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Lemos o livro em que Harry ajusta contas novas e antigas. Estas são as conclusões

É hoje posto à venda o livro mais esperado deste princípio de ano. Em "Na Sombra", Harry, duque de Sussex, conta como se afastou, com a mulher e os filhos, do Reino Unido e da família real britânica. Nesta sua versão dos factos, o mal-estar é muito mais antigo do que julgávamos.

Foto: Getty Images
10 de janeiro de 2023 às 07:00 Maria João Martins

Tentativa de manipulação emocional ou testemunho sincero sobre a crueldade das relações no seio da família real britânica? Ante o livro-acontecimento deste início de 2023, Na Sombra, assinado por Harry, duque de Sussex, cabe ao leitor decidir. A verdade é que, exceções feitas para a princesa Diana, mãe do autor, e para o duque de Edimburgo, seu avô paterno, ninguém, na família real, escapa às acusações, umas mais graves do que as outras. Nem mesmo a falecida rainha Isabel II, embora o livro tenha sido fechado já depois da sua morte, a 8 de setembro último. 

Embora parte do conteúdo do livro já tenha vindo a ser divulgado por órgãos de comunicação de todo o mundo, a sua leitura surpreende, antes de mais, pelo lastro de ressentimento acumulado. Como se Na Sombra estivesse para Harry como o chamado vestido da vingança esteve para sua mãe, após o anúncio público de que a separação entre ela e o príncipe de Gales era irreversível, no verão de 1996.

Foto: Getty Images

A gota de água neste copo de água que, pelos vistos estava mais cheio do que aparentava, terá sido a não aceitação da família de Meghan Markle, a mulher por quem Harry se apaixonou através do Instagram de uma amiga de ambos. Os desentendimentos começaram, segundo o próprio, com alguns rumores em torno do facto da eleita do seu coração não ser branca: "Também havia uns zunzuns acerca de um vago e generalizado mal-estar em relação à sua raça. Alguns círculos manifestaram preocupação sobre se a Grã-Bretanha estaria, ou não, pronta. O que quer que isto significasse." Em breve, Harry começou a sentir que essas dúvidas toldavam as relações familiares. Antes de mais, com o irmão, William, e sua mulher, Kate: "Meg pediu emprestado o lip gloss a Kate. Uma americanice. Meg tinha-se esquecido do dela. Esta, apanhada de surpresa, levou a mão à mala e, com relutância, tirou um pequeno frasco. Meg pôs um pouco no dedo e aplicou-o nos lábios. Kate fez uma careta." 

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A partir desse momento, os acontecimentos (e as acusações) precipitaram-se, com zangas por causa de presentes (ou da falta deles), quebras de protocolo usadas contra Meghan, ambiguidades por parte da rainha e do então príncipe de Gales, atual rei Carlos III, até desembocar numa cena de pugilato entre os dois irmãos: "Willy pousou o copo, chamou-me mais um nome e, a seguir, começou a crescer para mim. Foi tudo muito rápido. Muito rápido mesmo. Agarrou-me pelo colarinho, arrancando o fio que trazia ao pescoço, e derrubou-me. Caí para cima da tigela dos cães, que rachou com o impacto, e os pedaços cravaram-se-me nas costas. Ali fiquei por instantes, atordoado, a seguir levantei-me e pedi-lhe que saísse." Nem mesmo as mortes dos avós parecem ter reavivado a antiga união dos dois filhos de Diana e Carlos: "O meu irmão adorado, o meu arqui-inimigo, como é que isto aconteceu?" interroga-se Harry quando se lembra do encontro entre os dois, após o funeral do avô, o duque de Edimburgo.

Foto: D.R

Mas o ajuste de contas não se fez apenas com um passado recente. O título em português, Na Sombra - que traduz de forma imprecisa o título original Spare (seria mais adequada a palavra suplente, aliás, muito usada ao longo das quase 500 páginas do livro) -, dá conta de um ressentimento antigo, acumulado, que se prende a pormenores comezinhos como um que envolve uma caneta BIC oferecida pela princesa Margarida num Natal remoto ou às diferenças de tratamento entre os dois irmãos. "Balmoral tinha 50 quartos, um dos quais foi dividido para mim e para Willy: os adultos chamavam-lhe berçário. Willy ficou com a metade maior, com uma cama de casal e um lavatório grande, um roupeiro com portas espelhadas, uma bonita janela que dava para o pátio lá em baixo (...). A minha metade do quarto era muito mais pequena, menos luxuosa. Nunca perguntei porquê. Mas também não precisei de perguntar. Sendo dois anos mais velho do que eu, Willy era o herdeiro, ao passo que eu era o suplente."

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Por essa infância e por essa juventude que o duque de Sussex pinta com as cores do trauma, passam ainda um pai atento, mas incapaz de expressar emoções mesmo no mais duro dos momentos (a morte da princesa Diana), um professor de História, em Eton, perplexo com a ignorância do aluno e, já no exército, camaradas de armas e comandantes muito pouco meritórios. Harry recorda ainda o famoso episódio do baile de máscaras em que chocou a opinião pública ao usar um uniforme nazi. Assume a responsabilidade? Não. A culpa é do irmão e de Kate: "Percorri os corredores, vasculhei os cabides e não vi nada de que gostasse. Como o tempo estava a passar, reduzi as minhas opções a dois disfarces: Um uniforme de piloto inglês. E um uniforme nazi cor de areia. Com uma braçadeira com uma suástica. E uma boina. Liguei a Willy e Kate, pedi-lhes opinião. "O uniforme nazi" disseram. Fotografado nesses preparos, os títulos chocantes dos tablóides não se fizeram esperar: "Heil Harry"; "O Herdeiro Aberrante"; "Heil Sarilhos Reais".

Foto: D.R

Em Na Sombra o segundo filho de Diana e Carlos procura atrair a simpatia popular, ao distanciar-se das centenárias normas de conduta da família real, algumas das quais imbuídas de um total sentido de casta: "Os membros da realeza aprendem a manter uma zona de segurança entre eles e o resto do staff. Mesmo quando interagimos com uma multidão, mantemos sempre uma distância discreta entre nós e eles. A distância era certa, a distância era segurança, a distância era sobrevivência."

Ao todo são perto de 500 páginas sem qualquer pretensão histórica ou literária. Harry afirma sempre que não é intelectual e que, nos primeiros encontros com Meghan, extasiou-se com a cultura dela ao verificar que estava a ler Comer, Orar e Amar, de Elizabeth Glbert. Se, na epígrafe do livro, cita o romancista norte-americano William Faulkner ("O passado nunca morre. Nem sequer é passado"), não se acanha em admitir mais à frente que fora uma frase de que gostara no Wikiquotes. Do escritor, Nobel da Literatura em 1949, nunca ouvira falar.

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