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Marie Drago, farmacêutica: "Não acredito em tipos de pele. Acredito mais num microbioma desequilibrado."

A fundadora da Gallinée fala sobre a importância de arriscar, a função do microbioma e suas bactérias e porque exageramos na higiene da pele.

17 de maio de 2023 Máxima

A filosofia e prática da marca de skincare Gallinée - criada em 2016 para dar resposta a uma doença autoimune, e adquirida pelo Grupo Shiseido em 2022 - gira em torno do microbioma da pele e dos conceitos adjacentes de prébióticos, probióticos e postbióticos. Com apenas sete anos, a marca de Marie Drago, farmacêutica, ganhou o interesse e confiança do Grupo Shiseido. Com laboratórios na Normandia e uma equipa de dez pessoas dividida entre Paris e Londres, a Gallinée encontra-se de momento disponível não só em França e Reino Unido, como na Roménia e em Portugal. Quisemos saber mais sobre esta singela marca de beleza, numa conversa repleta de conhecimento e curiosidades com a sua fundadora.

Marie Drago, fundadora da Gallinée.
Marie Drago, fundadora da Gallinée. Foto: Marie Drago

A Gallinée surge de uma forma curiosa. Como descreveria o seu percurso profissional e a criação da marca?

Sou farmacêutica de profissão, mas nunca usei o meu diploma em Farmácia. Sempre trabalhei em beleza porque sempre gostei de skincare. Trabalhei para marcas e no lançamento de produtos em diferentes países. Entretanto, fui diagnosticada com uma doença autoimune muito rara. Sendo farmacêutica, li sobre a ciência, sobre o que estava e acontecer e tudo se conectava à inflamação e ao papel das bactérias e em 2014 descubro o microbioma. Hoje ainda tenho a doença, mas já não tomo medicação, só sigo uma dieta com uma série de probióticos. Deixou-me interessada, porque sempre quis criar a minha marca e fazer a diferença. Quando descobri que o microbioma da pele era tão interessante pensei: bem, alguém deveria fazer algo acerca disto. Estava a fazer pesquisa científica, encontrei muita informação e decidi fazer a minha tese sobre o assunto. Patenteei-a e usei-a para criar as fórmulas Gallinée.

Para entender a Gallinée, é essencial perceber o microbioma…

O microbioma define-se como uma comunidade de micróbios que vive no corpo humano, e eu adoro esta comunidade global porque significa que os micróbios comunicam entre si, falam com o nosso sistema imunológico – regulando a inflamação, protegendo a pele e protegendo-nos contra as bactérias, daí a minha tese.

Depois, há que perceber os conceitos centrais de prébióticos, probióticos e postbióticos e os efeitos que podem ter na pele. É assim?

De forma geral, os probióticos são mais um nome para bactérias boas, e isto não é uma novidade em skincare – sempre os usámos – não na forma viva, mas de um modo inativo em que podíamos ver um efeito calmante. Simplesmente, não diríamos que existiam bactérias dentro dos nossos produtos. A minha ideia foi: sim, é ótimo poder trazer bactérias para a pele e poder ter esse efeito anti-inflamatório incrível, mas e se fizéssemos as nossas próprias bactérias? É isto que fazemos na Gallinée, onde alimentamos próprias bactérias com prebióticos. Assim, em vez de matar os bad guys, só temos de alimentar os bons e esperar que eles ganhem espaço na luta. Já os posbióticos, cuja definição recente tem vindo a mudar, têm, no geral, um efeito positivo em todo o micobioma. 

A filosofia e prática da marca de skincare Gallinée gira em torno do microbioma da pele e dos conceitos adjacentes de pré-bióticos, probióticos e postbioticos.
A filosofia e prática da marca de skincare Gallinée gira em torno do microbioma da pele e dos conceitos adjacentes de pré-bióticos, probióticos e postbioticos. Foto: Gallinée

Até porque ainda existe o engano de que todas as bactérias são prejudiciais…

5% das bactérias da pele têm o potencial de ser más, por isso 95% são boas!

Que outro equívoco sobre a pele considera mais comum?

Fico sempre um bocadinho constrangida com o double cleansing. Um grande impacto que podemos ter no nosso microbioma é a limpeza excessiva e, como seres humanos, limpamos demais. Lavar as mãos é ótimo, o sabonete foi uma grande invenção, mas queremos estar limpos o tempo todo e isso não é bom para a pele e para o seu microbioma.

Nesse caso, de manhã quando acordamos, devemos usar um produto de limpeza ou apenas água?

Somente a água seria o melhor. Eu sei que é difícil, até para mim é difícil, mas de cada vez que retiramos as impurezas da pele, também retiramos bactérias agradáveis, mas muito frágeis, e as que ficam são muito agressivas.

Como descreveria a Gallinée?

Somos a primeira marca de beleza a cuidar da pele e do microbioma, e do equilíbrio entre ambos. É uma marca para todos. E não nos ficamos pelo rosto, porque o microbioma existe em todos os lugares [do corpo] e temos, por exemplo, uma gama para o couro cabeludo muito bem-sucedida. O nosso produto mais vendido no Reino Unido é um produto de higiene íntima. Também nos focamos na higiene oral, com um produto para as bactérias da boca e uma gama de suplementos que ajuda a pele de dentro para fora. 

Tem algum produto favorito neste momento?

O nosso bestseller é o tónico facial de vinagre, que pode ser usado após a limpeza para reequilibrar o pH. Temos duas patentes, que eu mesma desenvolvi, e é um produto muito inovador e que vai ter um efeito calmante e anti vermelhidão, mas também é refinador e purificante – equilibrando a pele e dando-lhe imenso brilho. E o vinagre, bem, é um probiótico. Estou muito orgulhosa. 

"Hoje há um grande foco no packaging por exemplo, mas para mim é muito importante termos uma rotina curta e minimalista, com poucos ingredientes, os necessários, dentro de cada produto." Foto: Gallinée

A marca parece dirigir-se mais para peles sensíveis e/ou problemáticas. É assim?

Na verdade, não acredito em tipos de pele. Acredito mais numa pele desequilibrada ou num microbioma desequilibrado. O que significa que podemos trazê-lo de volta à saúde. Somos uma marca para todos e treinamos a pele para ser mais resiliente ou para estar mais preparada para mudanças sazonais ou de ciclo. Procuramos promover essa mesma resiliência.

Acredita que a pandemia mudou a forma como o consumidor pensa os cuidados de pele?

Quando a pandemia começou, estávamos preocupados porque se falava muito em bactérias e tínhamos medo de como as pessoas reagiriam em relação às mesmas, por estarem tão presentes na nossa marca. Na verdade, foi exatamente o oposto – pessoas que tinham a pele muito sensível por causa da máscara tiveram algum interesse na marca. Percebemos que estavam interessadas em fortalecer a imunidade da pele, para que resistisse melhor à infeção.

A Gallinéé surge em 2016. Quais as maiores conquistas até hoje?

Começámos com dinheiro de amigos e da família em 2016, e em 2018 fomos a marca mais jovem de sempre a ganhar o prémio Marie Claire, que é o melhor prémio que se pode ganhar em França por um produto de beleza. Depois, ainda super pequenos, conseguimos um grande investimento da Unilever e isso permitiu-nos crescer e lançar mais produtos. E agora em outubro fomos adquiridos pela Shiseido, um sonho – é a empresa mais bonita com que poderia trabalhar. 

"Em vez de colher da natureza, preferimos produzir em laboratório, a partir de bactérias, e desta forma não usamos os recursos naturais, o que para mim é toda a ideia da marca: trazer a biodiversidade de volta ao corpo. Pensar o corpo com a mesma preocupação que temos com o planeta e preservar a sua microbiologia, que também está a desaparecer." Foto: Gallinée

Como aconteceu esta aquisição e o qual o seu significado?

Fiquei muito feliz quando fomos abordados pela Shiseido porque sei que somos bons – em inovação, lançamento de produtos e paixão pela beleza – mas comercialmente estamos muito felizes que a empresa nos possa ajudar a expandir e, pessoalmente, posso-me concentrar na inovação, sendo que estamos a ter o apoio dos grandes laboratórios da Shiseido. Estou muito animada!

A indústria da beleza é um campo poderoso e em constante evolução. Como vê o futuro?

O que eu amo na beleza é a sua inovação e rapidez. Neste momento, há um foco em clean beauty, produtos naturais, mas o que eu vejo para o futuro é muito mais um apoio na ciência. Muitas marcas estão-se a concentrar em ingredientes naturais, o que é uma coisa boa, mas unicamente se não esgotarmos os recursos naturais do planeta. Por exemplo, parece-me estranho necessitar de 5 mil kilos de rosas para obter 1kilo de óleo de rosas, quando podemos muito bem fazê-lo em laboratório. Outro exemplo, o óleo de esqualeno, um ingrediente muito bom para a pele. Primeiramente retirado dos tubarões e mais tarde obtido através do azeite. Para mim, o próximo passo é a produção em laboratório [sem necessitarmos de tubarões ou azeitonas], é nesta direção que vejo a evolução da beleza. Em vez de colher da natureza, preferimos produzir em laboratório, a partir de bactérias, e desta forma não usamos os recursos naturais, o que para mim é toda a ideia da marca: trazer a biodiversidade de volta ao corpo. Pensar o corpo com a mesma preocupação que temos com o planeta e preservar a sua microbiologia, que também está a desaparecer.

É uma forma de pensar a sustentabilidade…

Hoje há um grande foco no packaging, por exemplo, mas para mim é muito importante termos uma rotina curta e minimalista, com poucos ingredientes, os necessários, dentro de cada produto. Vejo a beleza de uma forma holística, a qualidade da pele não é só o que colocamos nela, mas também como comemos, como dormimos. Penso que o futuro da beleza é muito mais do que novos cremes.

Com formação na área da ciência, como é liderar uma empresa com diferentes funções associadas?

É uma pergunta que nunca me fazem. Eu escolhi Farmácia porque pensei: vou estar atrás do microscópio toda a minha vida, não terei de falar e interagir com pessoas, e realmente não foi isso que aconteceu porque hoje em dia dou palestras, conferências, lidero dez pessoas e tenho de falar sobre finanças, investimento... Para uma cientista, é um grande desafio a nível pessoal – eu amo, porque descubro e aprendo coisas novas todos os dias – mas não era assim que me via.

Algum conselho para quem ter um negócio próprio?

Duas coisas que me disseram e que guardo comigo. A primeira é falar sobre o projeto – ninguém vai roubar a tua ideia. Eu sempre debati ideias e falei sobre micróbios até que alguém me disse que eu tinha o suficiente para criar uma empresa – e isso nunca teria acontecido se eu não tivesse falado muito sobre o assunto. Não ter medo de partilhar. A segunda tem a ver com o meu medo financeiro de deixar o emprego anterior. Uma amiga disse-me: Marie, ou vai ser a linha mais bonita do teu currículo ou nunca mais vais precisar de um CV. Ela estava certa, no pior cenário voltaria ao meu emprego.

Como é um dia normal de trabalho?

Não há dia normal, o que adoro. Há duas semanas estava no Japão a fazer uma apresentação numa conferência, na semana passada estava em França a preparar-me para o lançamento de um novo produto e a visitar a fábrica. Esta semana reúno-me com a minha equipa e discutimos e a estratégia para a marca. Hoje tenho uma reunião sobre logística.

Como define sucesso?

Dinheiro e poder não me interessam muito. O que me deixa feliz é ver a minha equipa crescer em todo o seu potencial, aprendendo e entusiasmando-se. De cada vez que os vejo a discutir um assunto super complicado, que nem mesmo eu entendo, sinto-me tão orgulhosa e feliz.
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