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Beleza

O lado lunar, como os cabelos brancos ganharam status

Assumir uma cabeleira branca ainda é para umas poucas corajosas. Mais do que uma imagem que grita autoestima, é uma questão de atitude.

Foto: Getty Images
05 de abril de 2021 às 07:00 Patrícia Barnabé

Num dos seus sketches hilariantes, Herman José diz que, à medida que envelhecem, as mulheres vão ficando mais loiras. O que tem imensa piada num país de morenas, que correm para o cabeleireiro quando espreitam os primeiros brancos. Mas se a coloração mais radical marca um estilo próprio, e dá uma certa frescura, na maioria dos casos a ideia é camuflar e parecer natural. Sendo que o natural é todos tornarmo-nos grisalhos, o tal charme que se diz dos homens a partir dos 40, a quem a coloração não tira o sono. Nem ao Elton John ou ao Nick Cave. Mas, ei!, somos mulheres, é suposto sermos (as) mais novas, não é?

Sempre me fascinaram as grandes cabeleiras brancas de Versalhes, ainda mais as mulheres cheias de pinta com quem me cruzei nas capitais da moda, exibindo orgulhosos cabelos grisalhos. As milanesas usam-nos soltos costas abaixo, em Paris e Nova Iorque vêm-se apanhados mais ou menos informais, e cortes médios ou curtos como Meryl Streep em O Diabo veste Prada. São quase sempre mulheres cheias de personalidade e sentido de estilo, com amorpróprio suficiente para não temer o preconceito da idade.

Foto: IMDb

Catarina Carvalho, destacada editora do Diário de Notícias, que agora lançou o novo jornal digital Mensagem de Lisboa, tem uma bela cabeleira branca. Os primeiros dissidentes apareceram nuns jovens 15 anos que pintou até aos 25, "era muito nova para brancos", diz. Mas tem imenso cabelo e, às tantas "eram tantos que se tornava pouco prático". Deixou-o ao natural, "ajudou o facto de ter cabelo encaracolado e sempre o ter usado curto. Mas era giro, porque às vezes pensava em mim como tendo cabelo normal e depois percebia que as pessoas me identificavam facilmente. Recebi muitos comentários, no início, e já fiz amizades que começaram assim."

Foto: Getty Images

Anabela Becho é investigadora universitária na área da moda e começou a ter brancos aos 25. "Um aqui, outro ali, ainda andei um tempo a arrancá-los", conta-nos a rir. "‘Ai é tão nova para ter o cabelo branco’" diziam-lhe, "existe uma pressão enorme, até um preconceito", por isso escolheu a cor mais aproximada possível do seu tom natural, "o objectivo era apagá-los". Mas o processo de retocar a cor todos os três meses irritava-a, "sobretudo irritava-me a ideia de camuflagem e comecei a questionar-me, há anos que tinha vontade de conhecer os meus cabelos brancos, é uma questão de intimidade."

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Paula de Oliveira Ribeiro dirigiu as revistas Cosmopolitan, 20 Anos e Grazia, criou a Ícon e a UP da Tap, entre outros projetos, e no fim dos 30 os brancos chegaram "e gostava muito", recorda. "O meu marido amava!", mas a família no Brasil e o seu cabeleireiro em Lisboa insistiam que pintasse: "Fiquei loira". Vinte anos passados, deixa agora a sua bela cabeleira branca brilhar e cita-nos Eugénio de Castro: "A lua derrama seus cabelos brancos sobre a terra".

Foto: Getty Images

Uma das razões para adiar a decisão é o desmame da coloração, que é todo um processo. Paula Ribeiro aproveitou o recolhimento da pandemia, fez uma descoloração, cortou um pouco, mas deixou o seu cabelo comprido. Está a adorar o regresso à "essência, e ao que é realmente importante e que valorizamos. Gosto desta ideia do autêntico e do genuíno que o cabelo branco dá. E um ar respeitoso. Nesta fase em que vivo menos stressada, o branco ajuda a uma certa serenidade, é uma coisa de maturidade, de assumir o seu tempo, a sua idade e o seu percurso de vida." Anabela Becho decidiu mudar há uns anos, no verão dos seus 47. E gostou "tanto tanto tanto! É aquela coisa de te encontrares. Existem pessoas que vivem no subterfúgio: pintam o cabelo, usam lentes de contacto coloridas, unhas postiças… Eu não sou apologista de tapar coisas, mas de tirar partido e tratar bem do que temos. É melhor uma pele bem tratada do que carregada de base. E tem a ver com essa questão de verdade, de te descobrires. Nunca me imaginei de cabelo pintado até aos 90 anos, a opção foi fazer esta transição o mais cedo possível quando tenho um rosto minimamente jovem."

Foto: Getty Images

Patrick Depaus é dos cabeleireiros mais amados de Lisboa, pela mestria do corte, mas também da coloração. Explica que oitenta por cento dos cabelos embranquecem pela falta de melanina e tornam-se mais secos, baços, frisados e selvagens. Aquilo que Paula Ribeiro descreve como "uma escultura de José Pedro Croft quando acabo de lavar o cabelo". Aconselha a ter paciência para "deixar vir progressivamente as brancas". Pode optar-se por "fazer madeixas muito claras (highlights) ou mais escuras (lowlights) para quem tem 50 ou 60% de cabelos brancos", mas, a forma mais simples, se o tamanho do cabelo permitir, é fazer um apanhado para que cresça o mais possível e depois fazer um belo corte. Foi o que fez Anabela Becho, até lá usou ganchos, lenços e turbantes para disfarçar as raízes. Foi o que também fez Catarina Carvalho: "Tenho de ter um corte fixe, senão pareço mais velha." Patrick diz que o corte errado pode pesar mais 10 a 15 anos na aparência, mas sublinha que a questão da idade tem "mais a ver com a maneira como nos relacionamos com a nossa imagem real e desta corresponder ou não à imagem que se tem de si próprio"

Foto: Getty Images

Patrick diz que é raro ver um cabelo branco bem cuidado, mas a sua manutenção é simples. Todas as marcas têm um bom champô especializado, "o chamado champô azul que suaviza o branco e atenua os tons amarelos". Por esta mesma razão, e porque alguns cabelos são sensíveis ao sol, aconselha usar um protector solar de cabelos e, claro, bons produtos de hidratação. Depois de cada lavagem, convém retirar o excesso de humidade e o frisado da raiz e secar um pouco. "Ser cuidadoso é sempre mais sofisticado", sublinha. Talvez por isso, o cabelo branco tenha um certo status. É, na verdade, mais comum entre as elites e sinal de empowerment feminino. "Não gostava que fosse isso", comenta Catarina Carvalho. "Na verdade fiz o que me apeteceu - se isso é empoderamento, se calhar é... Podes ser gira em qualquer idade e em qualquer cor. Acho que as pessoas se vão adaptar a isso. E as pessoas que te acham gira também vão mudar." 

Foto: Getty Images

Paula Ribeiro: "O branco evidencia, se não é cuidado revela desleixo. Não é uma questão de dinheiro, mas de atenção e personalidade forte." Recorda nomes grandes da Moda como as míticas Diana Vreeland ou Iris Apfel que usavam o cabelo branco. "É preciso ter personalidade, porque com o cabelo branco vira-se logo personagem. Se por um lado intensifica a autenticidade, e você se mostra sem subterfúgios, por outro ele vira um dos seus acessórios. Se bem que sozinho já é um assunto."

Foto: Instagram @iris.apfel

A mudança de imagem marca muitas vezes uma mudança de vida e "o cabelo branco é um statement, diz que me sinto fantasticamente bem e quero assumir quem sou, a minha vida", sublinha Patrick Depaus. "Envelhecer é uma bênção! O cabelo branco não é fácil de usar quando não é completamente assumido, normalmente são mulheres com muita pinta, uma vida ativa, viajam, fazem desporto, são muito determinadas e cool." Refere Liz Taylor e a sua grande madeixa branca ou Franca Sozzani, a incrível ex-diretora da Vogue Itália que sempre usou uma longa melena loiro-branco, "uma mulher que tem a coragem de não mudar de cabelo, como dizia o Karl Lagerfeld", que, por seu lado usava o cabelo branco em rabo de cavalo como imagem de marca. "É tão perversa a ideia de não querer envelhecer, é uma negação", diz Anabela Becho. "Não é a melhor coisa do mundo, mas tem de ser vista com dignidade, saber envelhecer graciosamente. É aceitar uma série de coisas, não é desistir, mas tomar o pulso: manter o que tens em bom estado e o maior tempo possível em vez de fazeres de conta que não estás a envelhecer. Até porque o cabelo branco suaviza o passar do tempo no rosto."

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Foto: Getty Images
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