O clássico restaurante Via Graça como nunca o vimos
O restaurante típico português com vista imensa sob a capital sofreu uma profunda renovação que o dividiu em dois conceitos distintos. Se no piso inferior mantém a sua essência, cá em cima surge o 9B by Via Graça. O chef Guilherme Spalk é o responsável gastronómico pelos dois espaços, onde tradição e potencial criativo convergem.

Em plena Graça, numa singela rua de sentido único, há um prédio rosa velho bastante vulgar. Antigamente, no seu piso térreo, existia aí um pequeno quiosque e também um miradouro com a mais bela vista para o castelo e seu redor, a ponte ou mesmo o Cristo Rei. Há 32 anos, nasceu nesse espaço o Via Graça, um restaurante de cozinha tradicional portuguesa, que cativou um público fiel, sobretudo de uma faixa etária acima dos 50.
"Um dia vais trabalhar para o Via Graça", disse prontamente João Bandeira, proprietário do restaurante há 20 anos, a Guilherme Spalk, na época a mostrar serviço no Taberna Fina. E em 2019 aconteceu mesmo. O chef natural de Lisboa, com um percurso internacional com passagem por Barcelona, Bélgica e China e com um interesse genuíno em cozinha japonesa, aceitou o convite e mergulhou fundo no desafio que era para si a gastronomia típica de Portugal.

Inicialmente, não foi fácil. Alguns clientes mais antigos estranharam as alterações à carta, ainda que ligeiras. Como daquela vez em que uma senhora esbracejou indignação pelo desaparecimento "dos seus folhados de queijo chévre". Spalk conta a história com humor, mas percebe-se que a época foi de tensão.

Ainda assim, João Bandeira estava convicto na mudança. O tradicional dominava há demasiado tempo e era altura de rejuvenescer em elegância e sofisticação, mas sobretudo criatividade. A renovação demorou mais do que o suposto, como qualquer obra que se preze. Foram 10 meses em estado de sítio durante quase todo o ano de 2020. No entanto, "o João sabia perfeitamente o que queria", como revela Spalk.

A decoração primou por um luxo contido, com cores nobres como o verde escuro e materiais como a madeira de nogueira a destacarem-se sob o chão de pedra. As cadeiras de época foram escolhidas a preceito, tal como a loiça desenhada pelo próprio chef em colaboração com um ceramista nacional. Já na parede, jazem agora quadros do pintor Diogo Navarra. Em redor de todo o espaço foram rasgadas largas janelas e a cozinha tornou-se um espaço aberto ao público e ao detalhe das confeções de Spalk e da sua jovem e dinâmica equipa. O requinte é máximo, embora se pretenda uma vivência descontraída onde não há espaço para um dress code, por exemplo. Essencialmente, este é o espaço que pode visitar se for hoje à rua Damasceno Monteiro.

Mas a maior alteração de todas foi mesmo a divisão do restaurante em dois conceitos distintos. Se no piso inferior permaneceu o Via Graça como sempre o conhecemos, em cima, surgiu o restaurante 9B by Via Graça, cujo nome deve ao número da rua que o acolhe. A ideia? Dar ao cliente a possibilidade de experienciar um Via Graça que não conhecia – nem imaginava – no caso, numa versão fine dining do mesmo. Um desafio arrojado e simultaneamente brilhante. O novo restaurante, que agora são dois, abriu portas em novembro passado e depois de sobreviver estoico ao segundo confinamento, regressa no momento em força.

No 9B há toda uma reinterpretação da tradição e brinca-se com isso mesmo na cozinha, sendo que a única certeza é que o menu muda a cada seis meses. "É um restaurante de 32 anos visto por um rapaz de 30", revela Spalk entre gargalhadas. O chef que saiu da sua zona de conforto, confessa ter aprofundado o estuda da gastronomia típica portuguesa para abraçar esta proposta.

A carta é constituída apenas por dois menus. O menu Tempo (€92) com 16 momentos e o menu Nove B (€72), que constitui uma versão mais curta do primeiro com 9 momentos. A viagem do paladar rege-se por memórias e sensações não só evocadas há mais de 30 anos pelo restaurante como do próprio chef e a sua infância. No menu de degustação mais curto, começa-se com um cocktail de ananás dos Açores e aguardente da Lourinhã DOC, numa bonita conexão entre as ilhas e o continente. Depois iniciam-se os sabores da Horta com um bolbo de aipo, iogurte e noz torrada, folha de pimento assado e um mil folhas de couve portuguesa. Seguem-se os sabores do Mar com o polvo e batata-doce, o peixe frito e feijoca e o carabineiro com papada e limão. Já na Terra, é-nos dado a conhecer a batata soufflé com tártaro e anchova, o tutano e meia desfeita de grão e o borrego com brioche e picante artesanal Montega. A jornada gastronómica segue com uma leve e decadente espuma de alho francês torrado e mais tarde com pratos de peixe e marisco como o caranguejo com alho e pinhão e o pregado com óleo de espinhas torradas e manteiga negra. Nas carnes, a estrela é o leitão com favas de Getaria. Nas sobremesas, sobressai o creme de abóbora, nozes e requeijão e o limão, lúcia-lima e malagueta para finalizar, seguido dos petit fours, claro.


No menu mais completo, acrescentam-se ainda sete pratos aos aqui apresentados – "Se morresse hoje era esse [menu] que comeria", afirma, bem-disposto, o chef. Além do mais, é ainda possível pedir opções à carta, com direito a duas entradas, quatro pratos principais e duas sobremesas, tudo integrantes do menu de degustação.
A carta de cima é sempre influenciada pelo restaurante de baixo, sendo o menu do Via Graça composto por uma compilação de clássicos, inspirados no restaurante antigo, como O nosso Bacalhau à Brás (€23); Arroz de Pato com Chouriço de Porco Alentejano (€31) ou mesmo o Polvo da Costa Vicentina com Pimentos e Batata-Doce de Aljezur (€27). "Não é barato desfrutar de comida típica portuguesa", constata o chef mas "o Via Graça ganha muito com a qualidade dos produtos". Esta foi, aliás, sempre uma preocupação de Spalk, a par com o "não desperdício", muito através de uma cozinha que acompanha as estações e por consequente, também a sustentabilidade.

Nos jantares no 9B estará sempre consigo o sommelier Diogo Frade para lhe dar a provar as relíquias de uma das maiores garrafeiras lisboetas, com cerca de 400 referências que se materializam em 14 mil garrafas. Ficaria surpreendido ao saber que se encontra aqui a maior coleção nacional privada de Barca Velha, por exemplo.

Spalk não tem dúvida de que foram "altamente corajosos em abrir nesta fase", afirmando que se trata praticamente do ano zero para o restaurante. Contudo, reconhece que é um investimento e numa altura em que se está a conhecer o espaço e o cliente "é arriscar e ver até onde se pode ir".

E os clientes já começaram a reagir. Alguns habitués do Via Graça estão-se a interessar pelo 9B, tal como estrangeiros residentes em Lisboa ou foodies mais curiosos. Ainda assim, a maior concorrente de João Bandeira será sempre a vista. Em jeito de piada costuma dizer que "o Via Graça era um restaurante onde as pessoas vinham ver a vista", mas que atualmente pretende que seja "um sítio onde as pessoas venham para ver a vista e comer simultaneamente". Numa alusão à importância de colocar o cliente olhar também para o prato. "As pessoas estão sempre a olhar para Lisboa, mas nós também estamos cá", completa Spalk que admite, entre gargalhadas, que dificilmente ganharão este concurso.
Onde? Rua Damasceno Monteiro 9b, Lisboa. Quando? Via Graça: das 12h à meia-noite, todos os dias | 9B by Via Graça:das 19h às meia-noite, de terça a sábado. Tel: 21 887 08 30

Livraria Lello inaugura sala dedicada a livros raros
A visita à Gemma já é possível para todos os amantes de literatura, mediante marcação prévia.
A verdadeira degustação para amantes de japonês
Entrar no Kabuki é como abrir as portas ao maravilhoso mundo da cozinha nipónica, recriada ao detalhe e ao rigor.
Palácio Ludovice. O hotel que outroura foi a casa do arquiteto do rei
Os cinco andares do imponente edifício do século XVIII estão recheados de histórias, histórias essas que agora pode descobrir no Ludovice Wine Experience Hotel, seja no maravilhoso spa, nos quartos ricos em detalhes ou no moderno restaurante Frederico.
Zara Home lança coleção com Vincent Van Duysen
O arquiteto e designer que ajudou a projetar a casa de Kim Kardashian e Kanye West na Califórnia, revisita algumas das suas peças mais icónicas numa colaboração inédita com a gigante espanhola.
Marlene Vieira. A chef das mil e uma reinvenções, que nunca esquece a tradição
Identitário e intimista, o novo restaurante da chef portuense - Marlene, vizinho do Zunzum, em Santa Apolónia - proporciona uma cadência lógica ao paladar, como uma peça de teatro à mesa. Para assistir de camarote só tem de vir com ‘abertura à experiência’, conta à Máxima.