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Celebridades

The Legendary Tigerman: “O nosso trabalho não é remendar o mundo, mas sim levantar questões”

Paulo Furtado apresentou o novo álbum "Zeitgeist", num concerto integrado no Super Bock em Stock. Conversámos com o artista, que confessa não conseguir fugir do seu alter-ego musical.

Foto: Leonor Ribeiro
25 de novembro de 2023 às 17:56 Miguel Judas

Chama-se Songs for Dancing, Sweating & Kissing, o espetáculo que The Legendary Tigerman irá estrear amanhã no Coliseu dos Recreios, para apresentar não só o novo e aclamado álbum Zeitgeist, lançado em setembro, mas também a nova formação que o acompanha nesta nova fase da carreira. Pelo caminho ficaram as guitarras, substituídas agora por sintetizadores modulares, que abriram novos caminhos criativos para o alter-ego de Paulo Furtado, mas nem por isso menos rock and roll, como o próprio explica nesta entrevista à Máxima.

Disse há uns anos que o Tigerman era cada vez mais uma personagem confinada aos palcos e que o Paulo Furtado tinha outros projetos, fora do espectro do rock and roll que começavam a roubar tempo e espaço a esse alter-ego. Falou na altura do entusiasmo pelos sintetizadores e ei-los agora aqui, em todo o seu esplendor, no novo disco de The Legendary Tigerman, que pela primeira vez deixou a guitarra de lado. Estamos perante um daqueles casos em que a criatura tomou conta, de vez, do criador?

Sou demasiadas vezes apanhado nessas minhas contradições (risos), mas de facto o Tigerman está-me a canibalizar um bocado. Ainda há pouco tempo, também a respeito deste disco, fui confrontado com uma outra entrevista antiga, na qual dizia que se não usasse guitarras não poderia ser Tigerman, era outra coisa qualquer (risos). Se calhar, tanto num caso como noutro, estava apenas a pensar alto, em como esses dois mundos nunca seriam compatíveis, mas na realidade são, como se provou agora. E apesar de todas as diferenças e nuances que tem em relação aos anteriores, este álbum tem uma escrita clássica de Tigerman. No modo como escrevo para Tigerman, quero dizer, porque quando o fazia para outros projetos, como Wraygunn, por exemplo, ou nas bandas sonoras, faço-o de um modo completamente diferente. Ou seja e apesar de todas estas contradições, parece que mantenho um qualquer compromisso com o meu alter-ego e esse universo, talvez não totalmente à superfície, mas ainda muito presente.

Não querendo entrar em qualquer tipo de psicanálise, mas esse alter-ego é hoje dissociável do Paulo Furtado?

Sim e não. É natural que de alguma forma ele vá absorvendo muitas características minhas. Se calhar há uns anos era mais fácil distingui-los, porque para mim o Tigerman era o gajo que estava em palco e o Paulo Furtado era quem fazia tudo o resto, incluindo escrever canções para o Tigerman. Mais esquizofrénico que isto é impossível (risos). Mas entretanto comecei também a assinar como Tigerman algumas bandas sonoras mais contemplativas e portanto bastante afastadas do tal universo sonoro do Tigerman, o que me fez perceber que pode funcionar de qualquer maneira. E essa é uma questão ainda por resolver, confesso. Não sei se faz mais sentido, nessa vertente de compositor, assinar como Paulo Furtado ou Tigerman. Mas isso é mais por uma questão mais prática, não quer dizer qualquer outra coisa, espero (risos)...

Foto: Leonor Ribeiro

Este disco, de facto, quando se ouve, soa a Tigerman, apesar de todas essas diferenças, e de certa forma parece que pega ali num ponto onde o álbum Femina (2009) ficou, concorda?

Sim, mas talvez mais pela presença de algumas vozes femininas. Até porque depois do Femina é impossível não estabelecer essa relação sempre que tenho uma voz feminina. O modo como chego lá é que agora é muito diferente. Na altura houve assumida tentativa de aproximação às artistas convidadas e agora isso não aconteceu. Desta vez algumas canções simplesmente pediam alguém, e esse alguém acabava sempre por ser uma pessoa que estava próxima naquele momento.

Mas há de novo uma predominância de mulheres...

Sim, por pouco, porque há três homens e cinco mulheres, mas ao contrário do Femina, em que havia um conceito, desta vez as razões para isso acontecer são meramente musicais. Todas as pessoas presentes trouxeram de facto coisas diferentes e que eu não poderia dar a cada uma das músicas. E se calhar um homem dá coisas mais parecidas com o que eu faço, até do ponto de vista vocal. Portanto é isso, estas canções pediam mais mulheres que homens.

Quando é que percebeu que os sintetizadores poderiam ser um novo caminho para o Tigerman?

Se calhar quando dei a tal entrevista (risos). Quando comecei a experimentar os sintetizadores modulares, percebi logo de imediato que poderia haver por ali esse novo caminho para o Tigerman. E depois houve uma noite assim meia de epifania, no Lux, em que só ouvia subs por todo o lado. Os discos de rock and roll não têm isso e funcionam quase sempre com as mesmas instrumentações, a guitarra, o baixo e a bateria, por vezes complementados com alguns beats ou teclas, num processo que se repete há décadas. Esse caminho já tinha começado a ser trilhado no Mistfit, o álbum anterior, para o qual já usámos um sintetizador para substituir os baixos. A partir daí foi só mergulhar nesse caminho e tentar encontrar uma linguagem que funcionasse. Isso foi de facto o mais difícil, porque ao início nada me soava a Tigerman ou sequer a algo original.

Foi por isso que a dada altura se retirou para Paris, para encontrar essa inspiração que faltava?

Quando fui para Paris, em 2019, não imaginava sequer fazer um álbum novo. Fui para reformular o meu som, sim, mas para um espetáculo comemorativo do décimo aniversário do Femina e se calhar também vem daí essa aparente ligação com esse álbum. Era suposto nesse concerto haver algumas canções novas com convidadas novas e foi assim que surgiu a Sarah Rebecca, por exemplo. Apesar de não estar nos meus planos fazer um disco, dada altura comecei a sentir que todas as canções que escrevi lá tinha algo em comum e que qualquer outra escrita antes ou depois, como tentei fazer, já não encaixava naquele conjunto.

Foto: Leonor Ribeiro

Todas as canções do álbum são então resultado dessa incursão parisiense?

Sim, todas, apesar de depois terem sido trabalhadas durante mais ou menos dois anos, no período que coincidiu com a pandemia.

Esse período de paragem, chamemos-lhe assim, ajudou no processo de descoberta dessa nova sonoridade?

Durante o primeiro confinamento sim. Aproveitei esses primeiros meses para tirar uma série de cursos online sobre produção, harmonias e outras coisas. Foi algo que me fez crescer bastante como músico e me permitiu trabalhar este disco desta maneira. E outra grande ferramenta foi o trabalho que tenho vindo a fazer nas bandas sonoras. Nesse sentido pode-se dizer que o Paulo Furtado teve uma grande influência neste disco do Tigerman (risos).

E como é que se passa esta nova sonoridade, não tão orgânica, para um palco, como vai fazer este sábado no Coliseu dos recreios, enquanto cabeça-de-cartaz do Super Bock em Stock?

Estamos atualmente nessa luta. Ao início acreditava que íamos levar os sintetizadores modulares para o palco e toda essa parafernália, mas depois percebemos que não iria funcionar muito bem ao vivo. Ia apenas parecer uma telefonista dos anos 50 a mexer em fios (risos). Mas está a ser muito excitante e desafiante. Estamos a tocar com três sintetizadores em palco, em formato banda e vamos também passar a ter uma nova vocalista, que é algo que ainda não tinha anunciado.

Mantém-se portanto o formato banda?

Sim isso é algo já assumido há muito. Curiosamente este disco representa também um certo regresso ao formato one-man-band, no modo solitário como foi criado, sem pensar muito em como poderia ser apresentado ao vivo. Isso apenas está a acontecer agora. Haverão momentos sem guitarras, as canções antigas vão ser tocadas de uma forma completamente nova, mas tudo isso faz parte do processo de evolução, tal como aconteceu há uns anos quando o Sega e o Cabrita entraram para a banda. Nessa altura, todo o repertório que antes era tocado apenas comigo em palco também foi todo reformulado, primeiro para trio e depois para quarteto e banda. É nesse processo que estamos novamente.

Este álbum tem uma vertente de ativismo político e social que antes não estava assim tão presente?

De certa forma era algo incontornável, que aconteceu agora talvez devido a todo esse tempo que passei em Paris. Passei lá parte do inverno, uma altura em que a questão da pobreza se torna muito presente e agressiva. Por outro lado também apanhei muitas manifestações e protestos. Tornou-se portanto inevitável que esse quotidiano e essas vivências não fossem transportados também para a música. O tema Will We Be Alright? era inicialmente uma canção bastante pessoal, mas que com o tempo foi evoluindo para algo mais coletivo. E aconteceu o mesmo com outras canções, devido a esse microclima por vezes tão negro e pesado que vivi em Paris e entrou pelo disco adentro. Nunca tentei por um travão a isso porque a pobreza e a violência tornaram-se tão profundas para mim, naquele momento, como o amor, a empatia ou qualquer outro sentimento que tenha cantado antes.

Foto: Leonor Ribeiro

É importante que os artistas tomem posições, mesmo que por vezes isso tenha um preço em termos de carreira ou de popularidade?

Acredito que sim, mas não têm de o fazer sempre através da sua arte. Desta vez isso aconteceu de forma espontânea e não porque tenha pensado que devia fazer temas mais políticos. Mas sim, não só devemos usar a nossa voz como é nossa obrigação fazê-lo ao serviço daquilo em que acreditamos e pensamos ser o mais correto. O nosso trabalho não é remendar o mundo, mas sim levantar questões. Se temos uma voz não a devemos desperdiçar.

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