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Viver em casa da mãe, usar calças demasiado justas ou ter comida na barba. Já sentiu "o ick", aquele pequeno detalhe que mata a atração?

Desde a forma como alguém come a salada, até à maneira como ata os atacadores, "sentir o ick" – perder de repente o interesse na pessoa com quem se está por causa de algo aparentemente inócuo – tornou-se um fenómeno dos encontros românticos modernos. Então, o que é que isto diz a nosso respeito?

Foto: D.R
31 de maio de 2022 às 17:18 Máxima

Foi apenas uma tigela de salada. Era até de [um bom supermercado], o Marks & Spencer. Mas era um daqueles horrores às camadas, com maionese e queijo por cima, que sempre me fizeram sentir nojo só de olhar para elas. De repente, aquele homem mais velho e bastante atraente, mas pouco fiável, que alternava entre dividir a comida em pequenos pedacinhos e dizer-me que me amava há já três anos dos meus 20 e poucos, não passava de um homem a comer uma salada esquisita, e eu nem sequer conseguia olhar para ele.

Alguma vez sentiu o ick? Num momento está a olhar para o seu interlocutor num encontro amoroso e a interrogar-se se os amigos dele se darão bem com os seus e, no seguinte, sente o reflexo de vómito a entrar em ação: completa repugnância, sem qualquer forma de poder voltar a sentir a atração anterior. O fator ick é a linha vermelha para a maioria dos encontros românticos modernos, um ponto sem regresso que, para quem vê de fora, pode parecer completamente aleatório. Ou poderá ser absolutamente justificado.

Todas as minhas amigas estão de acordo quanto à existência de uns quantos "sempiternos icks" universais: se o seu parceiro de encontro for mal-educado para os empregados dos bares e restaurantes por exemplo. Mas é igualmente provável que aconteça com uma qualquer coisa insignificante e completamente inexplicável que vos faz desinteressar deles para todo o sempre.

Quando eu tinha 13 anos, aceitei ser namorada de uma pessoa, mas acabei com ele três dias depois, porque as mensagens que me enviava eram demasiado entusiásticas: pegajosas, que nojo… ick. Duas décadas mais tarde, um homem com quem tinha saído várias vezes, raspou o joelho a jogar ténis e então apareceu para jantar, nessa noite, de calções (e sem penso). E um cão não parava de tentar lamber-lhe o joelho ensanguentado, por baixo da mesa: que nojo.

@alice_nevin It actually send shivers down my spine #fyp #foryoupage #ick #theick ? original sound - tiff

No TikTok há uma subcultura chamada IckTok, com alguns 150 milhões de visualizações, em que as mulheres (e alguns homens) partilham os seus momentos ick. Pode ser uma coisa física – unhas demasiado compridas, dedos dos pés peludos –, um par de jeans skinny justos demais ou até o modo como é dita certa coisa. Uma amiga sentiu o ick depois de receber uma mensagem do namorado quando estavam a combinar encontrar-se em Whitechapel, na zona leste de Londres. "Estou a montar uma bicla de volta a Whitechaps". Ela parou de atender os telefonemas dele.

Talvez as nossas mães dissessem que nós estamos a ser esquisitas. Mas eu penso que há uma razão para o ick ter alastrado tão rapidamente entre as Gerações Y e Z: nós temos encontros românticos por meio de apps, somos pessoas para quem cortar relações de repente com alguém, tratando-o como um fantasma invisível (ghosting), ou atrair alguém para uma relação criando uma personagem fictícia (catfishing) faz tudo parte de um dia a deslizar o ecrã do telemóvel. Ficamos a morrer de desejo com base em versões 2D uns dos outros, que são filtradas e sem imperfeições, mas também de um âmbito incrivelmente restrito. Não nos conhecemos através de amigos, em relações de trabalho ou de hobbies que nos dariam algo em comum, por isso eu tendo a dar corpo àquela versão 2D de um potencial encontro romântico com a forma como eu imagino que ele seja: como a voz dele vai soar, as piadas que fará. Quando a pessoa em 3D acaba por demonstrar ser completamente diferente e em nada compatível com nós os dois, o casal imaginado, nós já estamos a tentar acompanhar o passo um do outro, a tentar convencer-nos a nós próprias de que gostamos mesmo dele, a sério, porque estávamos tão otimistas quanto a ele e é tão aborrecido sofrer mais uma deceção. Talvez o ick seja o nosso subconsciente a dizer-nos para pararmos de malhar em mais um encontro romântico frio. Ou para fugirmos não apenas da salada de maionese, mas de toda a situação criada.

@toridipaolo Will be taking time to recover from this #theick #pizza #ick #nyc ? My Name Is - D Billions

Em primeiros encontros românticos que tive, senti o ick por causa de um riso estridente, um cinto de couro castanho entrançado usado com jeans e uma anedota amarga acerca de ter tido de comprar o apartamento dele sem apoio financeiro dos pais. Esses homens não chegaram a um segundo encontro. Mas também senti o ick mais à frente, como com o homem que só tinha nas estantes biografias de desportistas e de multimilionários de tecnologia. E o já mencionado jogador de ténis.

Pode até sentir-se o ick numa relação de longa duração: como quando o meu "ex" se recusava a correr para o comboio. Fosse em que circunstâncias fosse: mesmo tendo um bilhete que não se pode trocar e uma hora de espera até ao próximo comboio; havendo alguém à nossa espera no fim da viagem. Não é que ele não conseguisse correr, ele corria a Maratona de Londres enquanto nós namorávamos – era só que ele achava que as pessoas ficavam com um ar estúpido quando corriam para apanhar comboios. Talvez essas pessoas lhe fizessem sentir o ick (e agora que penso nisso, definitivamente eu fiz-lhe sentir o ick quando atei os atacadores dos sapatos com nós duplo, porque nunca mais parou de falar nisso). Mas o facto de se importar tanto com a hipótese de ele próprio poder parecer estúpido e, ao mesmo tempo, fazer todo o caminho no seu passo afetado e lento, foi para mim fonte de um enorme desinteresse.

Perguntei a um amigo se os homens alguma vez tinham consciência de provocarem o ick às mulheres num encontro romântico? "Não me parece que os meus amigos tenham esse nível de autoconsciência", disse ele, mas ele próprio já a o sentiu. "Eu senti o ick ao entrar no quarto de uma rapariga que estava coberto de artigos com frases motivacionais." E ele foi-se logo embora? "Não me parece que os homens alguma vez sintam o ick de uma maneira assim tão forte." A mulher dele (não a senhora da automotivação) tem uma história semelhante: ela sentiu o ick quando um homem com quem andava a sair lhe ofereceu um "chá para dormir bem" em sua casa. "Não era isso que dizia na caixa. Além disso, àquela hora do dia era para se tomar um vinho, já bem ao fim da tarde, e eu tinha ido a casa dele para uma noite de sexo, não para tomar uma chávena de camomila."

Outro dos meus amigos diz: "Em geral, os homens poderão estar mais inclinados a, ou ser mais capazes de, ignorar o ick para poderem ir para a cama com alguém se estiverem com tesão, mas não conseguiriam suportá-lo numa relação". Não que ele e os seus amigos homens falem nisso como sendo o ick: ao contrário das mulheres que eu conheço, que o fazem no WhatsApp.

"Quando um tipo [com quem andas] está no barbeiro, coberto pela bata e, a seguir, quando alguém pedala a sua cadeira para cima, a cabeça dele abana toda", lê-se no ick de uma mulher. "Qualquer homem que se refira à sua companheira como ‘ela’ na legenda do Instagram, tipo ‘Feriado passado com ela’."

É cero que nunca vi um homem com quem andei numa cadeira de barbeiro, mas agora acho que provavelmente é melhor não arriscar. Nada de barbeiros, jogos de ténis ou viagens de comboios, passeios de bicicleta, quartos ou saladas. Mas umas quantas bebidas no bar ao fundo da rua são capazes de ser sãs e salvas. Certo?

Você perdeu aquela sensação de amor: 13 coisas que lhe podem fazer sentir o ick

  • Usar um sotaque francês para dizer "croissant"
  • Descer as escadas dos autocarros de dois andares em andamento
  • Usar hashtags
  • Ter um pilha de caixas de pasta de dentes na casa de banho porque a mãe não quer que se lhes esgote
  • Dizerem-vos que fizeram parte de uma banda na universidade
  • Fazerem um corte de cabelo demasiado curto
  • Empacotarem para si próprios um almoço que também poderia ser apropriado para uma criança (menção especial: potinhos de iogurte, em especial se lamberem a tampa)
  • Chamarem "doida" à "ex"
  • Despirem a camisa em casamentos
  • Queixarem-se de ter de fazer fila, seja para o que for
  • Usarem sandálias em qualquer lado que não seja a praia (e se as estiverem a usar com jeans, game over!)
  • Ficarem com comida presa na barba
  • Falarem com uma voz telefónica snobe ou, pior ainda, com uma voz de bebé.

Até numa relação de longa duração se pode sentir o ick.

Charlie Gowans-Eglinton/The Times/Atlântico Press

Tradução: Adelaide Cabral

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