Rita Matias: uma menina de 12 anos, ainda que menstruada, é só uma criança
Que mundo é este quando uma deputada com assento na Assembleia da República defende, perante as câmaras, que prefere salvar um embrião do que a integridade física e psicológica da filha?

Num mundo democrático e mediático, Rita Matias – deputada do Chega – foi ao Dois às 10, da TVI, a convite de Cristina Ferreira, falar de coisas demasiado importantes num ambiente de sala de estar. Não estou aqui para fazer considerações sobre o percurso da deputada ou sobre a sua carreira galáctica.
Estou também a aproveitar a liberdade de expressão que existe em democracia para demonstrar o quanto me chocaram as suas declarações quando Cristina Ferreira lhe perguntou: “imagine que é mãe e a sua filha de 12 anos é violada e engravida.” Depois de chutar para canto e dizer: “gostava que a minha filha não fosse violada e, se o fosse, que o seu agressor tivesse pena máxima”, Rita Matias terá ido pelo mar adentro: “se isso acontecesse teria que perceber o que iria acontecer. Será que ela tinha condições físicas para ter este bebé, será que seria capaz ou não, será que me ouviria, porque aos 12 anos as pessoas já têm as suas próprias ideias”. Infelizmente digo que, aos 12 anos, não têm as suas próprias convicções ao ponto de criarem outra criança. Rita Matias questiona se a criança teria condições físicas, e as psicológicas? É-se faccioso ao ponto de não se refletir que, aos 12 anos, uma menina, ainda que menstruada, é só uma criança? Que uma violação é uma relação sexual não consentida, acto só em sim bárbaro e traumatizante?
Estranhamente, a caixa de comentários onde se pode rever o programa está cheio de louvores à inteligência da entrevistada e isso, por si só, é assustador, porque revela desordem mental e retrocesso.
A meu ver, uma criança deve ser fruto de um acto de amor, mas os grupos Provida passam ao lado dos direitos da criança ao defender que a vida começa na conceção. Se a vida deve ser protegida desde o início, porque não protegê-la também durante o crescimento?
Se a filha fosse minha eu faria questão que fosse criança, por tempo indeterminado. A maturidade não é mensurável, já a sensatez deveria ser um atributo obrigatório para ter tempo de antena na televisão.
Se a filha fosse minha, nem poria em questão que levasse avante uma gravidez, fruto de uma violação. Eventualmente, também não levaria adiante uma gravidez que não fosse fruto de violação, mas sim do que é a descoberta sexual própria dos jovens. Acontece que, na provocação de Cristina Ferreira a Rita Matias, é de uma criança que se fala. A Associação Para o Planeamento da Família adverte que “a adolescência é, por si só, um período complexo de alterações físicas e psicológicas. A ocorrência de uma gravidez precoce, e eventual maternidade, traz implicações que importa analisar para que se evitem situações semelhantes ou se atenuem as consequências negativas que daí podem advir para a jovem mãe e não só.”
O impacto que a gravidez precoce terá numa jovem são inúmeras. Trata-se de uma gravidez de alto risco. "A gravidez na adolescência é de alto risco, pois a menina não tem maturidade fisiológica para dar à luz,” refere Aline Henneman, vice-diretora da Prematuridade.com.
A jovem pode correr risco de vida, vir a sofrer de pré-eclampsia, diabetes gestacional, entre outros problemas. Sendo assim, não é uma vida que está em jogo, mas duas. Associado à gravidez antes do tempo está, também, o abandono escolar e perturbações a nível emocional. E inclusivamente o risco de terem um segundo filho ainda adolescentes.
Sinceramente não percebo este discurso que defende que um embrião vale mais do que a integridade física e psicológica de uma criança. Que para salvar um embrião não salvaria a vida da própria filha. Esta opinião não tem a ver com esquerda ou direita, com partidos ou inteiros, mas sim com sensatez. Uma deputada que está a representar o país não pode falar com esta leviandade sobre a vida de uma criança. Porque uma menina com 12 anos é só uma criança. Até ao fecho deste texto Rita Matias não era mãe e ser mãe é muito mais que preservar embriões.
PS: o programa foi transmitido na TVI, o mesmo canal de televisão onde foi transmitido o anúncio “obrigado mãe”. Será verdade ou consequência?

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