Entrevista Sarah Ferguson: "Eu e Diana enfrentámos a pressão dos tablóids sozinhas e isoladas na família real"
Não há portas fechadas ou tabus na conversa com Sarah Ferguson. Em Portugal para lançar o seu primeiro romance, 'Onde me Leva o Coração', a duquesa de York, em entrevista à Máxima, fala do livro, mas também do modo como este reflete a sua relação com a imprensa, com a família real e sobretudo com a princesa Diana. Mas também da importância de ter encontrado a sua própria voz.

"Trate-me por Sarah. Levei muito tempo a ser apenas Sarah." O pedido inesperado aparece a meio da conversa, quando o tom se torna mais intimista entre entrevistada e jornalista. Uma autêntica conversa de mulheres sobre a vida, o amor e a dádiva de si. Aos 62 anos, Sarah Ferguson, duquesa de York, mãe de Beatrice e Eugenie, continua a ser definida, aos olhos do mundo, pelo facto de ter sido casada com o Príncipe André de Inglaterra (entre 1986 e 1996) e dele se ter divorciado, num processo turbulento que fez as delícias dos tablóides. No entanto, afirma que "faria tudo da mesma maneira" porque "o que importa é o sentido que damos ao que nos acontece".
Veio a Portugal lançar o seu primeiro romance, Onde me Leva o Coração (edição Penguin Random House), em que mergulha na história da sua família e conta-nos a vida nada convencional de Margaret, segunda filha dos duques de Buccleuch, seus tetravós. Com ela, traz toda uma galeria de mulheres decididas a romper o apertado espartilho social em que a família e a sociedade as metia do berço à cova, incluindo Louise, a mais desconhecida das filhas da Rainha Vitória. Uma relação de sororidade e apoio mútuo que lembra à autora a relação que ela própria teve com Diana de Gales.

Como é que decidiu escrever um romance histórico, tendo por protagonista uma antepassada sua?
Sempre quis escrever um romance e a verdade é que começar uma carreira aos 62 anos é muito excitante. Mas, antes de mais, quis investigar os meus antepassados e perceber de onde vinham a coragem e a força com que, de maneira geral, encaro a vida. Ter encontrado a figura de Lady Margaret, que, de facto, era minha antepassada, fez-me compreender o que sou. Foi como encontrar um mapa do tesouro, quanto mais encontrava, mais queria saber. E percebi que ela era muito parecida comigo: para além de também ter sido ruiva, era robusta, resiliente, mas também preocupada em ser justa e em dar atenção aos outros.


Neste livro encontramos também outras personagens femininas muito fortes e à frente do seu tempo, como a princesa Louise, talvez a menos convencional e conhecida das filhas da Rainha Vitória…
É muito interessante perceber que a rainha Vitória e o príncipe Alberto tiveram nove filhos e sabemos bastante sobre eles. A mais velha, que a família tratava por Vicky, casou com o príncipe herdeiro da Alemanha e foi mãe do Kaiser Guilherme. Todas as outras filhas e netas foram casando por esta Europa fora, em várias monarquias, tornando verdadeiramente a rainha Vitória uma espécie de avó da Europa. A princesa Louise foi sempre diferente e foi muito corajosa em assumir o seu amor pela Arte, dedicou-se à fotografia e à escultura e parece que tinha muito talento. Nessa altura, isso exigia muita coragem a uma mulher, fosse filha da rainha ou de outro meio social qualquer. Não se esperava que as mulheres fossem artistas, pura e simplesmente. Por outro lado, foi uma mulher que amou vários homens ao longo da sua vida, o que era muito pouco adequado na época.
No seu livro há outra mulher muito interessante, dum meio social muito diferente - é viúva dum soldado inglês morto na Guerra da Crimeia -, que tenta ajudar as crianças que vivem na maior miséria, na Londres industrial do século XIX

É tão curioso que me tenha falado nessa personagem, de que nem sempre me falam. A doçura dela é baseada na minha madrasta, Susan, que entrou na minha vida quando eu tinha seis anos e foi de uma extrema doçura.

Saudades de DianaNeste livro também fala de si por interpostas personagens?

Posso dizer que sim. Repare na dinâmica entre a princesa Louise e Lady Margaret: a primeira sabe que não pode fazer determinadas coisas, que está constrangida pela sua posição, e a amiga, pela liberdade que procurou, pode. Em determinado momento, senti que estava a reflectir a minha própria relação com Diana.
Que foi uma amizade muito bonita…
Muito mesmo.

Ainda tem saudades dela?
Meu Deus, tantas!


Eram como irmãs?
Não duvide, Maria João. É verdade que ainda não havia redes sociais, mas os tablóides eram muito cruéis connosco e nós não podíamos responder. Mesmo que o fizéssemos, de nada serviria. O mal estava feito. A Diana e eu aproximámo-nos cada vez mais porque enfrentávamos esta pressão e estavamos sozinhas e isoladas na família real, frente a isto, o que piorou depois de ambas nos termos divorciado. Quando ela morreu, fiquei só eu. E foi muito solitário, posso dizer-lhe.
Pensei muito na sua história, ou pelo menos na parte pública da sua história, ao ler o seu livro, que ainda não terminei porque estou a gostar muito e quero que ele dure…

Ah, mas vai ser publicado outro no princípio de 2023.
Isto para lhe dizer que todas nós vimos o seu casamento na televisão (eu era uma teenager e tive alguma inveja porque, afinal, a duquesa não só estava a casar com um príncipe, como estava a casar com o príncipe mais bonito), todo aquele glamour real e depois constata-se que nem tudo é fácil nessa vida…
O avesso do glamour é pesado. A pressão é gigantesca.


Sofreu muito?
Foram tempos duros. Mas, sabe, faria tudo outra vez, não me arrependo. Quando penso em que tudo o que vivi - e, por favor, trate-me por Sarah, levei muito tempo a ser apenas Sarah - sinto que tudo convergiu para a pessoa em que me tornei. É parte de mim. Eu creio que nasci para ter uma voz na vida pública e fazer algum bem por causa disso.
É mais fácil para a geração das suas filhas do que para a sua? Elas têm mais liberdade?
Não porque há um facto que é inerente à natureza humana: se a vida nos dá muito, as expectativas em relação a nós são imensas. O privilégio tem um preço e isso nunca mudará. Os últimos anos não têm sido fáceis para elas mas estou muito orgulhosas do modo como têm sabido lidar com a pressão mediática, com a vida pública e familiar. Têm sido muito inteligentes e sensatas.
É mais difícil para as mulheres do que para os homens?
Não creio. Penso é que depende muito da atitude de cada um, da percepção que se tem da vida e da capacidade de comunicação.

Uma delas, Eugenie, está a viver em Portugal. Como é que se está a dar?
Muito bem. Veio com o marido, Jack, e o filho, August. Estão muito felizes, sempre gostamos muito do vosso país.
Sente que o facto de ser quem é, de ter sido nora da rainha de Inglaterra, lhe confere mais poder do que se fosse uma cidadã anónima?
Não tenho dúvidas. Tenho uma voz que é escutada. O que me interessa na caridade não é que se publicite o que faço porque isso preenche-me, na verdade. Sempre que me desloco a algum lado para apoiar refugiados (na próxima semana estarei na Polónia), sinto-me plena, realizada, a fazer sentido.
Disse há pouco que sempre quis escrever um romance. Era o seu sonho de menina tornar-se escritora?
Não, queria ser patinadora no gelo ou ginasta olímpica (era um sonho comum na nossa geração, não era?) mas sempre tive muita imaginação. Já escrevi muitos livros para crianças mas chegou a altura de me dedicar ao romance.

E o próximo será sobre quê? Podemos revelar alguma coisa sem sermos apelidadas de spoleirs?
Claro que podemos. É sobre Mary, a irmã mais nova de Lady Margaret. Pensei muito na atriz Katharine Hepburn e nos filmes dela, que eu adoro, ao imaginar a sua personagem. Tornar-se-á uma famosa detetive.
Ao longo do livro, senti muita pena da mãe delas, uma mulher muito constrangida pela obediência ao marido (um homem detestável) e, por isso, incapaz de ajudar a filha numa situação crítica. Agora estou curiosa: o que lhe vai acontecer no próximo livro?
Então vai gostar do próximo livro porque ela vai ter oportunidade de fazer outra vida. Vai ter uma voz, que não tinha até aqui. Percebe que tem de se amar e respeitar mais.
Trabalho com refugiadosEstá a trabalhar no apoio a refugiados ucranianos....
Trabalho com refugiados ucranianos, mas também com afegãos ou do Iémen, onde quer que haja pessoas deslocadas pelas piores razões possíveis, que são a guerra e a fome. Eu tenho uma série de livros infantis e uma boneca, a Little Red, que procura, com o produto das vendas, ajudar estas pessoas. Criei a Little Red depois das bombas de Oklahoma City, em 1995, com esse efeito.
Comecei por desenhá-la num guardanapo e depois pedi a uma empresa de brinquedos que a transformasse numa boneca. O mais terrível e belo é que uma destas bonecas foi dos poucos objetos intactos encontrados nos restos do World Trade Center, após o 11 de Setembro. Está lá no Museu do Ground Zero. Na semana passada fui à Croácia, à sede das escolas Montessori, e levei uma caixa destas bonecas e livros, falei com aquelas pessoas, foi uma experiência excelente.

Os seus olhos brilham de entusiasmo a falar disto.
Sentiu-o, que bom! É este trabalho que dá sentido ao que eu vivi, à visibilidade que tive enquanto nora da rainha, porque me permite chamar a atenção e fazer realmente alguma coisa. A minha avó costumava dizer: "Quando não souberes o que fazer de ti mesmo, dá aos outros". E agora eu percebo o que ela queria dizer. Tenho estado a desenvolver uma Fundação, que se chama Children in Crisis, que já está em Itália, nos Estados Unidos, na Polónia. Agora estamos também a ver a hipótese de estar em Portugal e de ver com que instituições podemos trabalhar aqui. Seria interessante investir em livros e instrumentos musicais. Acredito sempre que a Cultura é uma muito boa aposta e pode fazer a diferença na vida de uma criança.
Pergunto-lhe, finalmente, como viveu o Jubileu?
Posso dizer que tive o privilégio de ser nora da mulher mais extraordinária que alguma vez conheci. É uma pessoa muito forte, que nunca desiste, é uma uma honra poder celebrar a sua longevidade. É um símbolo de perdão, de bondade e de sentido de dever.
