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Dia Mundial da Fibromialgia. “As repercussões da dor e do cansaço têm um grande impacto na vida dos doentes e das suas famílias.”

Susana Capela, reumatologista e assistente hospitalar em Reumatologia no Centro hospitalar e Universitário Lisboa Norte, e pós-graduada em Ciências da Dor, conversou com a Máxima sobre esta dolorosa doença.

Foto: Pexels
12 de maio de 2023 Rita Silva Avelar

Uma doença que tem sintomas com grandes repercussões a nível laboral, instalação de cansaço crónico e uma qualidade de vida reduzida, a fibromialgia é muitas vezes uma doença "silenciosa" e muitas vezes difícil de diagnosticar. Dor abdominal e alterações do trânsito intestinal, prurido, parestesias e até mesmo o fenómeno de Raynaud, passando por depressão e ansiedade – tudo sintomas associados à fibromialgia.

Assistente convidada da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e investigadora do Instituto de Medicina Molecular e do Centro Académico de Medicina de Lisboa, Susana Capela acompanha de perto pacientes que estão em fase de diagnóstico e outros que continuam à procura de respostas. Conversámos com a reumatologista neste dia 12 de maio, Dia Mundial da Consciencialização da Fibromialgia. "O aumento da prevalência da fibromialgia na população em geral - nos últimos anos, e à escala global, sobretudo nas áreas urbanas - é preocupante", começa por nos dizer. 

Susana Capela, assistente convidada da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e investigadora do Instituto de Medicina Molecular e do Centro Académico de Medicina de Lisboa.
Susana Capela, assistente convidada da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e investigadora do Instituto de Medicina Molecular e do Centro Académico de Medicina de Lisboa. Foto: D.R

Quais são os primeiros sinais da instalação no corpo desta doença?

É importante haver um alerta para esta patologia e as suas repercussões a nível físico, psicológico e social, de forma a sinalizar os doentes com quadros de dor crónica generalizada, mesmo que ainda não tenham envolvimento acima e abaixo da cintura e em ambos os lados do corpo, o que é necessário para classificar o doente como fibromiálgico. Para além disso, também deve ser dada atenção a situações de insónia e alterações do padrão do sono, alterações cognitivas minor como problemas de atenção/concentração e de memória recentes, nomeadamente as que se repercutem a nível laboral. A instalação de cansaço crónico que interfira com a qualidade de vida do doente também deve ser prontamente investigada. A abordagem precoce destas situações pode impedir a progressão para fibromialgia, sendo fundamental a implementação de medidas como a prática de exercício regular e ainda a aprendizagem de estratégias de gestão das actividades laborais e pessoais, com estratificação por prioridades.

Com que velocidade evolui em média?

A doença pode evoluir de forma muito variável, podendo levar semanas, meses, ou mesmo anos a instalar-se. Existem diversos fatores de risco que podem contribuir para isso, como a existência de situações traumáticas ou de stress crónico (incluindo o laboral), o tabagismo, a obesidade, infeções intercorrentes e presença de doenças prévias, nomeadamente do foro reumático.

Em casos de incapacidade constante de diagnóstico, casos difíceis de diagnosticar, quais são os principais sinais? Os mais notórios, aos quais devemos prestar atenção?

Tendo em conta que o diagnóstico de fibromialgia se baseia na avaliação clínica, idealmente por reumatologista, e como na maioria dos casos os exames complementares de diagnóstico não demonstram alterações, os doentes com fibromialgia podem passar vários anos com sintomas, não apenas de dor mas também de incapacidade, até ser realizado o diagnóstico correto. Além disso, os sintomas de dor crónica e cansaço também são inespecíficos e não só podem surgir em múltiplas doenças, como também são frequentemente desvalorizados. Este atraso no diagnóstico torna mais difícil a resolução das queixas, havendo uma menor resposta à terapêutica. Por outro lado, as medidas não farmacológicas de tratamento são mais custosas de implementar no quotidiano após anos de evolução da doença, em que a dor e cansaço são já persistentes.

Quando as pessoas começam a sentir alguns destes sintomas, a quem se devem dirigir? Porque é que é tão difícil de diagnosticar?

A fibromialgia caracteriza-se pela tríade de dor crónica generalizada, sono não reparador e cansaço. Alguns sintomas cognitivos são muito frequentes, como alterações ligeiras da memória e dificuldades de atenção e concentração. A doença pode ainda associar-se a depressão e/ou ansiedade. A dor abdominal e alterações do trânsito intestinal (no contexto de síndrome do cólon irritável), o prurido (comichão), e as parestesias são algumas das situações clínicas que se associam frequentemente à fibromialgia. Os doentes com estes sintomas devem recorrer ao seu médico de família assistente, sendo importante o papel do reumatologista no diagnóstico diferencial.

Quais são as medicações atuais? Os relaxantes musculares são muitas vezes incapacitantes sobretudo para quem tem profissões mais esforçadas, o que fazer nesses casos? Há medicação alternativa?

Os relaxantes musculares, como a ciclobenzaprina, são de facto um pilar importante do tratamento da fibromialgia. Geralmente são bem tolerados, mas podem causar sonolência e secura, o que pode interferir com a atividade profissional. Nessas situações, o relaxamento muscular deve ser conseguido através de medidas não farmacológicas como o exercício físico e a aplicação de calor húmido local nas zonas musculares dolorosas (não nas articulares). Estas medidas não farmacológicas estão sempre indicadas, mas são ainda mais relevantes no caso de intolerância ou ineficácia da terapêutica relaxante muscular. Outros fármacos muito utilizados são os antidepressivos, independentemente da presença ou não de depressão, e os anti-convulsivantes (por interferência na dor e não pelo seu efeito anti-convulsivante clássico). Ora estes três grupos de fármacos podem conduzir a sonolência, sobretudo quando dados em associação, mas de forma muito variada. Na grande maioria dos casos os benefícios terapêuticos são significativos. 

Que outras atividades ajudam na redução da dor? Que outras terapêuticas?

O tratamento não farmacológico é o pilar primordial e insubstituível do tratamento. Destaca-se a prática de exercício aquático, pilates, ioga e exercício aeróbico. Há outras alternativas terapêuticas, como a psicoterapia (em particular a terapia cognitivo-comportamental) e as técnicas de mindfullness). Apesar do cansaço persistente ao longo do dia, paradoxalmente, o repouso em excesso, com sedentarismo e ausência de atividade física agravam os sintomas da fibromialgia. A adesão à prática de exercício é difícil pois no início há uma sensação de agravamento, contudo a médio e longo prazo pode ter excelentes resultados.

É uma doença sem cura? Qual o ponto da investigação na cura?

Tendo em conta as repercussões devastadoras da dor e do cansaço, a fibromialgia têm um grande impacto na qualidade de vida dos doentes e das suas famílias. A dor e o cansaço limitam a função e as atividades dos doentes, causando isolamento social e com frequência incompreensão de amigos e mesmo familiares. Habitualmente em reumatologia não falamos de cura, mas em controlo da atividade da doença e remissão. Contudo, no caso da fibromialgia, se o diagnóstico for precoce, se houver uma prática de exercício físico regular e forem utilizadas desde o início estratégias adequadas para a gestão da dor e cansaço, é possível haver um retrocesso completo dos sintomas.  

Que estudos se estão fazer?

Ao contrário das doenças reumáticas inflamatórias, em que a dor é causada por inflamação articular e os imunosupressores têm um papel primordial, a fibromialgia é causada por alterações na percepção da dor, quer a nível periférico quer a nível central do sistema nervoso. Continuam a ser estudadas as causas da fibromialgia e a inter-relação com o sistema imune, sendo fundamental conseguirmos compreender melhor como são processados nesta doença os sinais de dor recebidos a partir de receptores periféricos em todo o corpo, os neurotransmissores envolvidos, o perfil individual de dor do doente, e a relação com doenças como a depressão e ansiedade. Também estão a ser realizados estudos no âmbito dos meios complementares de diagnóstico, para fazer chegar à prática clínica métodos que consigam demonstrar alterações quer qualitativas quer quantifitativas, que permitam no futuro uma correlação clínica e potencial aplicação na escolha da terapêutica de forma mais personalizada e multimodal.
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Mundo. Educação, Saúde, Fibromialgia, Susana Capela
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