Crónica

Histórias de Amor Moderno: “A Luísa foi o que tive mais próximo de uma relação esotérica.”

"Tudo nas nossas vidas, dos gestos aos gostos, das palavras aos olhares, dos sentimentos às datas, aos dias, às horas, tinha para ela um significado extramundano." Todos os sábados, a Máxima publica um conta sobre como é o amor no séc. XXI, a partir de um caso real.

Foto: Your Place or Mine / Netflix
29 de abril de 2023 Maria Olívia Sebastião

"Nunca tinha conhecido um leão como tu." Disse-me isto tínhamos acabado de fazer amor momentos antes. Ali estávamos, nos lençóis, ora enrolados, ora desembrulhados, entre festinhas, afagos e beijos pequenos de lábios leves e doces. Senti-me masculinamente orgulhoso. Eu, que forte. Eu, que bravo. Só me faltou rugir. E então ela perguntou:"fazes anos em que dia?" E eu disse-lhe, "24 de agosto". Reagiu mal, cheia de espanto. Até pôs a mão à frente da boca enquanto esbugalhava os olhos: "Oh, tu não és Leão!" Franzi a testa com todos os pontos de interrogação de que dispunha. "Tu és Virgem!", exclamou, com visível indignação. Olhei-a com um misto de confiança e desconfiança, meio de lado, e disse-lhe "Luisinha... vá lá, depois do que andámos a fazer durantas as últimas horas... virgem? Como assim?" E dei uma gargalhada. Ela também se riu, como se riem as raparigas quando dizem "ai, parvo... és tão parvo" – o que é absolutamente querido e amoroso.

A Luísa – a Luisinha – foi o que tive mais próximo de uma relação esotérica. Tudo nas nossas vidas, dos gestos aos gostos, das palavras aos olhares, dos sentimentos às datas, aos dias, às horas, tinha para ela um significado extramundano, metafísico, para lá do palpável e percetível. Uma vez, estávamos à mesa em casa dos meus pais, era o aniversário da minha mãe. De repente, a Luisinha levanta-se e diz "ou chega mais alguém, ou levanto-me e vou comer para o sofá". O desconforto foi geral. O burburinho dos comentários de espanto misturou-se com os risinhos nervosos de quem não sabe o que fazer. Só uma das minhas irmãs, a Marisa, segurou as pontas, fez-se compreensiva e impediu que a Luísa ficasse sozinha naquela situação desajeitada. Levantou-se e concordou muito, "sim, sim, a Luisinha tem toda a razão, não se sentam 13 pessoas a uma mesa", disse, abraçando a então cunhada pelos ombros como se fossem muito amigas. A minha mãe, de queixo levantado e olhos atentos tentando compreender, "ninguém se levanta", disse, e a Luísa acatou a decisão.

Por vezes, não era fácil viver com alguém que misturava em todos os aspetos e detalhes da vida a presença magnética e decisiva do que não se vê, das forças supostas do desconhecido, de uma energia superior e transcendente que anda aí pelo universo a condicionar-nos os destinos a todos. Mas também foi uma fase rica em descobertas. Eu, cético e descrente, fui aprendendo a ver o mundo pelas lentes de quem acredita nessas bengalas cósmicas que surgem quando os astros se alinham de uma determinada maneira, assim como as armadilhas universais ficam armadas à nossa espera quando esses mesmos astros se desalinham, ou se conjugam de maneira nefasta. Aprendi, sobretudo, a respeitar a outra perspetiva, compreendi que, por mais científico que seja o meu espírito, isso não me concede um título superior na maneira de encarar a vida. Que sabemos nós, afinal, acerca de todas estas coisas? A vida é feita de tentativa e erro, acidentes e aprendizagens, não adianta andar a medir certezas, muito menos com a pessoa que amamos.

A Luísa acabou comigo ao fim de pouco mais de três anos de relacionamento. Não teve nada a ver com astrologia nem com crenças metafísicas, nem com fenómenos do espetro da cartomância, com búzios, tarot ou linhas das mãos. Acabou comigo pela razão mais científica e racional de todas: percebeu que não gostava de mim. Tenho-lhe o maior respeito por isso, por ter sido franca, honesta e razoável, e que não tivesse recorrido aos mecanismos de outras dimensões da existência para justificar aquela decisão. 

Curiosamente, tivemos essa conversa estava Mercúrio retrógrado. Também aprendi muito acerca desse fenómeno e do que o Mercúrio, quando parece estar a andar para trás, nos faz ao coração, aos telefones e aos frigoríficos. No meu caso, se poupou nos eletrodomésticos, avariou gravemente o aparelho sentimental. Demorou-me algum tempo, meses, anos, até voltar a funcionar em condições. Até conhecer a Daniela, com quem estou ainda hoje. Quando nos conhecemos, perguntei-lhe de que signo era, em jeito de brincadeira. Respondeu que achava que era Balança, "sou de 23 de setembro". É mesmo. Continuamos, dia após dia, o nosso teste de compatibilidade. Aparentemente, Virgem e Balança até se dão bastante bem.

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