Maria Luiza Jobim: "Estou em paz, entendi que a minha história passa pela obra do meu pai"
Em turnê por Portugal, Maria Luiza Jobim se reconecta às suas raízes. Uma conversa com a cantora.

O ditado diz que o fruto nunca cai muito longe da árvore. No caso de Maria Luiza Jobim, a família sempre brincou que não era apenas uma árvore, e sim uma árvore frondosa: Antônio Carlos Jobim. Em 1994, com apenas 7 anos, Maria Luiza participou em duas canções ao lado do pai, no álbum Antônio Brasileiro, Samba de Maria Luiza e Forever Green. No ano seguinte, o disco veio a ganhar o Grammy na categoria Jazz Latino. Mesmo com a música na sua história e no seu ADN, Maria Luiza hesitou em seguir o mesmo caminho, estudou arquitetura, flertou com outras artes, como o desenho, mas, no final, o chamamento foi mais forte.
Maria Luiza Jobim se apresenta em Portugal pela primeira vez com seu projeto a solo, que tem seu nome. Azul é o segundo disco - o primeiro, Casa Branca, foi gravado logo antes da pandemia, então as apresentações tiveram que ser online, através de lives. É também o primeiro disco em que é coprodutora, e contou com parcerias com Arnaldo Antunes e Adriana Calcanhoto.

Antes, em 2011, Maria Luiza fez parte da banda de jazz Baleia. Em 2016, criou junto com Lucas de Paiva o duo Opala, dessa vez com viés mais eletrónico. Foi somente agora que se sentiu pronta para assumir de forma completa seu nome e sua herança: ela é, afinal, Maria Luiza Jobim, filha de Tom Jobim.

O primeiro show da turnê foi no Porto, e, esta semana, Maria Luiza apresenta-se em Lisboa e em Coimbra. Falámos com a artista para saber como está sendo a experiência em terras portuguesas.
Quais são as principais diferenças entre o Casa Branca, seu primeiro disco solo, e o Azul, lançado agora em junho?
O [disco] Casa Branca é o meu passado. O Azul é o meu presente. O Casa Branca é uma ode à minha infância, origem, história. É um pedido de permissão para entrar no mundo da música. É sobre o lugar da infância, tanto num aspeto físico como emocional e afetivo. É um disco nostálgico não só pela infância e pela casa, e sim num sentido mais amplo, uma nostalgia pela vida. A Casa Branca é a casa onde eu nasci, no Rio de Janeiro – quando fiz o disco, estava morando em São Paulo.
O Azul tem uma dualidade que me interessa, é luz e sombra. Em inglês, blue é usado para descrever um sentimento de tristeza e melancolia. Mas, no Brasil, é uma expressão de alegria: tudo vai ficar azul. Eu sempre gostei dessa dualidade de dois opostos habitarem a mesma cor. O Azul tem um traço melancólico do isolamento, da introspeção, mas, ao mesmo tempo, é solar. Eu já estava de volta ao Rio de Janeiro quando fiz o Azul. É como se fosse um pouco de pranto, um pouco de praia.

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E, musicalmente, quais as diferenças entre os dois?

O Casa Branca foi produzido pelo Kassin (músico que já produziu trabalhos dos Los Hermanos e Caetano Veloso) ainda tem as referências eletrónicas muito vivas. O Azul é completamente diferente, até porque eu tive mais ingerência na produção, já que eu tive a oportunidade de coproduzir, junto com o Alberto Continentino. É uma formação grande, um team incrível: César Mendes, Arnando Antunes, Adriana Calcanhoto, Felipe Fernandes… O Paulo Braga e o Jaques Morelenbaum eram da banda do meu pai, são monstros sagrados da Bossa Nova. O Jaques trabalhou com o Ryuichi Sakamoto!
Que diálogo estabelecem os dois discos da sua carreira a solo, com seu pai?
No Casa Branca eu só gravei uma música dele, Meditation (Norman Gimbel, 1963), que é a versão em inglês de Meditação (Antônio Carlos Jobim e Newton Mendonça, 1960). Mas há tantas maneiras de se falar dele… Hoje, eu tenho uma maturidade que antes não existia em relação ao meu pai, e assim consigo transitar com mais tranquilidade pela minha história, pelas músicas e pela obra do meu pai. Estou em paz porque entendi que esse também é o meu lugar, a minha vida e a minha história.
Qual a diferença entre estar em uma banda grande, como a Baleia, um duo, como o Opala, e em carreira solo?

A Baleia é uma banda grande de jazz que fazia versões de músicas. O Opala era um duo de música eletrónica em inglês. O Opala foi uma busca pela minha verdade, pela minha singularidade. Acho saudável que eu tenha uma busca por me diferenciar do meu pai. Eu tinha muito medo de repetir, ficar à sombra dessa árvore frondosa, como diz minha mãe. O Opala foi importante para eu encontrar quem eu sou para que eu pudesse sair da sombra, para assim estar junto ao meu pai.

Você é uma pessoa artística de forma muito ampla: desenha, tem uma relação íntima com o cinema e com a literatura... Em algum momento o flirt com outros formatos artísticos te seduziu a ponto de ser mais forte que a música?
Eu vim de uma família de artistas, de uma casa de artistas: minha mãe, Ana Jobim, é fotógrafa, minha irmã, Elisabeth Jobim, é artista plástica, e meu irmão, Paulo Jobim era arquiteto e músico. Eu sempre misturei tudo. Tudo faz parte de uma coisa só. São canais diferentes para se expressar. Eu sempre desenhei muito, então fui estudar arquitetura. Eu sempre flertei com outros meios de expressão. Meu processo de composição tem uma coisa muito sinestésica que transparece nas letras. Tudo se entremeia: sons, cheiros, gostos, cores.
Quais são suas inspirações e referências?
Não gosto de escutar música quando estou compondo um disco porque tenho medo de ter referências muito diretas. Então procuro me conectar comigo mesma enquanto uso as referências que já me acompanham ao longo da vida. Além do Arnaldo e da Adriana, também gosto demais do Djavan. Eles têm essas letras que misturam várias sensações, que é o que eu busco. O escritor que mais me inspira é o Haruki Murakami e gosto muito dos filmes do Charlie Kauffman. São universos oníricos, que flertam com o realismo fantástico. Eu me interesso por um jeito sensível e livre de falar da realidade de cada um.
Como é o processo de composição?
Depende, cada canção vem de um jeito. Às vezes, a canção demora anos para ser feita, outras, vem de uma vez só, tudo pronto, em uma só tarde. É um processo bem caótico, não tem tanto método, mas é importante ter um banco de ideias, que é um exercício bem importante para quem compõe. É uma prática bem comum com músicos guardar as melodias que você faz no meio da rua, a frase interessante que você ouviu num bar. É preciso ter um arsenal de ideias e sensações para depois juntar, reaproveitar, quem sabe pode virar uma composição. Hoje, com telemóvel, não é tão romântico, embora eu seja bem analógica, gosto mesmo de um caderninho.
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E como encara as parcerias?
Eu gosto igualmente de fazer letra, melodia, harmonia, enfim, tudo. A parceria é uma coisa maravilhosa porque é você, é a outra pessoa, e o resultado é essa terceira coisa, uma mistura. Com a Adriana Calcanhoto, eu fiz a música, melodia e harmonia, ela fez a letra. Com o Felipe Fernandes, ele fez a harmonia, eu fiz a melodia, e o Lucas Vasconcellos fez a letra. Agora mesmo, eu estava com o Felipe, mostrei a ele uma música inacabada que eu nunca lancei, pedi ajuda a ele, então ele tornou-se um parceiro.
Há muitos músicos que são formados em arquitetura – você, Tom Jobim, Chico Buarque, Roger Waters… Qual você acha que é a relação entre essas duas áreas?
A arquitetura e a música são áreas simultaneamente lógicas e intuitivas. Há músicos 100% focados na matemática, que enxergam a música de uma forma muito cerebral, lógica. Outros, estão mais preocupados em expressar o indizível. A mesma coisa com a arquitetura.
Como está sendo a receção da turnê em Portugal?
Maravilhoso. Eu fiquei muito surpresa, porque sabia que os portugueses têm um conhecimento grande da música brasileira, mas não sabia que era assim. No Porto, o espaço era grande, estava lotado, com os bilhetes esgotados, e todo mundo cantava junto, foi tão lindo.
Como é sua relação com Portugal?
A minha mãe tem uma relação forte, tem até uma casa aqui. A minha principal lembrança foi o show que o meu pai fez no Mosteiro dos Jerónimos. Eu tinha 5 ou 6 anos. É a idade da minha filha. Então sinto uma espécie de déjà vu. No Samambaia, pode levar crianças, então vai ser meu primeiro show que ela vai assistir. Eu quero até que ela participe do show, mas não sei se será possível.
A artista atua em Coimbra no dia 28/07, no Salão Brazil, as 22h, e de novo em Lisboa, no dia 30/07, no Lisboa Live Sessions.

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