"Escrever é uma forma de me sentir viva". Judite Sousa fala sobre luto, depressão e aceitação.
Ausência, luto, solidão, memória, silêncio. Palavras que todos os dias se articulam na vida de Judite Sousa, agora transformadas em capítulos de um livro, o seu 11º. ‘Pedaços de Vida’ é um testemunho de um tempo e do tempo específico da vida de uma mulher que teve coragem para contar.
Foto: Pedro Ferreira16 de fevereiro de 2023 às 18:04 Nádia Freitas
É ela própria quem o diz: há um antes e um depois de 29 de junho de 2014. O dia em que a vida de Judite de Sousa mudou para sempre, o dia em que a vida do filho, André, chegou ao fim. Quase oito anos depois do acidente, a jornalista confessa que não ficou mais fácil lidar com a ausência. A dor é visível, respira com ela. Afastada da televisão onde construiu uma carreira longa, recheada de êxitos e de momentos históricos, Judite refugia-se na escrita. Lê, pensa, reflete. Às vezes, viaja e, por instantes, despista a tristeza que segue no seu encalço. Aos 62 anos, confessa-se sem metas ou sonhos por realizar, mas nem por isso se demite de analisar o mundo onde vive. É essa a proposta deste Pedaços de Vida (Arena), uma coletânea de reflexões onde observa alguns dos principais acontecimentos da atualidade recente e, ao mesmo tempo, perscruta os ecos que a vida lá fora teve nela. Intimista, mas sem nunca perder de vista o registo de sobriedade (que, de resto, foi sempre uma imagem de marca da jornalista), é um livro delicado, num permanente exercício de equilíbrio. Nas palavras da autora, a vida, tal com ela é.
Caderno de memórias, obra de reflexão e de introspeção, este livro é muitas coisas ao mesmo tempo. De onde veio a necessidade de o escrever?
A necessidade de escrever é uma forma de me sentir viva. A escrita é o meu refúgio. Há muito tempo. Não é de agora. Escrevi o meu primeiro livro há cerca de 20 anos. Este é o décimo primeiro. Escrevi-o para recordar pela enésima vez o percurso académico e profissional do meu filho e para deixar o registo do meu pensamento sobre os principais temas da sociedade contemporânea nestas primeiras décadas do século XXI. Reconheço que o tema do meu filho é o mais mediático, mas o meu livro tem 200 páginas. Escrevo sobre a felicidade, a globalização financeira, as democracias ocidentais, as novas realidades comunicacionais, as consequências da pandemia, o poder das palavras, o valor dos silêncios, a memória, entre muitos outros assuntos.
Foto: D.R
A leitura do livro deixa perceber que passou por várias etapas, após a morte do seu filho, André. Que momento diria estar a viver agora?
Estou a viver a última fase do luto: a aceitação. Ou seja, a integração da ideia de que o meu filho não vai voltar para mim, mas isto não significa que a dor passa ou que é menor do que há oito anos. Pelo contrário, para mim cada dia é pior, porque vejo os amigos do meu filho com os seus filhos e eu não irei ter essa maravilhosa experiência de vida.
Ausência. Uma das palavras que diz definir a sua vida. Como é que se aprende a lidar com a ausência constante?
O capítulo ausência está relacionado com a ausência física do meu filho. Com altos e baixos, tentei aprender a viver sem ter o meu filho a meu lado. Tentei e tento todos os dias.
A solidão, como eu escrevo no livro, é um dos problemas mais dramáticos do nosso tempo, porque está associada ao envelhecimento das sociedades europeias. A pandemia veio revelar ainda mais a extensão do problema. Não há como evitar a realidade.
"Confesso que vivo há muitos anos com os meus silêncios e ainda hoje tenho medo deles." Porquê?
O silêncio está associado à solidão. E à memória. É um caminho difícil e pode ser perigoso.
Foto: Pedro Ferreira
Ao longo da obra, fala abertamente de saúde mental, nomeadamente de depressão. Se tivesse de deixar um conselho a alguém que atravessa um período de depressão profunda, que palavras partilharia?
A dimensão profissional sempre ocupou um espaço muito significativo na sua vida. Como está a viver este afastamento dos ecrãs? O livro denuncia uma certa mágoa em relação ao tratamento que teve por parte da sua comunidade, a jornalística...
A minha identidade profissional fala por si. São 40 anos de jornalismo exercidos de forma honrada. Entrei na profissão por concurso público. Nunca tive nenhum anjo protetor. Nunca fiz parte de lobbies. Também nunca andei em almoços, jantares e tertúlias, nem a entrar e a sair da profissão consoante os ares do tempo. O meu trajeto é conhecido dos Portugueses. Quanto à minha classe, aproveitou as minhas fragilidades emocionais para exercerem violência psicológica sobre mim. Uns fizeram-no de forma cobarde, não citando o meu nome. Outros perderam a vergonha e assediaram-me por tudo e por nada. Irão ser julgados um dia. Fui vítima de inveja profissional. Alguns gostavam de ter o meu currículo, mas não têm. É a vida.
A atriz de 56 anos, conhecida por vestir a pele de Catwoman, não se calou perante o que um internauta lhe disse sobre estar na sua própria varanda, como lhe apeteceu. Eis como retorquiu.