Marlene Vieira. A chef das mil e uma reinvenções, que nunca esquece a tradição
Identitário e intimista, o novo restaurante da chef portuense - Marlene, vizinho do Zunzum, em Santa Apolónia - proporciona uma cadência lógica ao paladar, como uma peça de teatro à mesa. Para assistir de camarote só tem de vir com ‘abertura à experiência’, conta à Máxima.

Marlene Vieira chega pouco depois de nós ao Terminal Internacional de Cruzeiros de Lisboa, em Santa Apolónia. "Fui buscar a miúda à natação e deixá-la com o pai para poder regressar. É uma aventura até chegarmos aqui", diz, referindo-se à filha Isabel de 7 anos e ao companheiro, o chef João Sá. Marlene tem uma postura decidida e um dicurso assertivo que lhe associamos à naturalidade nortenha. Mas há, em si, uma aura de tranquilidade que nos desarma. Zero vedetismos, mostra-se amável todo o tempo e menos séria do que a imagem a que nos habituou como jurada do Masterchef Portugal, em exibição há uns meses.

A zona privilegiada da capital onde estamos é morada para os seus dois restaurantes, o Zunzum Gastrobar e o recém-inaugurado Marlene, – sim, tem uma vírgula - razão pela qual aqui estamos. A localização lado a lado foi uma coincidência. "Para mim é ótimo, que sou uma controladora nata", confessa, aludindo ao corredor que os une. "Para nem dizer que tenho aqui a cozinha de produção do food corner do Mercado da Ribeira".
Os três negócios que gere proporcionam, pois, experiências distintas. No Time Out Market Lisboa o serviço rápido e ambiente frenético têm um target turístico, no Zunzum Gastrobar há uma explosão de criatividade numa carta que se quis democrática, já o fine dining Marlene espelha a sua essência, num encontro entre memórias, experiências e ambições maiores. "Mas há um ponto em comum", explica, que é o sabor.


No Marlene, a cozinha tradicional portuguesa é recriada com genialidade, sobretudo pelo atrevimento nas texturas, mas o apreço pelo que já existe é evidente: "raramente adiciono ingredientes que não respeitem a receita ou a adulterem", desvenda. "Se fecharem os olhos, é Portugal que as pessoas identificam". Será isto que a distingue? "No Marlene, e no Zunzum há uma cozinha de autor, de identidade, a minha identidade, e por isso sim são espaços únicos em Lisboa". A expetativa para o fine dining era imensa até porque o restaurante estava pronto em 2020. "A covid-19 permitiu um tempo de reflexão, para assentar ideias, agradecer o que tínhamos à nossa volta e claro, aprimorar a carta através de mais experiências".

Tudo no Marlene, se parece com uma "emboscada" – das felizes. Há apenas 31 lugares, sentados ou ao balcão da silenciosa cozinha em ilha ao centro. O ambiente à média luz torna tudo muito sóbrio e elegante e a arquitetura impede o vislumbre dos transeuntes. A madeira em nogueira escura não dá espaço a toalhas de pano e as plantas que compõe a sala são verdes apenas, nada exuberantes. O menu é fechado e a carta indisponível. Não há dúvidas, a experiência é única, quase secreta, com pouca margem para distrações, para que a atenção se direcione à comida.


"É um ambiente exclusivo e intimista", concorda a chef, acrescentando que "obviamente, é um espaço para apreciadores de cozinha abertos à experiência". Este é aliás o seu único pedido "confiem em nós e venham sem medos". Há duas degustações possíveis, de 7 de 12 momentos, 95€ e 130€ respetivamente (sem harmonização), pautadas por uma lógica. "O menu de degustação foi construído como uma peça de teatro, com princípio, meio e fim. Cada prato não pode abafar outro. Há um seguimento e se se retirar uma parte, o todo deixa de fazer sentido", explica.
Uma playlist bem escolhida acompanha o serão, com suaves vozes lusas a marcar o ritmo do jantar. A criatividade impressa nos snacks cheios de memórias de verão, cativa-nos de início. Sem desvendar muito da ementa, sobressai a tartelete de percebes das berlengas ou a filhós recheada de foie gras e gel de maça polvilhada com framboesa desidratada e vinho da Madeira.


Depois um favorito, uma mousse de requeijão e trufa, com flor de curgete e emulsão de pinhão de Alcácer. "Em quase todos os pratos há uma iguaria, algo que o faz brilhar mais. Neste caso é a trufa, que não sendo um produto português faz parte da minha história gastronómica, do meu percurso". Há uma tentativa de unir o Portugal gastronómico de antigamente ao Portugal dos tempos de hoje.
Seguem-se o linguado, o lavagante e o borrego, que protagonizam a solo o número que lhes corresponde, numa confluência de palatos com diferentes arranjos na forma e apresentação. Nos finais, uma pré-sobremesa pouco consensual que não conseguimos esquecer: um composto de cubinhos de ananás dos açores e anis com um granizado de rúcula a esconder uma misteriosa mousse.

Durante o jantar, temos a premiada sommelier Gabriela Marques, vinda do Ritz Four Seasons. "Conheci a Marlene no Zunzum há dois anos e a colaboração surgiu nesse seguimento. Seduziu-me a sua filosofia e abordagem à gastronomia tradicional". As suas propostas envolveram néctares do Tejo, Alentejo ou Douro, embora a título pessoal nos confidencie uma predileção pela Bairrada. No total são 84 referências nacionais, fora champanhes. "Há clássicos, pequenos produtores. e vinhos naturais de agricultura sustentável", revela.


Todos falam num apontar às estrelas, porventura mais até do que a própria chef, que não esconde a ambição de uma estrela Michelin, mas vinca que "é um objetivo, mas não é o nosso foco todos os dias". Com uma carreira que começou aos 12 anos, foi num ambiente de luxo em Manhattan que descobriu a cozinha portuguesa. Diz que não suportou a poluição e uma rinite alérgica trouxe-a de volta até nós – e que sorte a nossa. Depois seguiram-se hotéis de 5 estrelas, concursos e livros, a tv e aos 31 o Avenue, o seu primeiro restaurante. "Sou uma pessoa que mete os objetivos altos e que está disposta a trabalhar arduamente para os alcançar". A esta altura ninguém duvida.
Onde? Av. Infante D. Henrique, Doca Jardim do Tabaco, Terminal de Cruzeiros de Lisboa. Quando? De terça-feira a sábado, das 19h às 00h. Reservas: 91 262 67 61

Gastronomia, Diversão, Marlene, Estrela Michelin, Chef Marlene Vieira
Oliveira da Serra. Um azeite cada vez mais verde
Comprometida em ser mais sustentável, a marca de azeite está cada vez mais dedicada a implementar medidas que ajudem a preservar o meio ambiente: da rega à embalagem, eis as novas medidas que a Oliveira da Serra adotou.
O clássico restaurante Via Graça como nunca o vimos
O restaurante típico português com vista imensa sob a capital sofreu uma profunda renovação que o dividiu em dois conceitos distintos. Se no piso inferior mantém a sua essência, cá em cima surge o 9B by Via Graça. O chef Guilherme Spalk é o responsável gastronómico pelos dois espaços, onde tradição e potencial criativo convergem.
The Yeatman, um exemplo de quiet luxury com vista para a Ribeira
O spa vínico, os quartos que se inspiram nas várias quintas de vinho do país, e um olhar sobre o Douro fazem deste hotel de luxo um verdadeiro um oásis de bem-estar.
Susana Esteban, um clube democrático e vinhos excepcionais
O novo clube de vinhos a que queremos pertencer chama-se Alegrete 1375, tem vagas limitadas mas não elitistas, e promete experiências únicas no mundo vinícola.