As nove vidas de Anna Wintour. Poderá o motim da Condé Nast finalmente derrubá-la?
No caprichoso mundo da moda, onde as fortunas aumentam e diminuem como a altura das bainhas, as capacidades de sobrevivência de Anna Wintour são lendárias. Como conseguiu ela permanecer tanto tempo no topo?
Anna Wintour durante o 'Anna Wintour: Comedy Icon' skit de 6 de Maio de 2015
Foto: Getty Images14 de abril de 2022 Máxima
Ao longo da sua carreira de 34 anos ao leme da Vogue Americana, Anna Wintour acumulou mais títulos do que a rainha de Inglaterra e resistiu a quase tantas polémicas. Nomeada editora-chefe em 1988, ascendeu e tornou-se diretora artística, diretora editorial global e diretora executiva de conteúdos globais da empresa-mãe, a Condé Nast, e recebeu o honorífico de Dame em 2017. No caprichoso mundo da moda, onde as fortunas aumentam e diminuem como a altura das bainhas, as capacidades de sobrevivência de Anna Wintour são lendárias. Como conseguiu ela permanecer tanto tempo no topo?
Para começar, ela é dedicada e boa no seu trabalho. Ninguém permanece tanto tempo no topo sem o ser.
Em segundo lugar, está rodeada por uma equipa fiel, construída ao longo de várias décadas, e o conselho executivo da Condé Nast apoia-a sempre.
E em terceiro lugar, sendo este o ponto mais pertinente, ela sabe adaptar-se: ou pelo menos, fingir que se adapta, posicionando-se no lado certo da história.
"Como todos os bons editores, Anna interessa-se por tudo", diz Jo Elvin, responsável pela revista Glamour, da Condé Nast, entre 2001 e 2017. "Muita coisa mudou na forma como a moda e a fama funcionam, mas ela manteve a sua relevância, mudando com entusiasmo ao sabor dos tempos. Lembro-me de quando ela pôs Kim Kardashian e Kanye West na capa da Vogue em 2014. Houve quem não gostasse mesmo nada, ao início, e tenho a certeza de que houve uma altura em que ela própria terá pensado que esse tipo de populismo ‘não era nada Vogue’, mas Anna anda ao sabor da maré e sabe o que fascina as pessoas. É isso que a mantém em jogo."
"Ela exerce efetivamente o seu próprio campo gravitacional, magnetizado através de convites estrategicamente feitos, apresentações, artigos publicados e mensagens de apoio", diz Vanessa Friedman, diretora de moda do New York Times. Mesmo assim, a mulher denominada Wintour Nuclear está atualmente a viver o período mais atómico de turbulência na sua carreira. Em junho do ano passado, os colaboradores da Condé Nast organizaram manifestações à porta da sua casa em Manhattan, entoando "A patroa veste Prada, os trabalhadores não recebem nada", envergando cartazes que diziam "Não se pode comer prestígio". Agora, mais de 500 colaboradores da empresa – que é dona das revistas New Yorker e Glamour, além da Vogue – formaram um sindicato para exigir melhores salários e segurança no trabalho e maior empenho para com a diversidade e a igualdade.
Enquanto Wintour ganha um salário multimilionário, os manifestantes queixam-se de ser deploravelmente pagos e alguns têm de suplementar os seus rendimentos através de parcerias com marcas e publicações patrocinadas nas redes sociais. Os representantes de Wintour distanciaram-na destas queixas – uma fonte insistiu tratar-se de uma questão empresarial, que "não é do seu foro". Mas poderá este ser o escândalo que a destronará? Ou será que a sua arte de saber estar na vida vai salvá-la novamente?
O comportamento gélido de Wintour, amor por peles e destreza em evitar ser eliminada por circunstâncias que poriam fim à carreira da maioria das pessoas fazem lembrar um felino. Examinamos, em seguida, as suas nove vidas.
Em fevereiro de 1999, Nova Iorque foi abalada pelo caso extraconjugal de Wintour com Shelby Bryan, um milionário texano da indústria dos telemóveis. A própria Wintour era casada há 15 anos com o pedopsiquiatra David Schaffer. Ambos deixaram os seus cônjuges para ficarem juntos e casaram-se numa cerimónia privada em 2004 (separaram-se em 2020). O escândalo não abalou Wintour, que passou o seu 70º aniversário em circunstâncias românticas que mulheres com metade da sua idade só conhecem em sonhos, sendo recorrentemente vista com o ator Bill Nighy. Não se sabe se ainda estão juntos. Para uma figura tão pública, Wintour tem sido perita em manter a sua vida privada muito privada.
Anna Wintour e Shelby Bryan, 2002
Foto: Getty Images
Aquela em que virou um livro e um filme satírico em seu proveito
Em 2003, Lauren Weisberger, antiga assistente de Wintour, publicou O Diabo Veste Prada, uma obra de ficção mal disfarçada baseada na sua experiência de trabalho na Vogue Americana, que foi adaptada para o cinema três anos mais tarde, num filme protagonizado por Meryl Streep e Anne Hathaway. Wintour disse alegadamente que o filme "deveria ir diretamente para DVD" – rendeu mais de 300 milhões de dólares. Então, num dos volte faces dos quais é tão adepta, elogiou-o por tornar a moda "divertida e glamorosa", dizendo a Barbara Walters que o apoiava "a 100 porcento" – e apareceu na estreia vestindo Prada. Embora nunca tenha perdoado Weisberger por aquilo que considerou uma deslealdade, não restam dúvidas de que o filme dourou a sua imagem.
Aquela em que mandou entrevistar a mulher de um déspota
"Asma al-Assad é glamorosa, jovem e muito chique – a mais refrescante e magnética das primeiras-damas…" escreveu Joan Juliet Buck numa entrevista com a mulher do presidente da Síria, Bashar al-Assad, publicada em março de 2011. Wintour demorou um ano a quebrar o silêncio, dizendo: "Esperávamos que o regime de Assad estivesse aberto a uma sociedade mais progressiva… mas tornou-se claro que as suas prioridades são completamente opostas às da Vogue." O escândalo passou. Wintour permaneceu no poder.
Em 2012, Wintour foi fotografada com o designer John Galliano, então caído em desgraça e despedido da Christian Dior no ano anterior por ter sido filmado a proferir comentários racistas e anti-semitas. O apoio de Wintour contribuiu muitíssimo para a reabilitação da sua carreira. Depois de uma estadia numa clínica de reabilitação, ele regressou às passarelas em 2014 com uma coleção para Oscar de la Renta e, em seguida, assumiu o cargo de diretor criativo da Margiela. Wintour tem mostrado o mesmo tipo de lealdade para com outros nomes problemáticos da moda, incluindo os fotógrafos Mario Testino e Bruce Weber, ambos perseguidos por alegações de conduta sexual imprópria (energicamente negados). Não há nódoa que pegue na brilhante couraça revestida a Teflon de Wintour.
Anna Wintour e John Galliano, 2021
Foto: Getty Images
Aquela em que usou ferrenhamente peles
Durante décadas, Wintour viveu tão colada às suas peles como aos seus óculos de sol pretos. Em 1996, durante um almoço no hotel Four Seasons, uma manifestante aproximou-se da sua mesa, tirou um guaxinim morto da mala e atirou-o para o prato dela. Wintour mal pestanejou. Mas isso faz parte do passado. Em 2020, foi fotografada com casacos de "pele falsa" da Gucci e de Stella McCartney. No entanto, a Elle baniu as peles nas suas páginas e a Vogue ainda não o fez.
O baile anual do Metropolitan Museum of Art’s Costume Institute é, desde há muito, considerado "a maior noite de moda do ano", assinalando a inauguração de uma exposição anual especial que define o tom do estilo da noite. Nos últimos anos, Wintour, a presidente do conselho de administração, foi acusada de "arruinar" o Met Ball, com alguns membros da elite de Nova Iorque a queixarem-se de que o tornou demasiado "populista". É verdade que o vestido de pizza que Rihanna usou em 2015 não agradou a toda a gente, mas só um snob revoltado discordaria que a lista de convidados mais inclusiva de Wintour é positiva, mesmo que ela tenha sido obrigada a fazê-la rangendo os dentes.
Aquela em que o seu melhor amigo se virou contra ela
Há muito, muito, tempo, Anna Wintour e André Leon Talley viviam colados um ao outro, sentando-se lado a lado em desfiles e jantares de uma forma que sugeria uma amizade eterna. Mas a vida não é um postal e, em 2018, o colaborador negro mais famoso da Vogue Americana desentendeu-se com Wintour após algumas jogadas profissionais. Na sua autobiografia, The Chiffon Trenches, publicada em 2020, ele referiu-se a Wintour como "incapaz de simples bondade humana". Numa entrevista para promover o livro, ele atiçou ainda mais o lume chamando-lhe "senhora colonial", acrescentando que "ela é arrogante e acho que nunca deixará que nada se intrometa entre ela e aquilo que considera serem os seus privilégios só por ser branca". Wintour ficou, alegadamente, devastada. Quando Talley morreu no passado mês de janeiro, os dois ainda estavam zangados e Wintour foi ainda mais criticada pelo tempo que demorou a fazer uma publicação em sua homenagem.
Anna Wintour e André Leon Talley no desfile de Oscar de la Renta durante a Mercedes-Benz Fashion Week em Nova Iorque, 18 de setembro de 2002
Foto: Getty Images
Há muito que Wintour se interessa por política, por isso quando pôs Kamala Harris na capa da Vogue de janeiro de 2021, o mundo nem pestanejou. Em vez disso, esfregou-os, com perplexidade. É verdade que a capa foi fotografada em pleno confinamento, mas o look de Kamala Harris, vestida com um fato de calças e ténis Converse pretos foi amplamente criticado: a Internet chamou-lhe "desrespeitoso", sobretudo quando comparado com os vestidos elegantes usados por Michelle Obama nas capas em que figurou. Segundo um novo livro dos repórteres Jonathan Martin e Alex Burns, do New York Times, Harris sentiu-se diminuída pela revista, perguntando aos seus assessores: "Será que a Vogue retrataria outra líder mundial desta maneira?" Quando a queixa foi apresentada diretamente a Wintour, ela retorquiu, admitindo que fora ela própria a escolher a imagem para a capa, pois achou que Harris parecia uma pessoa "acessível".
Vice President-elect @KamalaHarris is our February cover star!
Making history was the first step. Now Harris has an even more monumental task: to help heal a fractured America—and lead it out of crisis. Read the full profile: https://t.co/W5BQPTH7AUpic.twitter.com/OCFvVqTlOk
Embora as redações da Vogue sejam agora um bastião da diversidade racial, segundo algumas pessoas, a verdade é que nem sempre o foram. Ao longo das décadas de 1990 e 2000, quando alguém conseguia um emprego sagrado na Condé Nast, o decreto em vigor era "ninguém pode ser demasiado rico, demasiado magro ou demasiado branco". Por isso, quando foi recentemente alegado que Wintour proferira as palavras: "Por que há tantas pessoas brancas na sala?" ao entrar na redação de Manhattan, muita gente ficou espantada. Ela também conseguiu exonerar-se da responsabilidade quando o novo editor da Teen Vogue, Alexi McCammond, se demitiu devido a tweets racistas e homofóbicos. Aos 72 anos, Wintour conseguiu finalmente aperceber-se do mundo que a rodeia. Nos últimos meses foi fotografada num concurso de poesia subordinado ao tema "as vozes interiores dos homens negros em Brooklyn" e na estreia de um documentário sobre o desportista e ativista BLM Colin Kaepernick. Será que ela finalmente ganhou consciência ou ser "consciente" é simplesmente o novo preto?
Créditos: Laura Craik/The telegraph/Atlântico Press
Desde a forma como alguém come a salada, até à maneira como ata os atacadores, "sentir o ick" – perder de repente o interesse na pessoa com quem se está por causa de algo aparentemente inócuo – tornou-se um fenómeno dos encontros românticos modernos. Então, o que é que isto diz a nosso respeito?
"The future is female". Nos últimos anos, vimos esse slogan por todos os lugares: nas redes sociais, em campanhas publicitárias, em t-shirts, possivelmente até na parede de algum Airbnb. No entanto, agora o statement já não é mais tão certeiro.
Com vinte e poucos anos, Carla Pereira pode afirmar com orgulho que já desfilou nas mais emblemáticas semanas da Moda, como as de Paris, Nova Iorque e Londres, mas que também já trabalhou com nomes incontornáveis do mundo da Moda. Mais recentemente, brilhou na campanha internacional da Givenchy Beauty.