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Como a primeira-dama, Olena Zelenska, se tornou a arma secreta da Ucrânia

É claro que a mulher do Presidente, Olena Zelenska, está perto daqueles cujas vidas estão a ser devastadas pela guerra – e as suas contas nas redes sociais provaram ser fundamentais. Da história de amor com o Presidente Zelensky ao combate no terreno, até onde vai o seu poder?

A primeira-dama da Ucrânia, Olena Zelenska
A primeira-dama da Ucrânia, Olena Zelenska Foto: Getty Images
11 de março de 2022 às 15:47 Máxima

As legendas são diretas, sucintas e – acompanhadas por imagens a preto e branco de crianças ucranianas mortas pelas forças russas – impossíveis de ignorar. "Estados da NATO! Encerrem o espaço aéreo aos aviões russos! Salvem as nossas crianças, para que as vossas não morram amanhã!", escreveu no passado fim de semana [7 de março] Olena Zelenska, a Primeira Dama, de 44 anos.

Enquanto o Presidente Zelensky tem andado a mobilizar a resistência ucraniana à invasão russa, movimentando-se incansavelmente por entre as ruas sitiadas da capital e fazendo reuniões internacionais por Zoom, a sua mulher, uma guionista de sucesso, tornou-se uma peça chave na campanha do governo nas redes sociais para elevar o moral e acionar o envolvimento da comunidade internacional. Esta semana, lançou um canal por Telegrama para fazer chegar informações confirmadas ao povo da Ucrânia, incluindo conselhos sobre como fugirem e auxílio ao esforço de guerra e para obterem apoio psicológico.

Foto: Getty Images

"Até há 10 dias, a maioria dos ucranianos via Olena Zelenska apenas como a mulher do humorista que era seu Presidente", diz Ievgen Klopotenko, um amigo e bem-conhecido chef ucraniano e ativista pela alimentação, que trabalhou a par da primeira-dama num projeto para melhorar as refeições nas escolas do país. "Mas agora estão a compará-la com Michelle Obama."

O Presidente Zelensky recusou terminantemente um oferta dos EUA para o retirarem do país a ele, à mulher e aos dois filhos, Olesksandra, de 17 anos e uma atriz em ascensão, e Kyrlyo, de 9 anos.

Fê-lo sabendo perfeitamente, segundo diz, que é ele o "alvo número um" dos russos, ao passo que a família… é "o número dois". "Ficarei na capital", tranquilizou ele a população que o elegeu como noviço político que era em 2019, com base num programa populista e anticorrupção. "A minha família também está na Ucrânia."

Exatamente onde, não foi revelado, tendo em conta as ameaças à sua segurança, mas a maioria dos ucranianos acredita firmemente que estão com ele, em Kiev. E nos posts que publica, a primeira-dama torna abundantemente claro que está perto daqueles cujas vidas estão a ser viradas do avesso e devastadas pela guerra.

Fotografada junto à bandeira ucraniana azul e dourada quando os tanques russos rolaram pela Ucrânia adentro, Olena disse aos seus compatriotas: "Vocês são incríveis. Tenho orgulho em viver convosco, no mesmo país".

Foto: Getty Images

E envergou o manto da mãe da nação para dissipar os receios de todos os pais pela segurança dos filhos, à medida que as bombas e mísseis russos caíam sobre civis em áreas residenciais. "Os meus filhos estão a olhar para mim. Não darei largas ao pânico ou às lágrimas. Estarei calma e confiante."

Se os russos, com o seu armamento e número de tropas desmesuradamente superior, estão com dificuldades em obter vantagem na batalha pelas cidades ucranianas, os Zelenskys – marido e mulher, lado a lado – estão a ganhar, sem sequer se esforçarem, a guerra nas redes sociais contra a ciber-astuta máquina de desinformação do Kremlin. E isso pode ser igualmente decisivo no moldar do eventual destino do país.

Desde que começou a invasão, Zelenska tem estado muito publicamente a apoiar o seu marido, a apoiar a sua nação… ou, como ela coloca a questão perante os seus 2,3 milhões de seguidores no Instagram, "a dizer a verdade ao mundo".

"Os ucranianos, por natureza, não confiam nos políticos", reflete Klopotenko, de 34 anos, falando a partir de Kiev, onde transformou os seus restaurantes em cozinhas comunitárias para soldados e civis que estão a lutar para salvar a cidade, e está a publicar receitas nos canais das redes sociais para mostrar aos ucranianos como melhor usarem as suas provisões em declínio para se alimentarem.

"E, assim, desde a eleição do marido, eles também nunca repararam muito nela. Mas agora estão a aperceber-se de que ela é real e que gosta deles."

Uma barreira inicial, sugere ele, foi por que – tal como ele próprio – a primeira-dama foi criada num lar onde se falava russo. "Toda a gente, na Ucrânia, aprende ucraniano na escola, mas quando ela começou, logo de início, a sua carreira pública, era possível ver quão difícil era para ela falar ucraniano publicamente. Falava com erros, mas agora está muito melhor. Quando esta guerra acabar, nunca mais alguém na Ucrânia vai querer voltar a falar russo."

Olena Kiyashko e Volodymyr Zelensky, 12 anos mais velho do que ela, cresceram na região leste da Ucrânia, frequentando a mesma escola secundária na cidade siderúrgica de Kryvyi Rih, a norte da Península da Crimeia, numa altura em que o seu país alcançava a independência, em 1991.

Mas os dois só se conheceram em 1995, na universidade da cidade, uma ex-faculdade mineira, quando ela aderiu a um grupo de teatro que incluía o seu futuro marido. Foi um romance a lume brando, ao que parece, que mais não seja porque ela já tinha um namorado.

Eles eram, recordou ela posteriormente, pessoas com feitios muito diferentes. "O meu marido está sempre na ribalta. Eu não sou a alma da festa. Não gosto de contar anedotas." Em 2003, casaram-se.

Foto: Getty Images

À medida que a carreira dele como artista ganhava projeção, também a dela, como guionista, seguia o mesmo caminho, com aclamadas séries de humor como Liga Smichu (Liga do Riso), apresentada por Zelensky, e Como é que os Cossacos

Ele tornou-se um nome quotidiano nos lares ucranianos com o filme de 2008 Amor na Grande Cidade e a suas duas sequelas. Depois disso, a oferta de papéis não parou de chegar – incluindo a de fazer a voz do Urso Paddington nos recentes filmes britânicos, de adaptação dos contos clássicos de Michael Bond, quando foram dobrados para ucraniano.

Depois veio o papel que alterou a vida de ambos. Ele foi o protagonista na primeira das três series de televisão Servo do Povo, como Vasyl Petrovtych Holoborodko, um professor que empreende uma improvável ascensão até se tornar Presidente da Ucrânia.

Quando a vida imitou a arte, em 2019, e o marido concorreu às eleições, a mulher dele foi, como ela já disse em público, "agressivamente contra este projeto. Não era sequer um projeto. Era um tomar de rumo diferente na vida."

Ela é uma pessoa muito tímida", explica Klopotenko. O projeto dos dois relacionado com as refeições nas escolas – parte de um portefólio que assumiu como primeira-dama, que incluía combater a violência doméstica, problemas ambientais e promover os Paralímpicos da Ucrânia – envolvia longas reuniões com altos-cargos, recorda ele.

"Podia ver-se no seu rosto que ela queria fugir. Ela sabia que eu sentia o mesmo, mas ela captava o meu olhar e nós trocávamos sorrisos."

"Mas ela é também muito empenhada em que haja verdadeira mudança. As pessoas não perceberam isso nela, a princípio."

Tornar-se de repente uma figura pública, admitiu a primeira-dama numa entrevista que deu em 2019 à Vogue ucraniana, significou "novas realidades". Ela estava, acrescentou Zelenska, "a tentar adaptar-se a elas".

Isso significava continuar a passar tempo a trabalhar em guiões no Studio Kvartal 95, na produtora que ela fundou juntamente com o marido e outros amigos da universidade há mais de um quarto de século e, a par disso, a acompanhá-lo em visitas oficiais ao Palácio de Buckingham, ao Vaticano, ao Eliseu, em Paris, e a Washington. "O Presidente e eu queremos sempre representar a Ucrânia de uma forma positiva e forte", disse ela numa entrevista a um jornal americano, na altura.

Mal ela sabia quão literalmente iria em breve estar a concretizar esse compromisso frente a uma audiência global. "Pode ser visto como aquilo que vai ditar o seu sucesso", diz Klopotenko.

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E, embora bem no seu amago seja "uma pessoa não-pública", que "se sente mais confortável na sombra", Olena Zelenska, a relutante Primeira Dama, está a ficar à altura do seu papel ao oferecer sustento e esperança ao povo ucraniano na sua hora mais sombria – e ao apelar aos corações dos russos também.

"Contem isto à mães russas: deixem-nas saber exatamente o que os filhos delas andam a fazer aqui, na Ucrânia", escreveu ela esta semana. "Os vossos maridos, irmãos, compatriotas matam filhos, iguaizinhos aos vossos."

Peter Stanford/The Telegraph/Atlântico Press

Tradução: Adelaide Cabral

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