Soraia Chaves. "Vou sempre à procura de mais. Angustia-me a estagnação."
Há qualquer coisa de magnético e raro em Soraia Chaves e nada tem que ver com a sua beleza evidente. A atriz, que também é rosto da Intimissimi, assume as suas contradições, deixando entrever as camadas que fazem dela uma descoberta sem fim.
Cinco irmãsO facto de sermos seis mulheres em casa, incluindo a minha mãe, foi algo muito marcante para mim. Esse universo feminino, a força e a segurança que ele sempre me transmitiu, acabou por marcar muito a minha personalidade. É um suporte muito grande crescer rodeada de mulheres. Não só me deu uma grande estrutura, como fortaleceu as minhas caraterísticas femininas, fazendo de mim a mulher que sou: sem medos, sem julgamentos, sem limites. Eu acho que todas as minhas irmãs são um pouco assim, mulheres fortes, mas ao mesmo tempo delicadas. Há força mas ao mesmo tempo sensibilidade e romantismo e essas são características partilhadas por todas.
Assuntos de famíliaTive imensa sorte, neste aspeto. Acho que o respeito pela individualidade foi mesmo a grande herança que os meus pais me passaram. Eles souberam respeitar a individualidade de cada uma das cinco filhas como também a do próximo. Ensinaram-nos que cada pessoa é um indivíduo e nunca deram espaço a grandes moralismos, o que traz uma enorme liberdade. No entanto, passaram-nos valores fundamentais, como o respeito e a honestidade. Fazem parte da minha base, da minha estrutura. O meu pai era o único homem em casa: adorava-nos e era adorado por nós. Sempre foi uma pessoa muito calorosa e gostava de brincar e de viajar connosco. Essa relação, a de filha e pai, é de um constante enamoramento, sinto isso. Sei que por muito longe que eu vá, tenho sempre ali a minha família, aquela casa, no regresso. Isso dá-me uma enorme segurança. É o apoio incondicional de que preciso, é um enorme privilégio e uma tranquilidade para a vida.

Liberdade!
Liberdade!

Em sintonia com a naturezaCresci perto do mar e isso para mim foi muito importante. Ainda hoje reconheço esse poder energizante dos elementos da natureza, seja a praia ou a floresta. Nesse contacto direto, sinto que entro numa zona de tranquilidade e de alimento. É uma questão de energia e de descanso da mente. Nem sempre o tenho porque vivo na cidade (e adoro), mas gosto de viver entre uma coisa e outra… Eu não sei se essa paz que a natureza me traz terá algo a ver com misticismo. A verdade é que não nasci com essa sensibilidade ou consciência… Foi algo que eu fui ganhando com o passar do tempo. Fui percebendo aquilo que me afeta, o que me equilibra, como é que o meu corpo reage aos diferentes estímulos… Já houve fases da minha vida em que eu não tinha consciência nenhuma e essa tomada de consciência revelou-se muito benéfica. Tornei-me mais atenta àquilo que sinto.
Saber ouvir o corpoEu vivo de uma forma muito intuitiva. Tenho uma vida bastante stressante, fases em que há muita angústia e ansiedade. É importante encontrar ferramentas para contornar estas questões e viver melhor. A questão do stress afeta muita gente e é importante saber aliviá-lo. Por exemplo, comecei agora a fazer yoga. É uma descoberta recente e ainda não sei que impacto vai ter na minha vida, mas surgiu precisamente dessa necessidade de aplacar o stress e a ansiedade. Sei que tal como temos de trabalhar o corpo para ter forças para andar, também temos de acalmar a mente para ter forças para continuar. Eu tenho vindo a perceber que durante um tempo negligenciei esse fator, o que não me trouxe qualquer benefício. Houve aqui uma decisão consciente de que era preciso mudar.
Exercício de autoanáliseAnaliso-me bastante, mas continuo sem encontrar grandes respostas. Um dia quero ir numa direção, no outro dia quero ir noutra. Tem a ver com a liberdade que eu sinto. É um pouco difícil compreender-me, reconheço, até para mim própria. Há aqui alguma insatisfação, aquela coisa clássica de querer sempre algo mais, de não se estar contente com o que se tem. Eu acho que faz parte de mim. Se observar a minha vida, percebo que me fui movimentando sempre assim, movida por esse sentimento de querer procurar mais, de querer algo diferente. Tem a ver com a minha personalidade, mas também encaixa bem na minha profissão. Há um enorme prazer em descobrir outras visões, outras formas de estar, em pôr-me na pele de outras mulheres e aprender com elas.

O poder das personagensEu tenho aprendido muito com as personagens que tenho interpretado. Tive uma experiência absolutamente incrível que foi a de poder interpretar a Natália Correia [na série Três Mulheres, da RTP]. É uma personalidade riquíssima e com um mundo vastíssimo. A Natália não era um mundo, era uma galáxia. Tem facetas em relação às quais eu não me aproximo de todo, como, por exemplo, o seu ativismo. Identifico-me com o seu lado mais poético, mais sonhador. A adoração do feminino. Amei conhecer isso através dela e da sua poesia. Ela tem uma visão muito bonita da mulher e do poder do feminino, sobre a ligação do corpo e do espírito com o universo… O seu lado mais místico com a referência aos astros. Tem simultaneamente um lado sonhador, uma forma de estar e de olhar para o mundo que não é exclusivamente terrena. Isso dá-nos uma amplitude muito rica sobre a vida. Mudou-me, sobretudo na altura em que eu estava mergulhada na personagem. (…) No meu trabalho tento procurar sempre o desafio. Há personagens que aparentemente são mais simples, mas isso também pode ser um desafio. Cada pessoa, cada mundo, é um desafio enorme. Essa é precisamente uma das condições para aceitar um projeto: o facto de ser desafiante ou não. Depois há outros fatores que pesam como, por exemplo, saber que vou trabalhar com alguém que admiro muito e com quem vou aprender. Eu penso sempre naquilo que aquela experiência me vai acrescentar.
No princípio de tudoO Crime do Padre Amaro foi o meu primeiro trabalho enquanto atriz. Quando penso no projeto, penso em dois momentos: o do fazer, do estar lá, e o do sucesso que o filme teve quando estreou. Eu lembro-me do enorme entusiasmo que senti (porque eu queria muito ser atriz e andava à procura de escolas de representação quando surgiu essa oportunidade) e do medo e da insegurança porque sem ter experiência alguma entrei logo numa grande produção e com o papel de protagonista. Lembro-me de estar sempre muito tensa e acho que não falava sequer. Depois os efeitos colaterais foram esmagadores. Foi uma surpresa absoluta [o sucesso que o filme teve] e ultrapassou-me. Fiquei muito assustada. Impressionou-me muito que, a dada altura, se tenha deixado de falar do projeto para se passar a falar de mim. Porquê? Isso fez-me muita confusão, essa transferência entre o papel e a vida pessoal. Foi muito estranho. Senti necessidade de me afastar. Fui estudar para Madrid e antes disso estive em Nova Iorque. Eu não queria mesmo estar cá. Foi esmagador. (…) Se eu tivesse permitido, se me tivesse limitado a essa dimensão da sensualidade, isso teria sido limitador. Nesta indústria [do cinema], seja em Portugal ou no estrangeiro, existe muito essa tendência para se marcar um ator em função de determinadas características, como se lhe pusessem um carimbo que diz: "Este ator serve para este tipo de papel." É preciso contrariar isso.
A gestão da carreiraHoje há atrizes a fazer filmes internacionais. Eu nunca criei muitas expectativas sobre essa possibilidade. A minha postura em relação a este assunto sempre foi: ‘Se tiver de acontecer, acontece.’ Eu nunca quis perseguir esse objetivo a toda a força... Nem quando estive a estudar fora, no período em que vivi em Madrid. Preferi concentrar-me na minha aprendizagem. Estava bem assim. Esse não é um objetivo que tenha traçado, ainda que esteja disponível para ele. Neste momento estou a fazer a telenovela Alma e Coração [na SIC]. Já tenho 14 anos de profissão e esta é a terceira novela que faço. Tenho tomado essa opção de parar sempre depois de uma novela, para ter oportunidade de fazer outras coisas… Tenho uma agência que me apoia, mas sou sempre eu que tomo as decisões em relação aos projetos em que participo. Tem a ver com a minha liberdade. Sigo muito o meu instinto. Eu já tive fases em que senti que precisava de parar e não fiquei preocupada se ia ficar sem trabalhar durante um ano ou dois porque senti, enquanto mulher, enquanto pessoa, que ia precisar desse tempo para crescer noutras direções. E isso, em última análise, iria enriquecer-me enquanto atriz. Eu não sinto a pressão de estar sempre a "surfar a onda". Deixo-me levar. Pelo menos tem sido assim até hoje e não sinto a necessidade de estar sempre a aparecer e de estar sempre ativa.

Jogadora de equipaEu gosto muito de ter bom ambiente de trabalho e considero isso fundamental. Tenho uma característica que me parece muito positiva: olho realmente para o outro. Não sou nada egocêntrica. Em todos os meus trabalhos tenho essa consciência de que sou apenas mais um elemento e que todas as outras pessoas são um elemento tão importante quanto eu. Acho que isso não só descomplica muito as coisas como torna o trabalho em equipa muito mais fácil. Não sinto que o meu ego esteja presente no meu trabalho. Nem sou de todo competitiva. Eu gosto muito de pessoas, de interagir com elas. É aquilo de que mais gosto nos meus dias.
Ir e voltarAdoro viajar! As viagens são qualquer coisa que faz parte de mim. Desde muito cedo que eu soube que tinha essa necessidade de explorar… Aliás, cheguei a pensar que queria ser jornalista e só depois é que percebi que o que queria mesmo era viajar, fotografar, conhecer coisas diferentes. Tinha tudo [só] a ver com essa necessidade. Vou ao improviso, sem ter as coisas programadas. Já viajei sozinha e gosto, mas normalmente vou acompanhada. Prefiro partilhar a descoberta. Se forem destinos mais calmos, como São Tomé e Príncipe, onde estive recentemente, fico bem sozinha, dedicada a mim própria, à minha introspeção, à leitura.
Frente ao espelho[Gosto da minha companhia], mas há dias em que não tenho paciência para me aturar. Fico chata, não aguento ouvir-me. Mas sou mais chata para mim do que para os outros. Outras coisas que me irritem em mim? A distração. O facto de não me conseguir organizar. Isso chateia-me muito. Sou terrível nas questões práticas e estou sempre a perder telemóveis... Às tantas é melhor aceitar… Eu já tenho 36 anos e nunca mudei até hoje. [O que vejo quando me olho ao espelho?] Penso que já fiz uma parte do caminho, mas ainda há muito caminho pela frente. A viagem nunca acaba. Há momentos em que eu olho para mim e é como se não percebesse bem quem sou, ainda. Como se estivesse em construção. Às vezes isso pode tornar-se um pouco angustiante, dependendo das fases. Sou muito exigente comigo.
O poder da lingerieFoi muito fácil aceitar o desafio da Intimissimi para me associar à marca. Não me podia identificar mais com esta ideia de empoderamento feminino associada à lingerie. Gosto desta mensagem de que a mulher, através da lingerie, se pode sentir segura e confortável na sua pele. Eu tenho essa feminilidade na minha natureza. Tenho orgulho disso. Houve uma altura da minha carreira em que senti essa necessidade de me resguardar por causa de uma personagem. Mas falando como mulher, só posso dizer que admiro e adoro esse lado do feminino. É algo que deve ser respeitado e apreciado. Aliás, fiquei muito lisonjeada com o convite. A nível internacional, a Intimissimi escolheu para a atual campanha a Sarah Jessica Parker, que já não é uma miúda. Aqui, em Portugal, também quiseram, objetivamente, escolher uma mulher. Achei isso bonito. Gosto que não se faça essa associação direta entre a lingerie e um corpo jovem. Gosto de representar essas mulheres.
O passar do tempoHouve uma fase em que eu vi o meu corpo a mudar. Foi evidente. Na altura, não podia estar mais descontraída em relação a isso. Talvez pelo facto de o meu trabalho ter sido tão marcante e tão falado pelo aspeto físico, quando o meu corpo começou a mudar não dei grande importância a essa circunstância. Pelo contrário. Pensei: "O corpo está a mudar, mas eu não sou só um corpo. A idade está sempre a transformar-nos e eu agora sou assim." Sempre me aceitei. Depois, passei para outra fase em que pensei: "Bom, isto vai continuar a mudar e talvez eu possa fazer alguma coisa para continuar a sentir-me saudável, para continuar a sentir-me bem." Confesso que a determinada altura talvez tenha negligenciado um pouco o meu corpo. Eu não fazia exercício, não queria saber… Mas hoje já vou tendo uma nova consciência sobre aquilo que me faz bem. Começo a sentir que o corpo já não reage tão bem e que posso ter alguns problemas (por exemplo, na cervical). Foi isso que começou a assustar-me. A estética é importante, mas não foi ela que me moveu. Comecei a fazer acupuntura e yoga e estou cada vez mais informada sobre os alimentos e sobre o funcionamento da mente. Estou a aprender. Eu quero ter vitalidade, mobilidade, força. Preciso cuidar-me. Tem a ver com o meu bem-estar e com o querer envelhecer bem.
