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Bárbara Tinoco: "Não sou do gueto, mas sou da linha de Sintra e queria retratar isso com muita luz"

Fomos a estúdio ouvir o novo álbum com a artista, que explicou à Máxima como foi feito este Bichinho, um disco de amor (de vários tipos e até algum desamor) com o qual alarga o seu espectro musical a outros universos sonoros, mantendo intacta a arte de bem escrever canções autobiográficas, com as quais toda a gente se pode identificar.

Foto: Joanna Correia
24 de abril de 2023 Miguel Judas

Bichinho é nome do novo disco de Bárbara Tinoco, 24 anos, e um dos maiores fenómenos de popularidade da música portuguesa. "Começa de uma forma um pouco triste e depois vai-se tornando mais feliz", tal como a vida da artista nos últimos tempo. "Quando me separei do meu ex-namorado adotei três gatos, os tais bichinhos, e depois conheci o Feodor, meu atual namorado, a quem também, quase sem dar por isso comecei também a chamar de Bichinho", recordou divertida. "A primeira canção que fizemos juntos chama-se também Bichinho e senti por isso que era a palavra que melhor unia os dois universos do disco", explica. Quanto ao álbum, concorda que este reflete muito mais aquilo que também gosta de ouvir. "Continuo a gostar muito daquelas canções de amor [que são uma] "seca", como lhes chamo, e isso continua a notar-se neste álbum, mas também gosto de eletrónica e de hip-hop", assume a cantora, que até arrisca um rap no tema Linha de Sintra, no qual recorda, "de forma bastante positiva", a adolescência no Cacém. A isso também não será alheio o facto de ter contado com quatro diferentes produtores - João André, Rui Pedro Pity, Charlie Beats e o próprio namorado, Feodor Bivol, também ele músico e compositor.

Bárbara tornou-se conhecida do público em 2018, no programa de talentos The Voice Portugal da RTP, embora não tenha sido selecionada pelo júri de então. Entretanto editou dois álbuns e deu recentemente dois concertos lotados na Super Bock Arena, no Porto e um no Campo Pequeno, em Lisboa, onde atuou no sábado, 22, num palco central com capacidade para oito mil pessoas. O concerto de consagração para a maior sala de espectáculos do país, o Altice Arena, está marcado para 12 de outubro do próximo ano. 

Chama-se
Chama-se "Bichinho" o novo disco de Bárbara Tinoco. Foto: Joanna Correia

Bichinho faixa a faixa, pela própria

1 – Ensina-me a Voar

É talvez a canção mais difícil de ouvir do disco, por ser tão diferente de tudo o que fiz até agora. Mas não lhe ficamos indiferentes, porque nos faz sempre sentir algo, seja amor ou ódio (risos).

2 – Chamada não Atendida

Escrevi esta canção durante uma viagem de avião. Estava a atravessar uma fase muito pouco inspirada, fazer este disco foi de certa maneira horrível, não vou mentir, porque achava que tudo o que fazia era mau. Mandei a canção ao Charlie Beats (um dos produtores do álbum) e ele respondeu-me cinco segundos depois, todo entusiasmado, a dizer que a queria gravar e produzir. Achava que era uma canção demasiado pessoal, sobre uma relação tóxica, na qual canto coisas como "Odiavas roupa larga e os tops que eu não usava". Mas quem é que quer saber dos meus dramas amorosos? Se calhar foi por me sentir desinspirada que escrevi tão abertamente sobre mim. Foi a primeira canção que alguma vez escrevi zangada. Antes, mesmo quando as coisas me corriam mal nas relações, punha sempre tudo de uma forma bonita nas músicas, mas desta vez não quis fazer isso.

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3 – Querido ex-namorado

Foi um dos primeiros temas a ser escrito para o álbum e é uma música mais à Tinoco, digamos assim, apesar de ser uma despedida de uma relação que não correu assim tão bem. Desde o início tinha decidido que ia ser um dos singles, mas a primeira versão não me agradou e a canção acabou por se tornar numa verdadeira saga, até ficar como está no disco. 

"Quando me separei do meu ex-namorado adoptei três gatos, os tais bichinhos, e depois conheci o Feodor, meu atual namorado, a quem também, quase sem dar por isso comecei também a chamar Bichinho (...)." Foto: Joanna Correia

4 – Despedida de Solteira

É a música que faz a transição entre dois períodos bastantes distintos da minha vida, da passagem de uma relação tóxica para a pessoa maravilhosa com quem estou agora. A primeira parte do disco é de certa forma mais triste, e agora começa uma outra fase. Este disco não pretende ser uma história, mas tem uma ordem cronológica ao nível dos sentimentos. Todas as pessoas que ficaram solteiras durante algum tempo vão colecionando algumas amizades mais ou menos coloridas, mas quando finalmente se entra numa relação temos de explicar a esses amigos que já não dá para fazer mais pinturas (risos). E eu queria fazer uma canção em jeito de despedida dessa vida, género "obrigada rapazes, mas agora já não estou sozinha". E saiu esta canção, que foi das mais divertidas de fazer e em princípio também vai ser single. 

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5 – Tudo Menos Indiferente

É uma canção muito engraçada, que saiu de mim assim um pouco sem querer. Ou seja, não foi pensada e resultou de um momento em que comecei a escrever coisas muito estranhas, mas depois tudo acabou por fazer sentido, ninguém sabe bem como nem porquê (risos). No fundo estou a dizer que quero ser todas as coisas más para alguém: "quero ser Pepsi quando tu querias Cola, uma barata à tua porta, a água das tuas poças", enfim, aquelas coisas do quotidiano que não são bem más, mas são chatas. E o refrão depois diz, "quero ser tudo menos indiferente, odeia-me só até me amares no fim". 

6 – Bichinho

É a canção que dá nome ao disco e foi das primeiras que escrevemos juntos, eu e o Feodor. É uma canção de amor daquelas assim meio "seca", como costumo dizer (risos), mas com um bocadinho mais de power. Quando nos conhecemos e começámos a namorar fiquei logo com vontade de escrever uma canção, para lhe dizer como me queria lembrar dele no futuro. Porque achava que as coisas iam mais uma vez correr mal e acabar como sempre acabam, num desastre total. E escrevi esta canção porque fiquei e continuo muito apaixonada por ele, quase como se quisesse emoldurar quão feliz fui com ele naquele bocadinho. Há pessoas que, quando tudo acaba, nunca mais queremos ver, e há outras a quem só desejamos tudo de bom na vida e o Feodor é uma dessas pessoas, embora nem me passe pela cabeça separar-me dele (risos).

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7 – Linha de Sintra

Este tema foge um pouco à temática do disco e até àquilo que eu costumo fazer, mas desde sempre tive o desejo de fazer um tema mais hip-hop e esta foi a primeira vez que rappei mesmo à séria. Fui eu que construi o flow e estou muito orgulhosa e contente com isso. É uma espécie de apanhado da minha adolescência e da minha vida, antes de me tornar famosa. É acima de tudo uma música feliz, porque queria dizer a todas as meninas que hoje estão a apanhar o mesmo autocarro e o mesmo comboio que eu apanhei e acham que os sonhos são impossíveis de cumprir, que "hoje estou na tv mas sou a mesma miúda da linha de Sintra". No fundo queria fazer uma canção para inspirar as pessoas que vivem no mesmo sítio de onde eu vim. Sou de São Marcos, no Cacém, e o meu compromisso, com esta música, foi apenas ser 100% verdadeira, sem exagerar nada, para não parecer algo que não sou. Não sou do gueto, mas sou da linha de Sintra e queria retratar isso com muita luz e esperança. Como eu digo na letra, "agora sou embaixadora, mas antes estava lá no call center". Ou seja, antes de ser embaixadora da MEO, como sou hoje, trabalhei mesmo num call center da MEO, portanto a vida dá mesmo muitas voltas. 

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Bárbara anunciou um novo concerto de consagração para a maior sala de espectáculos do país, o Altice Arena, onde atuará a 12 de outubro do próximo ano.
Bárbara anunciou um novo concerto de consagração para a maior sala de espectáculos do país, o Altice Arena, onde atuará a 12 de outubro do próximo ano. Foto: Joanna Correia

8 – Ai, ai

É a única canção do disco que não é autobiográfica, pois é sobre violência doméstica. Escrevi o refrão durante a adolescência, quando tinha 16 anos, e sempre gostei muito dele. E um dia vi o filme Medo, que tem o Renato Godinho e a Lúcia Moniz como protagonistas e isso inspirou-me a escrever o resto da canção. A interpretação do Renato é tão boa que durante algum tempo até fiquei com medo dele. Já lhe disse e hoje brincamos com isso, mas se antes disso me cruzasse com ele na rua era capaz de passar para o outro lado (risos). Os versos soam como uma sirene e estou mesmo orgulhosa da canção, porque funciona como uma metáfora perfeita para a violência doméstica e de género, de uma forma muito bruta e bastante direta ao assunto. Se não tivesse sido eu a escrever ficava com inveja.

9 – Quero

É a única participação que tenho no disco, do Feodor, claro, que não é cantor, mas canta um bocadinho. Ninguém gostava desta canção, mas eu gostava muito dela e mostrei-a ao João André (outro dos produtores do álbum), que concordou em gravá-la. Foi difícil, porque tem uma letra muito grande, mas acabou por ficar uma canção assim meio idílica e utópica sobre tudo aquilo que queremos fazer com quem gostamos. Foi o único tema feito com a participação dos quatro produtores do disco, o João André, o Pity, o Charlie e o Feodor, e é talvez a mais egoísta de todas, porque a fiz para mim.

10 – Síndrome de Impostor

Era indiscutível para mim esta não ser a última. Foi algo que ficou decidido ainda antes de ter disco. Se as pessoas ouvirem o disco todo e gostarem, ficam a saber que o fiz a achar que estava mau. Se por outro lado não gostarem, olha, está aqui a explicação (risos). O refrão fala de algo que tenho sentido a minha carreira inteira, esse tal síndrome de impostora. Basta lembrar a forma como o meu manager, um beto da Foz, pegou numa miúda sem graça da linha de Sintra, com acne e aparelho nos dentes, e apostou tudo nela, com toda a gente a dizer-lhe para não o fazer. Eu gostava de escrever canções mas não era artista e se hoje o sou é devido a um enorme trabalho de equipa. Escrevi esta canção naquela fase em que achava que tudo o que fazia era mau. Fi-la em conjunto com o Feodor, em casa, ao piano. Quando a acabei nem sequer lhe mostrei, achava que estava tão má que até me fui deitar zangada. Mas no dia a seguir fui ouvir e gostei, se me estava a sentir assim, sem inspiração, era sobre isso que a canção devia ser. Acabou por se tornar uma canção muito importante para mim e hoje é uma das minhas preferidas do disco.
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