Como lidar com a ansiedade provocada pela guerra? Uma psicóloga explica
Perguntámos à psicóloga Maria Palha que efeitos têm as notícias sobre os acontecimentos na Ucrânia, a nível psicológico, em quem assiste de longe.

Como lidar com a ansiedade que a guerra cria, de maneira geral, nas nossas vidas? Embora ainda distante…
O facto de assistirmos em direto a esta guerra pode ter quase os mesmos impactos emocionais e psicológicos como em quem vivencia na pele. Se avaliarmos bem de onde viemos em termos de ansiedade, confrontamo-nos com o facto de virmos de um período vulnerável, que junta os três grandes gatilhos em termos de ansiedade: mudança, adversidade e imprevisibilidade.

Está a falar da pandemia?
Sim. A ansiedade é uma emoção difícil, que tem como função ativar-nos fisiologicamente para sobreviver em caso de ameaça. Contudo, pode ser contraproducente quando é intensa e duradoura, pois interfere com a nossa forma de pensar ("estou muito preocupado/a com o futuro e penso muito em coisas catastróficas"), com o corpo (aumento de batimentos cardíacos, problemas digestivos, insónias...) e as reações com os outros e o mundo (as coisas que davam prazer deixaram de dar, tendência para isolamento, difícil ter atividades de lazer, entre outras).
Em termos práticos, o que devemos fazer?

Falar com alguém em quem confiamos (amigo, familiar ou colega) e partilhar os nossos sentimentos também ajuda. Identificar algumas ações que conseguimos controlar e concretizá-las é útil, pois traz a sensação de previsibilidade que a ansiedade nos retira e é bastante útil (arrumações, limpezas, etc..algo que consigamos realizar que só dependa de nós mesmos). Reforçar ou introduzir movimento, atividade física ou outras atividades que possam dar prazer, e fazer exercícios de respiração e grounding. Introduzir ou reforçar hobbies, novos ou antigos, como desenhar, pintar, cozinhar ou ver uma série. Normalmente as atividades repetitivas ajudam a relaxar e a concentrarmo-nos em coisas diferentes. Escrever sobre pensamentos e sentimentos pode ser libertador. Se nada disto resultar, pedir ajuda especializada a um psicólogo pode ser útil, pois cada um de nós é único.
Como devemos explicar às crianças o que está a acontecer?
Idealmente abrimos o diálogo sobre a situação, perguntando o que sabem sobre o que se está a passar, esclarecendo o que é e o que gera uma guerra (quando dois países ou grupos de pessoas lutam violentamente sobre coisas que consideram importantes). É importante falar do que podemos sentir nestas situações e validar as questões trazidas pelas crianças. Medo, revolta, inquietação e ansiedade são comuns e em crianças podem manifestar-se através da alteração do seu comportamento. Por isso devemos estar atentos se existirem mudanças no padrão de sono, de apetite, se regrediram em termos de desenvolvimento ou até se estão mais dependentes e "agarrados" aos adultos em quem confiam.

Reforçar a noção de humanidade que também surge com as guerras é importante nesta fase, pois traz esperança e ajuda a regular a ansiedade do momento. Promove o envolvimento em atividades de apoio à guerra e é útil para a gestão emocional da situação. De forma a construirmos paz e não violência é importante evitar as conversas polarizadas, pois são estas que frequentemente trazem as zangas, as discórdias e os preconceitos.
De que forma devemos lidar com as notícias nas redes sociais, vídeos e tormentas que se cruzam na nossa vida, visualmente?
Sabe-se que a forma como esta guerra nos chega pelos noticiários ou redes sociais podem ter o mesmo impacto emocional que vivênciar a guerra. Reações de stress pós traumático, insónias, ansiedade, alterações de comportamento, de padrões de sono ou apetite são apenas alguns dos sinais de alerta a que devemos estar atentos. De maneira geral a sugestão é que haja uma seleção das fontes de informação de qualidade e verdadeiras. Também se sugere, de forma geral, que haja uma redução da exposição a notícias. Para as pessoas mais ansiosas ou problemas de sono, é mesmo desaconselhado que se vejam notícias à noite, mas sim de manhã.

Para quem sofre mesmo de ansiedade, o que há a evitar fazer, ou o que deve fazer?
- Procurar falar do que se está a sentir com alguém de confiança;
- Escrever o que se sente;
- Envolver-se em grupos de apoio direcionados para a guerra;
- Aprender exercícios de movimento e respiração;
- Reconhecer os sinais de alerta e adequar exercicios de regulação do sistema nervoso central;
- Procurar ajuda especializada, psicoterapia, para conhecer e ajustar ferramentas às necessidades pessoais.
Pode falar um pouco sobre a sua experiência em contexto de conflito armado?

Ao longo dos últimos anos tenho desenhado e intervido em contextos de conflito armado, como Síria, Libia, Ucrânia, Sudão do Sul. Cada conflito tem a sua especificidade e cultura. Em termos gerais, a minha função passa por entender os recursos e estratégias que cada grupo tem para lidar com a crise que vivencia. Esta experiência - juntamente com os contextos de catástrofes naturais (como cheias, furações ou terramotos) - levou-me a concluir que o que define a superação de uma situação de crise, não é o contexto, mas o auto-conhecimento e os hábitos de auto-cuidado que cada cultura tem. Desta forma criei um kit de saúde emocional, uma ferramenta criada com vários especialistas dos quatro cantos do mundo.
