Randi Charno Levine. Uma hora com a embaixadora dos EUA em Portugal
Esta semana, uma série de conferências sobre a democracia celebram a arte que passa pelas embaixadas americanas no mundo. Encontro com a embaixadora americana na sua residência onde um sem fim de obras tentam espelhar o mundo e as suas inquietudes.

É preciso subir as colinas da Lapa, em Lisboa, para avistar a Casa Carlucci. Tem nome de filme, hollywoodiano ou de outra época, este antigo palacete construído em 1878. O governo e a burocracia americana começaram a operar aqui em 1927. Antes de chegarmos, ouvimos vozes alegres de crianças a brincar, no recreio do Colégio Sagrado Jesus, observámos a fauna de nómadas digitais nas esplanadas com computadores portáteis.
Estamos numa das zonas mais cosmopolitas da cidade, o português começa a escassear nos menus dos cafés, onde os nómadas se aplicam no teletrabalho feito à distância de vários países. Assim que chegamos à Carlucci House, acedemos a uma sala de espera, onde somos recebidos pela equipa da embaixadora dos EUA.

Randi Charno Levine recebe-nos no topo de uma gigantesca escada de madeira, ao seu lado está um pequeno desenho do icónico artista queer Keith Haring e outro quadro com uma simples frase, "Ain’t I a Woman" ("E eu não sou uma mulher?") do escultor afro-americano Hank Willis Thomas. "Achei que poderia ser algo engraçado e um pouco irónico, uma vez que sou apenas a segunda mulher a exercer funções como embaixadora aqui em Portugal. Investiguei esta peça e a frase nela escrita foi dita por uma abolicionista e ativista dos diretos das mulheres afro-americanas (chamava-se Sojourner Truth), lutou pela igualdade das mulheres", diz-nos Randi.

Com um olhar claro e direto, fala de forma rápida e com um pensamento que se revela extremamente organizado. "Tenho orgulho no que a administração de Biden fez colocando mulheres em altas funções de poder, sinto que quando vim para Portugal, enquanto mulher, houve áreas nas quais tive de trabalhar mais e preparar-me para ser aceite como uma pessoa que fala de negócios ou cyber segurança... Trabalhei para ter a certeza que estava a representar o meu país de forma tal que o género não fosse algo importante."

Perguntamos então a Randi se é mais difícil quando se é mulher? É preciso trabalhar mais? Sorri, faz uma pausa, "às vezes sim, outras não. Uma mulher tem muitas vezes a propensão para ser intuitiva e sabe lidar com pessoas, consegue ter os mesmos resultados através de um processo suave – se ser suave for uma opção. Em Portugal tenho sido bem recebida, impressiona-me a paridade no governo, sei que tem sido feito um esforço para tal."
Nas redes sociais, Randi cultiva uma imagem dinâmica, podemos vê-la ao lado de figuras de estado como Marcelo, ou o diretor do FBI, mas também podemos acompanhar o palpitante desafio que lhe foi feito, há alguns meses, pelo surfista Garrett Mcnamara. Aventuraram-se num jet-ski, cortaram as ondas da Nazaré que atraem multidões do mundo inteiro. "Estava nervosa, confesso, só que não podia perder esta oportunidade, queria também honrar esta paisagem tão importante para Portugal e aquilo que tem feito relativamente ao turismo local." Caminhamos ao seu lado, o chão de madeira da embaixada faz os saltos altos de Randi ecoar na gravação da nossa conversa, guia-nos pelos corredores onde uma fotografia de Helena Almeida se cruza com uma imagem inesquecível de Nan Goldin – fotógrafa americana e celebre ativista dos direitos LGBTQI+, há mais de quatro décadas que documenta a comunidade, sobretudo na época em que os governos evitavam evocar os homossexuais que morriam vítimas de sida. Nan Goldin já os tinha tornado centrais no seu trabalho.



Na embaixada, as velas de Fátima por si fotografadas são esmagadoramente belas e simbólicas. "Para mim a arte é sobre passar mensagens, as pessoas juntam-se através das artes em geral e falam dos seus sonhos, preocupações, falhas ou desafios. Aqui estamos a representar a diversidade dos EUA, por isso quis que esta coleção (pensada com a curadora Ana Sokoloff) fosse sobre vozes contemporâneas, e que fossem evocados temas de agora, queria falar de problemas contemporâneos, e mesmo na maneira como coleciono arte tento celebrar a diversidade." A embaixadora fala agora sem pausas. "E, por isso, sim, tenho 50% de mulheres, uma forte representação LGBTQI+ e artistas afro-americanos, asiático-americanos, judaico americanos, palestino-americanos, irano-americanos (...) são estas vozes que penso ser importantes, falam dos problemas das suas comunidades e falam ao mundo, lideram na democracia e na representatividade."
Randi abre uma porta de vidro que dá acesso a um gigantesco jardim nas traseiras da casa. "Vejam o que tenho ali ao fundo, veio da parte da minha amiga Joana Vasconcelos". Olhamos para um bule de chá gigante e metálico, onde mais tarde se vai sentar para uma fotografia, como Alice num País de Maravilhas, a arte internacional presente consegue dialogar com a comunidade de artistas portugueses.

Como reagem os nacionais à sua presença, quando os visita os seus ateliers ou galerias? Perguntamos.
"Muitas vezes ficam surpreendidos por uma embaixadora se querer encontrar com eles, mas o meu background é precisamente artístico, os artistas sabem que sou autêntica, dizem-me que os percebo, que sou uma deles." Assim conheceu Sam The Kid num encontro de diplomacia à volta do hip-hop e levou cantores da diáspora portuguesa a celebrar o Black History Month. Gospel foi dançado na Casa Carlucci.
O seu papel de embaixadora estreita as relações entre Portugal e os EUA.
O programa Art In Embassies, tenta tornar visível a arte americana nas embaixadas de todo o mundo, celebra o seu 60º aniversário com uma série de conferências sobre a democracia em Portugal. Artistas portugueses juntam-se aos debates na Gulbenkian, na Universidade Católica ou na Fundação EDP. Randi dirige-se para o centro de assoalhada principal, onde está uma pintura de Kehinde Wiley, Barack Obama foi por ele pintado para a Smithsonian National Portrait Gallery, fez História tornando-se o primeiro artista negro assumidamente gay a pintar um retrato oficial de um presidente. A tela que está exposta em Lisboa é impressionante, o barroco mistura-se com a linguagem do streetwear, um negro deverá ser um próximo delfim.

Esta curadoria vincadamente LGBTQI+ entusiasma-nos e também nos intriga. Em Portugal contam-se, apenas por uma mão, as figuras do meio político a assumir a sua sexualidade publicamente. Perguntamos a Randi se a força LGBTQI+ das obras presentes na coleção da embaixada nunca suscitou reações negativas nos seus convidados. Responde: "o meu trabalho apresenta os EUA às pessoas em Portugal, apresenta a nossa visão de igualdade e justiça social, nunca senti nenhuma negatividade, se ela existe nunca me foi dirigida. E sobretudo, eu não estou a dar sermões a ninguém." Vira-se para uma fotografia de Catherine Opie na qual são fotografados tecidos pendurados, "é uma fotografia do guarda fatos da Elizabeth Taylor e acho isto muito cool, algumas obras de arte são expansivas outras mais subtis, as pessoas podem dar-lhes a importância que querem, e eu só tenho recebido positividade. É óbvio, as pessoas podem ver muitos layers diferentes numa obra de arte." Randi foi membro do "Friends of the Costume Institute" do Metropolitan Museum of Art.

Na Casa Carlucci passamos perto de uma fotografia sua ao lado de Anna Wintour. "Para mim a moda é também uma forma de autoexpressão. A moda consegue dar-te uma espécie de instantâneo de uma época e não estou a falar de roupas caras, estou a falar de como as pessoas se exprimem. É como a arte de alguns períodos e para a qual as pessoas agora olham... Se pensarmos em mulheres como Paula Rego ou Beatriz Gonzalez, nos anos 60, percebemos o trabalho extraordinário que estavam a fazer e como era representativo daquele momento, na altura não eram de todo reconhecidas por tal." A arte como mote de esperança ou um novo sonho americano.

