Diogo Fernandes, na pista do Lux com o Andy Warhol de Gus Van Sant
Depois de ter esgotado o Teatro Nacional D. Maria II, o espetáculo ‘Andy’ ou 'Trouble' parte em digressão pela Europa. Em Roma, Faro, Paris ou Atenas, o jovem Diogo vai continuar a contar em palco, a ascensão e queda de um dos maiores artistas do século XX. Conversámos com o ator revelação.

Temos encontro na pista de dança. As discotecas estão a escassos dias de abrir quando nos deslocamos até ao Lux Frágil para conhecer Diogo Fernandes, o ator escolhido por Gus Van Sant para dar vida a Andy Warhol no teatro. Ao início da tarde, a luz do sol bate no rio e entra pelas gigantescas janelas da discoteca, ilumina a pista e os jovens que ali trabalham — muitos são artistas quando não estão a colaborar com o Lux. Entusiasmados enchem os bares de bebidas para o regresso à vida noturna. Há esperança nos movimentos e nas vozes que se fazem ouvir através das máscaras de proteção. Ficamos parados a assistir a este reencontro de colegas, o ambiente é elétrico.


Diogo Fernandes chega até nós vindo de um ensaio. Com o corpo já aquecido, abandona-se ao exercício de ser fotografado, toma as poses da personagem que interpreta agora no teatro. No Lux alguém nos explica que a bola de espelhos, onde se deve apoiar para as fotografias pode transformar-se num objeto cortante. Este elemento de magia noturna não foi feito para ser tocado. Diogo tem o corpo cheio de nódoas negras, pequenas mazelas de Andy, um espetáculo físico, onde perdeu 8 quilos desde que começou os ensaios. "Este trabalho que vem de fora alimenta o que acontece dentro do corpo do ator. Há coisas que podem aumentar o misticismo das personagens. O nosso trabalho é mentir da forma mais verdadeira possível, e no caso do Warhol há entrevistas em que vês a cara dele muito branca, ele perdeu a pigmentação da pele e utilizava maquilhagem para tapar as fragilidades. Eu aos poucos deixei de ir ao ginásio. Não queria estar musculado para fazer um homem que parecia um fantasma", diz-nos numa pequena introdução.

O espetáculo de Gus Van Sant começa em 1959 e atravessa três décadas. Apoia-se nas histórias que construíram a reputação do mais célebre artista da Pop Art. Diogo começa em jovem Andy a viver em casa da mãe, cresce em palco e viaja para as galerias e noites de Nova Iorque, onde se transforma numa personna impenetrável. "No meu trabalho tentei representar a personagem de Warhol que representa uma personagem ele próprio também". Nunca ninguém saberá o que sentia realmente o homem por trás da máscara pública. Incansável, o seu corpo é o único a envelhecer, acompanhado de um elenco extremamente jovem. A juventude que tanto foi explorada na filmografia de Gus Van Sant (em filmes como Last Days-Últimos Dia ou Elephant), deverá ser vista agora em palco como uma espécie de impostora? Precisa o teatro ser tomado pela energia de corpos inocentes e ingénuos?


Aos 23 anos, o ator conhece bem a rejeição dos castings impostos pela profissão, " O meu consolo para avançar, encontro-o em entrevistas de atores, onde percebemos que todos passaram por isto. Um ‘não' é um passo acima para chegar onde quero". Diogo acaba a nossa sessão de fotografias ileso, a bola de espelhos do Lux não o magoou. Só o nosso fotógrafo acaba por abrir um golpe na mão. No teatro, a superstição associa a presença de sangue numa performance a um bom presságio.


Do teatro de rua para a linhagem de River Phoenix
Esperamos um dia para nos encontrarmos novamente com Diogo, o ator está sentado no Cais do Sodré, não longe da estação de barcos que o levará a Palmela, cidade onde cresceu. Conta-nos como conheceu Gus Van Sant. O irmão filmou-o numa selftape, onde tinha de representar e cantar. Em tempos teve uma banda, compunha originais, inspirava-se em canções como Creep de Radiohead. "Gravei aquilo a pensar que não ia ficar com o papel de qualquer forma", fala connosco num tom extremamente baixo. Deslocou-se depois a uma audição coletiva dirigida por John Romão, o diretor artístico da Bienal BoCA que acompanhou todo o processo de criação. Tudo era filmado e seguia para o outro lado do mundo. Acrescenta: — "Foi só no momento em que o Gus apareceu no primeiro ensaio que eu percebi que ele vinha mesmo, que seria ele a encenar", ri-se. Filmes como O Bom Rebelde, com Matt Damon, marcaram a sua infância, "da mesma forma que ouvir o meu pai a cantar canções de karaoke." A família tinha pouca ligação às artes, mas aos 11 anos a mãe percebeu que Diogo sentia um apelo pelo teatro. Em Palmela, a companhia de João Brites, o Teatro Bando, organiza há mais de uma década confrarias onde introduz o palco aos jovens da região. Ali experimentou um teatro físico, fazendo nascer nele uma paixão pela representação pura e dura, "que não tinha nada a ver com a fama e essas coisas… isso até me assusta". No percurso académico, Diogo tentou fugir à evidência do ensino artístico. Estudou ciências, formou-se em engenharia, " depois fazia coisas com o teatro Bando e vinha louco com a energia de criar um espetáculo com amigos. Lembro-me de ser muito novo e pensar que ser ator não era uma profissão em concreto". Tudo mudou.


Atualmente frequenta o segundo ano da Escola Superior de Teatro e Cinema, fala de um investimento visceral, evocando atores como Joaquin Phoenix e Adam Driver, que encantam o ecrã com a intensidade da improvisação. Joaquin é o irmão mais novo de River Phoenix — que desapareceu prematuramente, no auge da sua carreira em 1993. Na altura do acidente que envolveu a sua morte, River estava ligado a um projeto sobre a vida de Warhol dirigido por Gus Van Sant. "Ele tinha até o cabelo platinado na altura", acrescenta Diogo, que continua a achar incrível poder evocar cenas de My Own Private Idaho (filme que afirmou River) com o realizador que lhe dá agora a primeira grande oportunidade num percurso que se anuncia promissor.
A energia coletiva do elenco de Andy também o embala na partilha de experiências, fazendo-o esquecer a pressão de ser protagonista de um espetáculo que se prepara para viajar pela Europa. "Um dos desafios de ser ator é nunca perder a criança dentro de nós. Os artistas que admiro são os que sentes que mantiveram essa essência."
Antes de apanhar o barco, Diogo tira da mochila o livro A Filosofia de Andy Warhol. Lê-nos um excerto num inglês perfeito. Continua a descobrir detalhes sobre a sua personagem, o livro está amassado de tanto uso. A sua voz projeta-se enquanto lê.


Imaginamos Diogo no barco em direção à Margem Sul e os mundos imaginários que transporta na travessia. Andy e River voltaram a encontrar-se em Lisboa num corpo que se prepara para dar vida a tantos outros personagens.
Andy ou Trouble de Gus Vant Sant, no dia 16 de outubro no Teatro das Figuras, em Faro.


A atriz Carolina Amaral lê um excerto d''A Gaivota de Tchekhov'
Atriz revelação de 'Glória', a primeira série portuguesa da Netflix, Carolina Amaral diz o texto de uma personagem que todas as atrizes sonham interpretar.
Miguel Nunes, protagonista de 'Glória' em tom intimista
O que guarda um ator dos lugares que atravessa? Como se inspira? E que liberdade se pode dar a uma personagem quando não é linear? Entrevista confissão com o vibrante ator da série Glória, produção made in Portugal para o streaming da Netflix.
16 anos da morte de Gisberta, a transexual que não salvámos
Recordamos um texto escrito por Tiago Manaia a propósito do Festival Porto/Post/Doc, aquando da exibição do filme 'Madalena', sobre violência transfóbica e a falta de segurança que assombra o quotidiano das pessoas transexuais. Não será uma coincidência pensar de imediato em Gisberta, cidadã brasileira brutalmente assassinada por um grupo de adolescentes há 16 anos no Porto. O seu nome continua a ecoar na cidade.
Companhia Nacional de Bailado abre a porta ao mundo encantado de ‘Alice no País das Maravilhas’
Inês Ferrer, bailarina da CNB, revela alguns desafios do seu papel, a Rainha de Copas.