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Maria Brandão, psicóloga: "Deparo-me com mães que querem chegar a todo o lado e desempenhar os papéis na perfeição"

Conversa com a psicóloga do sono e autora de um livro sobre o sono em recém-nascidos, sobre as preocupações que mais preocupam os novos pais, crenças erradas e ainda conselhos práticos em relação ao descanso dos mais pequenos.

Foto: Maria Brandão
02 de maio de 2023 Ana Filipa Damião

Um mestrado em ciências do sono, onze anos de consultas na área, com foco no descanso infantil e em insónias, e o nascimento de três filhos prepararam Maria Serra Brandão para o lançamento do seu primeiro livro - Solução Para Noites Tranquilas: Método para Ensinar o seu Filho a Dormir Bem (editora Planeta) -, no qual acompanha, mês a mês, a evolução do sono do bebé. Em tom de brincadeira, a psicóloga conta na obra que o nascimento da terceira filha a "doutorou" nesta ciência que preocupa a maior parte dos pais, senão todos, e principalmente os de primeira viagem, pois vêem-se a mãos com um ser novo em casa e não sabem (totalmente) com o que contar.

"A idade recomendada para começar a introduzir os comportamentos e hábitos corretos e saudáveis para o sono de qualidade é entre os 4 e os 6 meses", começa por dizer Maria Serra Brandão em entrevista à Máxima, embora atenda muitos pais antes dessa fase e até durante a gravidez, "para os informar e preparar na gestão de expectativas durante os primeiros meses, e ainda ensinar algumas estratégias e conselhos práticos."

Maria Serra Brandão é licenciada em psicologia, fez o mestrado em Ciências do Sono e tem uma pós-graduação em Terapias Cognitivas e Comportamentais. Dá consultas do sono há 11 anos.
Maria Serra Brandão é licenciada em psicologia, fez o mestrado em Ciências do Sono e tem uma pós-graduação em Terapias Cognitivas e Comportamentais. Dá consultas do sono há 11 anos. Foto: D.R

Tratam-se de conselhos especialmente relevantes para as gerações mais novas, em que grande parte dos pais trabalha ao mesmo tempo que educa os filhos. "Deparo-me diariamente com mães que querem ser tudo e chegar a todo o lado e desempenhar todos os seus exigentes papeis na perfeição" e o que recomendo é: "sejam práticas e desliguem o complicómetro. Vivemos num país desenvolvido e temos muito apoio e redes de suporte muito eficazes para podermos ser mães, mulheres e trabalhadoras - mas temos de confiar no sistema, confiar nos companheiros, nas avós, nas creches, no pediatra e na ama. Deixem os vossos filhos errar, deixem que eles vivam com os erros dos outros, proteger demasiado é tão ou mais prejudicial que proteger de menos."

É, aliás, muitas vezes nesta tentativa de se atingir a perfeição que as coisas não correm tão bem, e isso sente-se na hora de descansar, explica. "O cérebro está feito para estar acordado e sempre a reagir a estímulos, e para adormecer temos de o ajudar a desligar de todos os interessses que rodeiam o bebé, sendo que esta retirada deve ser feita de forma gradual, como se rodássemos um botão de intensidade", clarifica, acrescentando que "os pais tentam muitas vezes forçar o sono, mas que na verdade devemos deixar que simplesmente aconteça". Exemplos concretos: deitar o bebé no colo num quarto escuro e tentar adormecê-lo pode não resultar, porque alguém lhe retirou todos os estímulos de repente. "É quase um paradoxo, mas a verdade é que o bebé precisa deles para dormir", ou seja, aqueles que induzam o sono, como uma atividade relaxante com um dos pais, uma canção ou um boneco.

'Solução Para Noites Tranquilas: Método para Ensinar o seu Filho a Dormir Bem', de Maria Serra Brandão.
'Solução Para Noites Tranquilas: Método para Ensinar o seu Filho a Dormir Bem', de Maria Serra Brandão. Foto: D.R

Mitos e estilos parentais

É o sono que organiza o cérebro para que estejamos preparados para o dia seguinte, como explica a especialista no livro, e é também durante o mesmo que a hormona do crescimento, responsável pelo desenvolvimento físico, é produzida. Contudo, esta é ainda uma temática completa de mitos e crenças erradas. Há quem acredite, por exemplo, que deitar a criançar mais tarde faz com que fique mais cansada e que durma melhor, e tal não poderia estar mais errado, dado que os bebés são seres matutinos, e que o seu ritmo circadiano está no seu melhor quando se deitam e acordam cedo. Hoje também sabemos que a amamentação não interfere com a qualidade do sono e até que são as mães que amamentam os seus filhos recém-nascidos que acabam por dormir melhor. 

A ideia de que existe só uma forma correta de educar os filhos é igualmente frequente, bem como aquela que afirma que as crianças que dormem com os pais têm um vínculo afetivo mais forte do que as que fazem um sono independente e ainda a que diz que se deve deixar um bebé a chorar para aprender a acalmar-se sozinho - todas mitos. Vamos por partes.

"Deparo-me diariamente com mães que querem ser tudo e chegar a todo o lado e desempenhar todos os seus exigentes papeis na perfeição" e o que recomendo é: "sejam práticas e desliguem o complicómetro."

Em caso de choro, deve-se atender ao bebé sempre, frisa a psicóloga. "Para percebermos as causas dos despertares e choro noturnos temos de fazer uma avaliação ao dia da criança, às suas dinâmicas, rotinas, estado de saúde e estado emocional." 

Depois, há que ter a noção que "a partilha de cama 
nos primeiros meses de vida é quase uma inevitabilidade, pois os bebés ainda dependem muito das funções corporais da mãe para se regularem a todos os níveis, mas também que esta pode trazer riscos aumentados de morte subita por vários motivos", afirma Maria Serra Brandão, acrescentando que, numa situação de co-sleeping, o importante é garantir que seja feito em segurança - com berços acoplados à cama, por exemplo. O mais seguro nos primeiros meses para o bebé é dormir próximo da mãe, mas numa superfície separada.  

Assim, a proximidade durante o sono entre mãe e bebé nos primeiros meses é importante para estabelecer um vínculo seguro. No entanto, "entre os 4 e os 6 o sono começa a consolidar e a proximidade à mãe já não é tão necessária, podendo em determinados contextos o bebé, pelos 6 meses, mudar de quarto."

Então, como saber se está a fazer um bom trabalho? Dos quatro estilos parentais - autoritário, democrático, permissivo e negligente - o segundo é, de acordo com vários estudos, o que promove um maior sentimento de autoeficácia parental, ou seja, o que retrata uma "relação cuidador-filho que parece funcionar e na qual os pais se sentem satisfeitos com as respostas comportamentais e emocionais da criança." 

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