Celebridades

Soraia Tavares: “[Com a Ariel] revi-me na situação de querer ver na televisão alguém como eu e não encontrar”

Conversa com a cantora e atriz sobre o lançamento do seu primeiro álbum “A Culpa é da Lua”, sobre as suas raízes africanas e o orgulho que sente por ser a voz portuguesa de Ariel no novo filme “A Pequena Sereia”.

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24 de maio de 2023 Ana Filipa Damião

Soraia Tavares recebe-nos de sorriso aberto e entre amigos e família no showcase do seu primeiro álbum em nome próprio: um bom pretexto para esta conversa, mas não o único. Aos 28 anos, a jovem orgulha-se do seu currículo como artista, tanto no palco como perante a câmara e até nos estúdios de gravação – fez a voz de Nala no Rei Leão 2, e agora a grande novidade é que também empresta a voz a Ariel no novo filme A Pequena Sereia. Voltando ao disco, que ouvimos ao vivo no Monsantos Open Air, A Culpa é da Lua - lançado a 19 de maio -, conta com temas seus já conhecidos, como é disso exemplo A Beleza Vai Mudar o Mundo, e colaboração com talentos da área, como Left, (António Graça), Ned Flanger, Tayob J e Hilar.

À conversa com a Máxima, Soraia revela como este álbum se traduz num abraçar das suas raízes africanas: começa com sons mais neo soul e termina mais afro, com a presença de crioulo em quase todas as faixas. Revela também a razão pela qual as músicas Dona Joana e A Culpa é da Lua são as suas preferidas: "sempre tive uma fixação pela lua cheia, achava que ela me dava azar. Durante a pandemia sentia que de dia estava tudo bem e, quando chegava a noite, sentia-me mais introspetiva, o que, por vezes, me levava a [sentir] alguma tristeza. Com isto decidi escrever uma canção em que ponho as culpas na lua e explico como ela me influencia".

Ao mesmo tempo, Soraia ainda integra o elenco de Queridos Papás e da série Lusitânia – Cidade Perdida, a estrear em breve.

"A Culpa é da Lua" é o primeiro álbum de Soraia Tavares. Foto: Sebastião Ferreira

Os seus pais são de Cabo Verde. Como é que as suas raízes influenciaram A Culpa é da Lua?

Influenciaram bastante porque o álbum, pelo menos metade, é muito afro. Eu canto 50% em crioulo, portanto acho que é uma das identidades d’A Culpa é da Lua. A minha ascendência cabo-verdiana é das componentes principais do álbum.

Já tinha pensado em incorporar o crioulo nas suas músicas?

Não, as minhas primeiras canções foram sempre em português. Estava a fazer um projeto em que comecei a estudar mais sobre Cabo Verde, a ouvir mais morna (género musical cabo-verdiano), a ouvir mais afrobeat, e foi naturalmente que surgiu o pensamento "e se eu escrevesse esta parte em crioulo?", e aquilo começou a soar-me bem. Senti-me mais livre também como compositora, porque acho que era muito dura comigo na escolha das palavras em português e, de repente, quando comecei a escrever em crioulo, fui muito mais livre. Então decidi "ok, vou por aqui, vou começar a misturar estas duas línguas que são as minhas do dia a dia".

"Dona Joana", uma das faixas preferidas de Soraia, é uma homenagem à sua mãe. Foto: Sebastião Ferreira

O álbum conta com originais seus. Sabe quando foi o momento em que descobriu que tinha o espírito de cantautora?

Sei. Eu só comecei a escrever na pandemia, e foi muito graças ao Vasco Sacramento, que é o meu manager, que estava sempre ali a picar e a dizer "não, tu tens de ter originais" e eu respondia "eu não escrevo, eu não escrevo", ao que ele disse "ok, então vamos para o Great Dane Studios, fazemos lá um writing camp e as pessoas vão escrever para ti", e nesse processo de escrita comecei a perceber "calma (...) eu acho que sou capaz de fazer isto". Fui para casa escrever e saiu-me As Cinco Coisas que Nunca te Disse como poema. E depois começou o processo de querer musicá-lo, e foi assim que surgiu a minha primeira canção do álbum. Não foi imediato, acho que demorei um mês a escrever As Cinco Coisas que Nunca te Disse (...) mas também há uma faixa que se chama Indecisão #parari parara que escrevi numa noite.

Escreve já a pensar na canção que se segue ou usa o papel apenas para desabafar?

Escrevo notas sempre que dizem coisas que acho interessantes ou se vir um filme e pensar "ah, isso é muito interessante, vou apontar", ou mesmo em conversas com os amigos, situações… vou sempre escrevendo para pelo menos ter um mote para quando me sentar a compor. Faço esse trabalho, como se fosse um estudo.

Este álbum
Este álbum "foi um processo de entender o que queria cantar, aceitar as palavras, a língua portuguesa, as minhas raízes e que a minha voz em crioulo tem outro feeling. Por isso, começa e termina em crioulo”, explica a cantora em comunicado. Foto: Tomás Monteiro

Facilita o processo?

Acho que as pessoas fazem isso no geral, vão captando coisas da vida, acho que ainda por cima no pop, é tudo muito…

Muito saturado ao nível das palavras?

Sim, acho que depois a escolha das palavras o é… e é por isso que sou um bocadinho "polícia" comigo a escrever em português, e em crioulo já não sentia tanto isso, porque ao mesmo tempo estava a misturar as minhas raízes com algo português. Não sentia que estavam tão trabalhados ou batidos nesse sentido. Claro que tenho referências, o Dino [d’Santiago], por exemplo, é uma, nesse sentido, e a Sara Tavares também. Há assim vários cantores que fazem essa fusão, como a Mayra Andrade, a Irma também, e eu quis juntar-me a esse grupo.

Como se sentiu a dar voz à Ariel d ‘A Pequena Sereia com toda a controvérsia que houve nos Estados Unidos com o casting da Halle Bailey?

Sinto-me muito orgulhosa por fazer parte [da vozes do filme], porque um dos meus temas principais neste momento é a representatividade. Tenho um tema chamado A Beleza Vai Mudar o Mundo que fala sobre isso, sobre a representatividade e a inclusão, e por isso sinto-me muito feliz por fazer parte deste filme. Eu consigo compreender que haja um afastar, porque mudaram visualmente aquela personagem e que isso possa realmente causar estranheza, pois acho que estranhamos uma coisa que é diferente daquilo a que estamos habituados. Mas, ainda assim, devemos pôr por cima a questão da representatividade, a da qualidade daquela artista, porque ela é muito boa cantora, e acho que traz à personagem uma doçura nunca antes vista.

Ao ver os vídeos daquelas crianças a verem o trailer pela primeira vez fiquei muito emocionada, porque revi-me naquela situação de querer ver na televisão alguém como eu e não encontrar. [A primeira princesa negra da franquia Disney Princess é a Tiana, cujo filme estreou em 2009.]

Soraia Tavares dá voz a Ariel no novo filme
Soraia Tavares dá voz a Ariel no novo filme "A Pequena Sereia". Foto: Tomás Monteiro

Como vê o estado da representação e da música em Portugal em termos de diversidade étnica?

Acho que na música estamos mais avançados do que na representação [com destaque para a televisão]. As pessoas consomem muito mais artistas negros e de outras nacionalidades [na música] do que na representação. Acho que só representamos o quotidiano da vida portuguesa ou do branco [de caucasianos]. Avançámos muito desde que sou atriz, mas ainda assim acho que estamos muito longe da igualdade. A televisão é dos meios mais importantes para incutir a representatividade na sociedade, porque é o mais consumido.

Dedica uma música à sua mãe, a Dona Joana. Qual foi o papel da sua mãe no seu percurso?

Acho que é importante dizer que a minha mãe não é artista, não tem consciência artística das coisas, não tem consciência do papel do artista na sociedade. A minha mãe não tem estudos, também, e ainda assim ela sempre acreditou no meu potencial e nas coisas que eu fazia. Eu canto desde pequena, achava que era às escondidas e que ela não sabia, porque sempre tive muita vergonha de cantar e representar à frente das pessoas, e de repente ela foi a primeira a empurrar-me para a escola de teatro. E por isso ela tem um papel muito importante porque acreditou sempre em mim independentemente das minhas escolhas.

Soraia Tavares com a mãe.
Soraia Tavares com a mãe. Foto: @pequena_soraia

Acha que a indústria da cosmética em Portugal está adaptada às peles negras? À diversidade étnica que existe no país?

Tenho sentido cada vez mais as marcas a quererem chegar a esse tipo de público. Acho que há marcas que realmente têm todos os tons, como a Fenty Beauty da Rihanna, e há outras que ainda estão muito longe de alcançar todos os tons de pele. E acho que me utilizam também como criadora de conteúdo para comunicar isso, mas a verdade é que há todo um leque de mulheres negras e mais escuras do que eu que ainda não têm os produtos certos na maioria das marcas. É importante [as marcas] continuarem a focar-se neste assunto. Há caminho a percorrer, mas estamos mais perto.

Qual é a letra que está mais perto do seu coração?

Vou dizer a Dona Joana, porque conta a minha história e a dela. A frase que eu mais gosto é "posso dar a volta ao mundo mas volto sempre à Portela, uma mão cheia de tudo, outra apoiada nela" e o videoclipe é todo à volta da minha mãe, é a nossa protagonista.

"A verdade é que há todo um leque de mulheres negras e mais escuras do que eu que ainda não têm os produtos certos na maioria das marcas." Foto: Tomás Monteiro

O nervosismo que sente antes de subir ao palco é o mesmo perante uma câmara?

Não, é mais tenso em frente à câmara. Quando dizem "ação" há ali uma coisa qualquer que paira no ar que eu acho que é ainda mais tensa do que no palco. O palco é quase um exteriorizar de imensas coisas (...). Estou mais preparada para as eventualidades que podem acontecer num palco.

Tem um ritual específico antes de atuar?

Não, tento não fazer isso porque tenho a tendência para ser supersticiosa, e então quebro com todas essas coisas. Senão depois fico a pensar naquilo quando estou em palco. É go with the flow, mas com preparação.

"Acho que na música estamos mais avançados do que na representação [com destaque para a televisão]." Foto: Tomás Monteiro

Tem uma presença forte nas redes sociais, não só pelo seu trabalho como artista, mas também ao nível da cosmética e da Moda. Sempre teve esse sentido de estética ou foi algo que foi aprendendo no meio?

Fui trabalhando-o em conjunto com a Mónica Lafayette, que é a minha stylist. É engraçado porque falamos muito disso, como eu era no início e como sou agora. Tenho trabalhado sempre com ela, e de repente olho para uma coisa e já é um match, ela dá-me uma coisa que eu já sei que vou gostar, e foi tudo muito trabalhado. Os "nãos" que eu dizia a peças mais extravagantes e os "nãos" que digo hoje são totalmente diferentes. Sempre me vesti bem e gostei de me cuidar, mas se hoje tenho esta imagem, foi também por este trabalho com a Mónica e com a equipa dela.

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