera, comunicaram e consolaram-se uma à outra. A mãe morreu no dia seguinte. Se não tivesse visto a expressão de serenidade no seu rosto durante o seu último dia de vida, poderia suspeitar que aquela crise de raiva a tinha morto. Outro aspeto que muitas vezes não é levado em consideração é o tipo de doença fatal que o paciente tem. Há certas expetativas em relação ao cancro, tal como há certas imagens associadas às doenças cardíacas. O primeiro é visto com frequência como uma doença prolongada, que produz dor, enquanto as últimas podem atacar de repente, matando de forma instantânea mas sem dor. Acho que há uma diferença bastante grande se um ente querido morrer lentamente, com muito tempo disponível de ambos os lados para a dor preparatória, comparado com a temida chamada telefónica, "Aconteceu, está tudo consumado". É mais fácil falar com um paciente de cancro sobre a morte e o processo de morrer do que com um paciente cardíaco, que nos desperta o receio de o podermos assustar e provocar dessa forma um AVC, ou seja, a sua morte. Por essa razão, os familiares de um paciente com cancro estão mais dispostos a discutir o fim esperado do que a família de alguém que sofre de uma doença cardíaca, em que o fim pode vir a qualquer momento e pode ser provocado por uma discussão, pelo menos na opinião de muitos membros de famílias com quem falei.Lembro-me da mãe de um jovem no Colorado que não permitia que filho fizesse qualquer tipo de exercício, nem mesmo o mais insignificante, apesar de os seus médicos aconselharem o oposto. Durante as conversas, esta mãe costumava dizer coisas como, "se ele fizer demasiadas coisas, vai-me morrer", como se esperasse um ato hostil do seu filho contra ela. Não tinha qualquer tipo de consciência da sua própria hostilidade, mesmo depois de partilhar connosco algum do seu ressentimento por "ter um filho tão fraco", que ela associava com frequência ao seu marido ineficaz e mal sucedido. Só depois de a escutarmos com cuidado e paciência durante meses é que esta mãe conseguiu expressar alguns dos seus próprios desejos destrutivos em relação ao filho. Racionalizou esses desejos atribuindo ao filho a causa da sua limitada vida profissional e social, o que a tornava tão ineficaz quanto o marido, pelo menos na avaliação que fazia dele. Trata-se de situações familiares complicadas, nas quais um membro da família doente fica ainda mais incapaz de funcionar devido aos conflitos dos seus familiares. Se aprendermos a reagir a estes membros da família com compaixão e compreensão, em vez de com críticas e juízos de valor, também ajudamos o paciente a suportar a sua desvantagem de uma forma mais fácil e digna.O seguinte exemplo do Sr. P. demonstra as dificuldades que podem ocorrer para um paciente que está pronto para se separar mas cuja família não é capaz de aceitar a realidade, contribuindo assim para os conflitos do paciente. O nosso objetivo deve ser sempre ajudar o paciente e a sua família a enfrentar a crise em conjunto, para que a aceitação dessa realidade final possa ser alcançada em simultâneo.O Sr. P. era um homem na casa dos 50 que parecia ter mais 15 anos do que tinha realmente. Os médicos achavam que ele tinha muito poucas hipóteses de reagir ao tratamento, em parte devido à sua exaustão e ao estado avançado do seu cancro, mas principalmente por não ter um "espírito lutador". O estômago do Sr. P. tinha sido removido cinco anos antes dessa hospitalização devido ao cancro. De início, ele tinha aceitado a doença bastante bem e estava cheio de esperança. À medida que emagrecia e enfraquecia, começou a ficar cada vez mais deprimido até ser readmitido no hospital, onde uma radiografia ao tórax revelou tumores metastáticos nos pulmões. Quando estive com o paciente, ele não tinha sido informado dos resultados da biópsia. Levantou-se a questão de ser aconselhável a radiação ou a cirurgia para um homem numa condição tão débil. A nossa entrevista decorreu em duas sessões. Na primeira visita, tinha como objetivo apresentar-me e dizer-lhe que estava disponível se ele quisesse falar sobre a gravidade da sua doença e os problemas que ela poderia causar. Fomos interrompidos por um telefone e eu saí da sala, pedindo-lhe que pensasse no assunto. Também lhe disse quando o voltaria a visitar.
chocada ao vê-lo naquele estado. Mencionou todas essas coisas como se fosse culpado por desiludir a família, por não corresponder às suas expetativas.Quando lhe referi isso, acenou afirmativamente com a cabeça. Falou sobre tudo aquilo de que se arrependia. Ocupou os primeiros anos do seu casamento acumulando bens materiais para a família, tentando "dar-lhes um bom lar", e, ao fazê-lo, passou a maior parte do tempo longe de casa e da família. Depois de ter contraído cancro, reservava todos os momentos para estar com ela mas, por essa altura, já parecia ser tarde demais. A sua filha estava fora de casa, na escola, e tinha os seus próprios amigos. Quando era pequena, quando queria estar com o pai e precisava dele, ele estava demasiado ocupado a ganhar dinheiro.Acerca da sua atual condição, o paciente afirmou, "O sono é o único alívio. Cada momento em que estou acordado é de angústia, de pura angústia. Não há alívio. Sinto inveja quando penso em dois homens que vi serem executados. Sentei-me mesmo em frente do primeiro homem. Não senti nada. Agora penso que ele teve sorte. Merecia morrer. Eu não senti angústia, foi uma coisa rápida e indolor. E aqui estou eu deitado na cama, todas as horas, todos os dias, são de agonia".O Sr. P. sentia-se mais torturado pelo arrependimento de não ter sido capaz de corresponder às expetativas da família, por ser "um fracasso", do que preocupado com a dor e o desconforto físico. Sentia-se torturado pela sua enorme necessidade de "esquecer e dormir, dormir, dormir" e pelo contínuo fluxo de expetativas proveniente dos que o rodeavam. "As enfermeiras chegam e dizem que eu tenho de comer senão fico fraco, os médicos chegam e falam-me do novo tratamento que começaram a fazer e esperam que eu fique contente por causa disso; a minha mulher chega e fala-me do trabalho que é suposto eu fazer quando sair daqui, e a minha filha limita-se a olhar para mim e a dizer, "Tens de ficar bom" – como é que um homem pode morrer em paz assim?"Ele sorriu por um breve instante e disse, "Vou aceitar este tratamento e voltar para casa mais uma vez. Regressarei ao trabalho no dia seguinte e ganharei um pouco mais de dinheiro. De qualquer modo, o seguro pagará a educação da minha filha, mas ela ainda precisa de um pai durante mais algum tempo. Mas a doutora sabe e eu sei que não consigo fazer isso. Talvez eles tenham de aprender a enfrentar esta situação. Se o fizessem, morrer seria muito mais fácil!"

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