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Os animais de estimação são os novos filhos?

Falar com cães e gatos com voz de bebé já é um comportamento praticamente obrigatório, mas desde quando começámos a tratar os animais de companhia como filhos? Mais importante ainda: qual é o mal?

Foto: IMDB
28 de novembro de 2023 às 12:57 Joana Rodrigues Stumpo

Marta tem 28 anos e vive com o namorado no concelho de Setúbal. O casal tem uma menina - que celebrou recentemente o seu terceiro aniversário - loira, de olhos castanhos e bastante grande para a sua idade. Há apenas um pequeno detalhe: Kyara é, na verdade, um labrador. "Eu trato-a como se fosse minha filha", diz Marta, "ela é um membro da nossa família". Ainda que saiba "as diferenças que existem de um filho para um cão", a jovem não tem problemas em assumir que, lá em casa, Kyara tem tratamento privilegiado. "Ela precisa da nossa atenção", por isso, e sabendo de antemão que estará tranquila, "levamo-la connosco para todo o lado".

Já Carlota, de 29 anos, tem cinco gatos. O mais velho tem 19 anos e a mais nova apenas três. Embora ache "que não se compara à relação que se tem com filhos", admite que não tem problemas em alterar as rotinas diárias em prol do bem-estar dos animais: "Passámos a ter uma gata com problemas de rins e pensou-se que podia ser mais confortável para ela beber água engarrafada. Então mudou-se a água dos gatos - passaram a beber água engarrafada e nós continuámos a beber água da torneira", conta.

Para Susana Gonçalves Costa, investigadora do Centro de Investigação em Antropologia e Saúde da Universidade de Coimbra, "o papel do animal de companhia é cada vez mais o de um adorno e o de uma extensão da nossa identidade, tal como os filhos". À medida que se deixou de ter cães para guardar as casas e gatos para caçar roedores e outras eventuais pestes, os animais ganharam um novo espaço dentro de casa. Embora seja impensável para muitos avós, cada vez mais partilhamos a cama com os animais, cozinhamos para eles e damos-lhes nomes que os podem fazer ser confundidos com qualquer amigo ou colega: "os Pantufa, os Bolinha, os Snoopy e as Ninas estão já em vias de extinção, dando hoje lugar a cães e gatos com nomes substancialmente mais antropomórficos, tais como: César, Camila, Bia, Rita, Cristóvão" (acuse-se quem não conhece um Óscar que ladra ou uma Mia que… bom, mia). Também Filipe Lopes, psicólogo clínico da Academia Transformar, concorda que "atribuir características mais humanas ao animal vai fazer com que o comecemos a tratar mais como humano", por exemplo quando assumimos que o animal sente qualquer coisa que vem apenas da nossa interpretação da sua reação. O facto é: "os animais, à sua maneira, têm emoções e personalidades", mas será legítimo equipará-las às das pessoas?

Há quem vá muito para além de mudar a qualidade da água que dá aos gatos ou falar com os cães com a chamada "voz de bebé". Não é raro, nos dias que correm, espreitar para dentro de um carrinho na rua e ver um pug, ou encontrar no Instagram uma pequena ninhada de bulldogs todos vestidos com babygrows a combinar. O psicólogo explica que este tipo de comportamento é mais frequente em "pessoas que estão mais sós e não têm filhos, que têm menos relações pessoais significativas próximas, aí o animal acaba por preencher um bocado este vácuo". Embora não seja um cenário frequente, Filipe considera que "acaba por acontecer" porque todos temos "aquela parte mais cuidadora", que dita que há uma necessidade de cuidar e zelar pelo bem-estar de algo, ou alguém, que nos seja dependente. Ainda assim, o psicólogo não acha "que seja uma tentativa consciente da pessoa, de se fazer esta substituição" de filhos (humanos) por um animal. Onde está, assim, o limite entre o cuidar de forma atenciosa de um animal e confundi-lo com uma pessoa? Para Henrique Tereno, investigador na área de Human-Animal Studies, o limite é ultrapassado quando "o humano começar a ter expectativas que vão para além da natureza do animal. O problema está no facto de os detentores, em vez de aprenderem a respeitar a expressão natural do animal e a negociar uma relação com ele, tentarem impor comportamentos, ou hábitos, que não são próprios da sua espécie". E não, ensinar um gato a dar beijinhos ou obrigá-lo a gostar de usar roupa não é o mesmo que treinar um cão a sentar. O investigador acrescenta a influência que o mercado pode ter na forma como tratamos os nossos animais de estimação: "esta indústria [de acessórios e produtos para animais] tem crescido de forma considerável, proporcionando toda uma gama de produtos que têm como objetivo a humanização dos animais de companhia".

Ainda que Marta saiba que o tratamento que tem com Kyara nunca será igual àquele de que uma criança precisa, admite que cuidar da cadela acaba por ser um treino para a eventual vinda de um bebé. Susana Gonçalves Costa concorda que "a partir do momento em que se tem um animal de companhia num contexto de casal, há que organizar novas rotinas, nova partilha de responsabilidades", o que pode ser, em determinada medida, um primeiro sinal da imprevisibilidade e do cuidado que exige um bebé. Aliás, Henrique Tereno confirma que "existem estudos que comprovam que casais que estão a pensar em ter filhos poderão olhar para os animais de companhia como um possível treino para a parentalidade, mas sem o compromisso que esta implica".

Pode ser fácil deixarmo-nos levar pelo charme do olhar amoroso de um pequeno animal - o Gato das Botas sabe-o perfeitamente e aprimorou a técnica a seu favor. E a ciência explica este fenómeno: "Os animais, quando são mais carinhosos, mimosos e procuram mais contacto com as pessoas, ativam o sistema de oxitocina", explica o psicólogo. A hormona, "que facilita a vinculação", é libertada quando há contacto físico agradável, nomeadamente "das mães e dos pais com os bebés". Para além disso, é um componente que "nos ajuda a relaxar, a reduzir o stress, tem um impacto muito positivo no sistema imunitário e no sistema nervoso". Ter um cão, um gato, ou um outro animal, pode ter um grande impacto na vida de alguém, já que pode ser a diferença entre ir para casa sozinho ou chegar e ser recebido alegremente. Há mais benefícios do que conseguimos contar: quem tem cães tem também uma desculpa para sair de casa e caminhar, e, segundo Susana Gonçalves Costa, "os tutores de animais de companhia são geralmente empáticos, tolerantes, amantes da natureza e mais ecocêntricos". Mesmo para quem já tem filhos, "um animal pode ser adquirido tendo em vista a companhia que irá fazer à criança, bem como a aquisição de competências relacionadas com o cuidar desse mesmo animal", explica Henrique Tereno.

Basta olhar à nossa volta para perceber como ter um gatinho pode ser uma alternativa muito mais viável em comparação a trazer um bebé ao mundo. O mercado da habitação está incomportável, os salários não acompanham a inflação e o Sistema Nacional de Saúde já teve dias melhores. "Os jovens nunca demoraram tanto tempo a entrar na vida ativa e a sair de casa dos pais como agora", diz Susana Gonçalves Costa, o que dificulta ainda mais o projeto que é constituir família. Os animais, "acompanhando esta tendência, são também vistos desta forma, com a enorme vantagem de que não demoram tanto tempo a educar, nem precisam de arranjar um bom emprego no final". Henrique Tereno acrescenta: "Os animais de companhia ocupam um lugar peculiar nas nossas vidas". Ainda que já tenham ultrapassado a barreira do que é selvagem (até porque cada vez mais tentamos domesticar seres que, à primeira vista, são incompatíveis com o estilo de vida humano), não são exatamente como filhos adotados. Talvez os animais de estimação sejam mais comparáveis àquele colega de casa adorável, mas que ainda precisa de aprender de onde vem a comida que aparece no frigorífico – mas também são os melhores companheiros de passeios e de sofá.

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