Jennifer Batten, ex-guitarrista de Michael Jackson e de Jeff Beck: “Muitos homens ignoram automaticamente as capacidades das mulheres”
A artista nova-iorquina, de 65 anos, estará em Lisboa para a tour de espetáculos “Michael Lives Forever” de Rodrigo Teaser, em outubro, e conversou com a Máxima sobre as peripécias de uma carreira com mais de quatro décadas.

Nos anos 80, acompanhou um dos músicos mais vibrantes de todos os tempos: Michael Jackson. Que recordações tem desse tempo? Que episódios mais engraçados viveu que possa contar?
Para mim, foi como umas férias pagas. Era uma forma tão maravilhosa de estar no mundo. Só tocávamos dois ou três dias por semana, por isso tínhamos muito tempo para ver as cidades onde estávamos. A primeira coisa engraçada que me vem à cabeça é que alguns de nós compraram insufláveis do Gumby (uma personagem de um programa infantil dos anos 60). Fomos ao Coliseu Romano e filmámo-nos uns aos outros a fazer voar os nossos insufláveis pelas janelas de pedra a partir de andares acima do solo. Também fiz muitas filmagens com um boneco do Michael Jackson em situações icónicas. Pregámos muitas partidas na digressão do [disco] Bad. Alguns de nós compraram máscaras do Michael Jackson numa loja de brinquedos e planeámos colocá-las durante a última música da digressão europeia, mas infelizmente alguém da digressão impediu-nos.

Que estereótipos de género encontrou na indústria, ao longo dos anos?

Os estereótipos de género mudaram bastante nos últimos 20 anos. Quando eu estava com o Michael Jackson, era extremamente raro ter uma mulher na banda, especialmente uma que tocasse guitarra principal. Sofri imensos preconceitos antes de conseguir estar no maior espectáculo do mundo. Acho que o facto de [isso] ter sido tão mediático ajudou a mudar as mentes de várias pessoas para que aceitassem a ideia. Sofri muitos preconceitos antes de conseguir estar no maior espetáculo do mundo. Acho que por ter sido tão importante, ajudou a mudar as mentes das massas para que aceitassem a ideia. Acho que também é possível que tenha sido por isso que Jeff Beck se sentiu aberto a ter-me a tocar com ele. Mas, claro, ele também já tinha provas das minhas capacidades dos meus dois primeiros CDs, quando entrei para a banda dele.
Como mulher guitarrista num mundo de homens, foi difícil fazer esse caminho de afirmação? Hoje as coisas estão diferentes?
Felizmente, as coisas mudaram muito nesse aspeto, em parte devido ao facto de a maioria das pessoas ter internet de alta velocidade e poder aceder a ver que há inúmeros exemplos de mulheres que sabem realmente tocar. Eu pensei que as coisas iriam mudar depois de ter estado com o Michael pela primeira vez em 1987, mas demorou pelo menos [mais] 15 anos. Penso que muitos homens ignoram automaticamente as capacidades das mulheres. Isso foi evidente numa altura em que estava no estúdio com o Jeff Beck. Um técnico remexeu na minha prateleira de equipamento, acho que ele estava inseguro com a situação e disse-me imediatamente que normalmente conseguia um melhor som com menos equipamento! Nessa altura, ele nunca tinha ouvido uma única nota que eu tocasse. Achei isso chocante. Ele não fazia ideia de que havia muitos equipamentos - como sintetizadores de guitarra - naqueles bastidores, porque era muito do que eu estava a fazer no palco para o Jeff. Mas mesmo assim, foi uma coisa super ignorante de se dizer, que ele não teria dito se aquele equipamento fosse do Jeff.


Quais são as pessoas mais inspiradoras com quem já trabalhou?
Jeff Beck é o número um, com certeza. Ele elevou o protagonismo da guitarra a um nível emocional superior, como nunca mais ouvi. Há milhares de guitarristas com grandes capacidades técnicas, mas para ir mais longe e agarrar o ouvinte emocionalmente é preciso muito mais do que isso. E, claro, o Michael Jackson também foi muito inspirador, mas de uma forma muito diferente. Chamo-lhe um tornado criativo, na medida em que tudo o que ele fazia e tudo o que pensava era para criar algo novo e diferente que entusiasmasse o público. A música era apenas a base, e depois ele construía a experiência a partir daí, acrescentando dança, fatos, vídeo, lasers, efeitos de palco únicos. Pensou em todos os aspectos e utilizou tecnologia de ponta.

Como é que se sente agora no papel de banda de tributo, depois de ter vivido a versão original, por assim dizer?

A banda de tributo é simplesmente divertida. É divertido para mim, divertido para a banda e divertido para o público. Gosto de estar ali a tocar. Acho que é muito fixe levar o espetáculo de alto nível do Rodrigo a um público, parte dele nem sequer era vivo quando o Michael estava em digressão. A música do Michael continua a chegar a várias gerações de ouvintes. Há novas gerações que estão agora a conhecer a sua música. Ser capaz de tornar tudo isto real de forma tão profissional deixaria o Michael orgulhoso.
Como é que era ser artista nos anos 90? O que é que se perdeu com o tempo e com a cultura dos concertos de hoje?
Penso que a música se tornou extremamente diluída. Quando eu era adolescente, a minha família ia às lojas de discos num passeio divertido e passava algumas horas a folhear os discos e voltava sempre para casa com algum som novo. Naquela altura, era preciso pagar pela música e poupar para comprar discos. Lembro-me ter comprado o Who's Next dos The Who com as minhas irmãs, por isso partilhávamos esse disco. Toda a experiência de antecipação desapareceu. Agora, qualquer pessoa interessada em música pode obtê-la instantaneamente, de graça ou por uma assinatura barata, e os artistas não recebem quase nada. Sem a capa do álbum e os créditos, perde-se também toda essa experiência e a maioria das pessoas não faz ideia de quem faz parte da banda ou de quem participou nos solos ou de quem fez a capa.
E pessoalmente? O que sente hoje?

Qual é a parte mais divertida das digressões? E o mais cansativo?
Acho que todos os músicos em digressão dirão que o mais cansativo é a viagem. Voar é extremamente pouco fiável e, mesmo que o avião levante voo e parta a horas e se consiga fazer a ligação, há sempre o problema de saber se a bagagem vai aparecer. É por isso que agora levo comigo o meu equipamento mais valioso para o avião nos compartimentos superiores. Assim, se aparecer sem mala e sem guitarra, pelo menos tenho os meus sons e vou ter de alugar uma guitarra e comprar maquilhagem e roupa. Essa parte é muito chata. Desprezo-a verdadeiramente. Também detesto que a qualidade da comida esteja fora do meu controlo. Geralmente, está fora de questão poder dedicar algum tempo a comprar comida orgânica e saudável. A melhor parte é quando se tem uma boa banda, se constrói uma amizade ao longo do tempo e se anseia por se verem uns aos outros. E, claro, ver a alegria no rosto dos ouvintes na plateia. Quando se sabe que se estabeleceu uma ligação, é muito gratificante.
O que espera de Portugal? Já cá esteve antes?
Já estive em Portugal várias vezes e, na verdade, tenho um bom amigo (americano) que se reformou recentemente e se mudou para fora de Lisboa, por isso estou ansiosa por reencontrar o contacto. Na digressão do Michael Jackson, viajávamos de autocarro depois dos espectáculos, durante a noite. Tenho memórias muito claras de viajar por Portugal e ver castelos iluminados a meio da noite que pareciam absolutamente mágicos. E também tenho os anúncios do vinho do Porto Sandeman gravados no meu cérebro (haha). A personagem da ilustração da marca parece-me parte de Portugal.

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