Crónica

Histórias de amor moderno: “Víamo-nos duas vezes por ano. Vivemos assim durante dois anos e meio."

“Depois de tantas mudanças e de tantas conquistas, não queria abdicar da minha independência financeira, e muito menos da minha autonomia enquanto mulher.” Todos os sábados, a Máxima publica um conta sobre como é o amor no séc. XXI, a partir de um caso real.

Emily in Paris (2020).
Emily in Paris (2020). Foto: IMDB
15 de abril de 2023 Maria Olívia Sebastião

Houve um momento em que achámos que tudo ia acabar, porque as coisas boas, quando acontecem, nem sempre acontecem no momento certo. E o momento, por vezes, quando não é certo faz toda a diferença, é até capaz de transformar o que é bom em coisa má.

Namorávamos havia pouco tempo, penso que ainda não tínhamos feito um ano de namoro sequer, quando surgiu a oportunidade por que esperávamos: o meu namorado foi chamado para trabalhar numa corretora internacional de topo. Dito assim parece extraordinário, só que o convite era para trabalhar em Camberra, na Austrália. Precisavam de alguém que fosse fluente em português e que conhecesse especificidades do mercado ibérico para investimentos imobiliários. Não sabia se havia de celebrar ou de chorar: eu tinha acabado de começar a trabalhar como enfermeira numa rede de hospitais privados, para aconchegar o orçamento, visto que o que se ganha no serviço público é muito pouco.

Ele propôs-me que fosse com ele, que haveria dinheiro que chegasse para ambos. Além disso, o estado australiano tinha benefícios fiscais mais que suficientes para nos acolher: éramos um casal jovem, em idade reprodutiva (os termos são frios, mas é assim que somos vistos estatisticamente pelas políticas de acolhimento de países restritivos em relação à imigração), o que nos tornava extraordinariamente bem-vindos.

Só que eu não podia aceitar. Em pleno século XXI, depois de tantas mudanças e de tantas conquistas, não queria abdicar da minha independência financeira, e muito menos da minha autonomia enquanto mulher, cidadã, profissional e, por fim, namorada. Ter um compromisso, um companheiro romântico, e deixar que isso me mantivesse cativa? Nem pensar, a minha mãe não me criou para isso.

Conversámos calmamente sobre o assunto, não houve discussões. O meu namorado, que entretanto já não é meu namorado, é uma pessoa muito calma, é um bom ouvinte e tenta ser compreensivo com os outros. Neste caso, compreendeu o meu ponto de vista, pôs-se no meu lugar. Concordámos em tentar fazer com que resultasse apesar da distância. Tudo isto foi muito rápido: desde o convite até à nossa decisão de prosseguirmos juntos, mas em separado, não passaram duas semanas, sequer. E foi ao fim de duas semanas, estava ele em preparativos para partir para Camberra, quando recebi eu mesma um convite. A rede hospitalar para quem tinha começado a trabalhar abrira uma sucursal em Moçambique meses antes e precisava agora de um reforço de staff, queriam saber se eu estava disposta a mudar-me para Maputo. Uma vez mais, falámos e eu defendi o que sempre defendo: uma mulher quer-se independente e a valer por si mesma, sem precisar de homens que lhe confiram estatuto ou lhe assegurem o rendimento. E uma vez mais ele compreendeu.

Vivemos assim durante dois anos e meio. Víamo-nos duas vezes por ano em Portugal – houve um ano que decidimos cometer a loucura de nos encontrarmos uma vez extra, no hub do Dubai. Foi aí que ele me pediu em casamento. E é por isso que ele já não é meu namorado: eu disse que sim.

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