Entrevista: as novas regras de Dua Lipa
Lançou o seu primeiro álbum, em 2017, e no mesmo ano converteu-se na artista feminina mais procurada no Spotify. New Rules lançou-a no caminho do estrelato e cinco anos, 84 milhões de seguidores e inúmeras conquistas depois, Dua Lipa continua a definir as suas próprias regras. No dia em a cantora encerra a sua tour europeia, em Lisboa, recordamos a entrevista que a cantora deu à Máxima em 2019.

A artista pop
Sou cantora desde que eu me lembro [nasceu em Londres, em 1995]. O meu pai era músico e, por isso, a música sempre esteve muito presente em minha casa. Os meus pais gostavam de ouvir muito rock britânico e eu adorava música pop. Quando tinha 11 anos mudei-me para o Kosovo e lá toda a gente ouvia hip-hop, o que fez com que aprendesse a gostar de todos os tipos de música e a desfrutar de sons diferentes. Toda a minha educação musical serviu de base para o modo como apresento a minha música como uma mistura de diferentes géneros, sem fronteiras. Considero-me uma artista pop, mas não me quero resumir a isso. Pretendo criar sons diversificados e estar em constante evolução.

Eu andava na escola primária quando alguém me perguntou: "O que queres ser quando cresceres?" E eu disse: "Quero ser cantora." Mas eu não sabia que era um trabalho de verdade. Eu via cantores e estrelas pop na televisão e ouvia música, mas depois também via desenhos animados na televisão e não era como se uma personagem de desenhos animados fosse uma profissão! Eu não fazia ideia de que era realmente possível. A música no Kosovo é muito diferente. Eu queria fazer isso à escala global e creio que essa paixão sempre permaneceu e apenas trabalhei para isso. Ainda sinto que estou a trabalhar nesse sentido. Sou artista porque tento pôr as minhas ideias no papel para as partilhar com o mundo. E como fazer música é a minha paixão, também sou música.
A família
Os meus pais foram muito encorajadores e foram sempre os primeiros a empurrar-nos para as artes, se fosse de facto o que queríamos fazer. Eu queria ir para a Escola de Teatro e eles trabalharam muito para que eu pudesse ir lá aos sábados, de forma a poder aproveitar todas as oportunidades.

Eu nunca esquecerei o meu primeiro concerto. Tinha acabado de me mudar para o Kosovo e, apesar de já ter visto o meu pai a tocar ao vivo, essa foi a primeira vez que vi um grupo internacional a atuar em Pristina. Foram os Method Man & Redman e foram o meu primeiro contacto com o hip-hop. Não conhecia a sua música, mas comecei a ouvi-los pouco antes do concerto porque todos os meus amigos queriam ir. Por causa disso, comecei a apreciar Wu Tan Clan e hip-hop. Nunca vou esquecer aquele momento porque foi um momento muito importante na minha vida. Inspirou-me verdadeiramente a querer ir além do que as pessoas esperavam que eu fizesse e que eu criasse. Eu só queria sair [do Kosovo] e fazer algo diferente e não ia deixar que algo me impedisse.
O caminho para o sucesso
Existiram muitos altos e baixos. Em todas as carreiras existem altos e baixos e temos sempre de começar por baixo para apreciar, realmente, quando as coisas começam a acontecer. Estou muito grata pelos inúmeros concertos que dei, onde havia cerca de 10 pessoas na plateia, porque agora tenho algo que me permite medir o sucesso. Desde começar a colocar umas músicas em papel, marcar reuniões com pessoas que pudessem ajudar-me e estar no estúdio de gravação até aos nossos primeiros concertos com essas pequenas plateias tem sido um longo caminho e pelo qual estou muito grata. A minha banda e eu sempre falámos sobre isso – o quanto nós trabalhámos para elevar o espetáculo ao vivo para o patamar onde está agora e para o ver florescer. Esse sentimento é incrível, insubstituível e é verdadeiramente emocionante ver como tudo isso se concretizou.

Foram tantas as coisas que eu alcancei, tantas metas que eu atingi que faziam parte dos meus sonhos. Mas sinto que tenho muito mais para fazer e muito mais para dar, o que me leva a trabalhar muito mais para ser melhor e fazer mais. Estar finalmente num palco, onde descobri o que é possível fazer, torna-me mais curiosa sobre o que mais posso encontrar no horizonte. [Se eu pudesse voltar atrás] diria que tudo vai correr bem. Que os sonhos se tornam realidade, independentemente de tudo o que possa acontecer e dos altos e dos baixos.
O palco
É difícil explicar essa sensação louca de entrar no palco! Uma mistura de adrenalina e de entusiasmo com nervos e arrepios na barriga. É como a primeira vez que nos apaixonamos por alguém e que ficamos superanimadas. Não sabemos o que vai acontecer, temos todas as expectativas mais loucas, mas não sabemos se devemos dar o primeiro passo – é aquela sensação do desconhecido que me estimula. É assim que me sinto antes de subir ao palco. E quando estou em palco sinto-me invencível, como se nada no mundo importasse, pois só essa emoção é que conta, esse sentimento, contar a história, ligar-me com os meus fãs. Isso é a coisa mais importante. É por isso que tenho tanta paixão pelo que faço. Eu adoro ir ao estúdio e escrever músicas. [Sair do estúdio] é, mais uma vez, uma mistura de sensações. É uma sensação de realização. Eu tenho uma banda e uma equipa maravilhosa de mulheres, que estão comigo no palco, e é fantástico podermos partilhar essa energia juntas durante breves instantes até que tudo acalme e volte ao normal. Depois, fazemos tudo de novo no dia seguinte. Nós temos sido umas felizardas porque houve muitos concertos maravilhosos. Muitas vezes saímos do palco e dizemos: "Foi fantástico! Foi o nosso melhor concerto! Noite após noite, damos o nosso máximo para poder oferecer a melhor performance possível e eu sinto que é algo de especial poder compartilhar isso com as pessoas que estão à volta.

A inspiração
Durante a minha vida eu inspirei-me em artistas femininas fortes como Pink, Nelly Furtado e Alicia Keys. Adoro o que representam, a sua franqueza, no que acreditam, a maneira como permaneceram autênticas e fiéis a si mesmas. É a isso que eu aspiro para a minha carreira. Foi sempre muito importante para mim ter esse tipo de figuras como fonte de inspiração.
Eu gosto de escrever sobre o que conheço. As minhas relações pessoais são sempre as mais fáceis de escrever, a menos que esteja a passar por algo complicado. Nesse caso pode ser difícil escrever sobre isso, especialmente se ainda se estiver muito envolvida nessa relação. Mas também é entusiasmante e sincero – Não há terapia mais barata!
Para mim, a melhor altura para eu ser criativa é de manhã. Gosto de acordar, de tomar o pequeno-almoço e de ir diretamente para o estúdio. Sinto que o meu cérebro funciona muito melhor durante o dia. Eu sei que muitos artistas gostam de estar no estúdio à noite, mas eu adoro as manhãs e as tardes e sinto que é aí que estou mais ativa e quando o meu cérebro funciona melhor.
Os valores
A minha paixão faz-me sentir invencível! Quando estou em palco e consigo expressar-me e mostrar a minha criatividade é a minha paixão que me permite ser sempre a forma mais genuína de mim mesma.
[A expressão] "tout terriblement", pelo menos no modo como eu a entendo, significa alguém permitir-se ser criativo, não ter limites, exprimir-se da maneira mais natural possível. Eu sinto que é algo pelo qual devemos viver todos os dias. É importante não ficarmos assustados com as coisas pelas quais passamos na vida, mas sim permitir-nos participar plenamente em tudo. Embora, às vezes, possa ser tentador vivermos a nossa vida em piloto automático, é importante apreciar e sermos agradecidos pelas coisas que fazemos diariamente. Eu tento preservar a minha autenticidade. Saber quem sou e no que acredito. Nunca gosto de fazer cedências em algo que me é genuíno. Eu tenho uma ideia clara da forma como me vejo e do que quero fazer na minha carreira e porque tenho essa capacidade, embora ainda esteja a aprender, posso tomar certas decisões sem qualquer arrependimento, sabendo o que é e o que não é bom para mim em determinado momento da minha vida.
Eu sou inspirada pela compaixão e pela bondade daqueles que admiro. Pela capacidade para manter uma mente forte, de ser paciente e ainda demonstrar amor, apesar de nem sempre as coisas seguirem o caminho previsto. Sem estas qualidades não existe esperança para nós como sociedade ou como cultura. É sempre bom ver as pessoas a tratar os outros com igualdade e com amor. Inspiro-me quando viajo e quando ouço as histórias das pessoas que conheço. Cada um tem um caminho diferente e devemos ter sempre tempo para aprender sobre as pessoas à nossa volta. Isso é fantástico.
Sobre liberdade
Há muito tempo que as mulheres são oprimidas pelos media. O que está a acontecer, neste momento, é algo de revolucionário. Apenas defendemos aquilo em que acreditamos, aquilo com que nos sentimos confortáveis em fazer, o que nos parece verdadeiro e o que nos faz sentir orgulhosas de nós próprias. Não aceitamos ceder a ninguém. Escusado será dizer que para uma mulher, em 2019, ser livre é viver a vida segundo as suas próprias regras.
Sobre o perfume Libre
Quando escolho uma fragrância, esta torna-se a minha fragrância diária, ou seja, não mudo necessariamente de perfume de dia para um perfume de noite. Eu sei que algumas pessoas o fazem, mas, em vez disso, opto por algo que seja o reflexo da minha pessoa. Algo que quando os meus amigos estão por perto digam: "Oh, é a Dua." Eu sinto que Libre tem a ver comigo. É muito natural e cheira muito bem. As fragrâncias provocam sensações diferentes de pessoa para pessoa, podendo funcionar ou não, mas esta fragrância é floral com alguns acentos fortes. Serve para qualquer hora do dia ou da noite, sendo a combinação perfeita para a maioria das mulheres. O nome destaca-se e enquadra-se bem com o legado dessa marca francesa [Yves Saint Laurent]. Ser livre é algo que todos precisamos de não esquecer, algo que todos nós merecemos. E eu sinto-me orgulhosa por fazer parte desta fragrância porque "ser livre" é o que eu defendo. Para as mulheres, em 2019, representa uma parte muito significativa de quem somos e nós só queremos viver as nossas vidas da maneira que sentimos que merecemos. É por isso que eu considero que a fragrância é uma maneira fantástica de introduzir esse conceito nos mundos da moda e da música para que a mensagem ressoe nas pessoas à nossa volta. O Senhor [Yves] Saint Laurent gostava de fluidez, não gostava de rotular as pessoas, o que hoje em dia é mais importante que nunca. Uma fragrância é algo que incorporamos e não simplesmente algo que colocamos sobre o nosso corpo. Adoro a justaposição entre o aroma mais leve e feminino e a forma como é misturado com uma flor usada normalmente numa fragrância masculina. É uma forma fantástica de quebrar as regras, mas sem perder o toque clássico.
Sobre a campanha
Antes de mais, é uma honra ter sido escolhida para a campanha [de Libre]. Identifico-me bastante com esta marca pelo seu espírito destemido. Defendo a importância de se ser confiante, forte e poderosa perante tudo, a importância de não comprometermos a nossa identidade, a importância de termos sempre orgulho nas coisas em que colocamos o nosso nome. E eu penso que tudo isto se enquadra muito bem com a filosofia de Yves Saint Laurent.
Tudo o que filmámos tem sido verdadeiramente épico, de tirar o fôlego, e eu penso que mostra força e beleza de várias formas, desde as imagens que vemos no filme à mensagem subjacente, às roupas que uso. É tudo muito simples, elegante e forte, o que permite dar azo a mais conversações.
Através da campanha, pretendo passar uma mensagem simples: se eu consigo, tu também consegues. E mostrar às jovens mulheres, às jovens adultas, às jovens de todo o mundo que, independentemente das metas que desejam, seja qual for o objetivo, deverão estar sempre concentradas nas coisas que tenham mais significado. Seja qual for a paixão, tem de se lutar bastante por ela. Digo: tenham orgulho naquilo que fizerem, dediquem-se a 100 por cento à arte que criarem e, já agora, isso não se aplica apenas à música, à moda ou à indústria criativa, mas em qualquer área do vosso trabalho. Embora saiba que, em muitas empresas, as mulheres têm de trabalhar muito mais do que os homens para chegar onde querem, eu diria para não desanimarem. Essa escalada é o que nos faz ser quem somos, que nos torna mais fortes e é algo incrível que nos preenche com tanta gratidão e que nos impele para onde queremos estar. Sou uma grande fã da marca que é tão clássica e intemporal, mas que é, ao mesmo tempo, inovadora e universal. Sinto-me muito bem com as roupas. Sinto-me muito forte quando estou a usar Yves Saint Laurent.
Sobre Yves Saint Laurent
Eu conhecia a marca, sobretudo por causa da moda. Mudou a forma como as mulheres se vestem, dando-lhes uma escolha – a escolha de poderem optar por algo com mais atitude, de serem mais elegantes, mas com uma atitude enaltecida por vestidos fantásticos ou por um clássico smoking YSL. Isso teve um grande impacto na época porque permitiu às mulheres sentirem-se poderosas e confiantes e essa mensagem torna-se, hoje em dia, ainda mais relevante. Como criador, Yves Saint Laurent permitiu que as mulheres fossem simplesmente iguais a si próprias e eu penso que isso foi algo de muito importante na moda porque, durante muitos anos, a sociedade ditou o modo como as mulheres se deviam vestir, o que deviam vestir e a aparência que deviam ter. Ao permitir que as mulheres pudessem ter orgulho nos seus próprios corpos e na sua própria feminilidade, reforçando o seu poder e força, penso que, nesse aspeto, Yves Saint Laurent mudou realmente o paradigma. Obviamente, eu sou uma fã e, por isso, é para mim uma grande honra poder fazer isto. [Se o Senhor Saint Laurent estivesse vivo], em primeiro lugar, eu gostaria de agradecer-lhe pelo facto de nos ter permitido ser fiéis a nós próprias, por nos ter dado a oportunidade de sermos criativas com as cores e por ter assumido uma atitude, uma elegância e uma ousadia que é algo que nem sempre se vê em muitas marcas clássicas de moda. Em segundo lugar, eu gostaria de lhe dizer que deixou um legado incrível, um espírito de aventura que permitiu aos designers que fizeram parte da YSL dar asas à sua criatividade e fazer coisas ousadas. Obviamente, há sempre dúvidas e críticas: estamos no caminho certo e é este o verdadeiro legado de YSL? Mas se estivermos constantemente a contrariar o que todos os outros estão a fazer ou a pensar, é sinal que estamos no rumo certo.
