O nosso website armazena cookies no seu equipamento que são utilizados para assegurar funcionalidades que lhe permitem uma melhor experiência de navegação e utilização. Ao prosseguir com a navegação está a consentir a sua utilização. Para saber mais sobre cookies ou para os desativar consulte a Politica de Cookies Medialivre
Atual

Paula Rego, a derradeira storyteller

Morreu aos 87 anos a artista portuguesa que revolucionou a forma como a mulher é representada na arte. Recordamos a recente reportagem da Máxima no Museu Picasso de Málaga, que acaba de apresentar uma retrospetiva que celebra a extraordinária vida e obra da pintora.

Foto: D.R
24 de maio de 2022 às 00:00 Nádia Freitas

A Desejada. Foi assim que José Lebrero, diretor artístico do Museo Picasso Málaga abriu a conferência de imprensa que antecedeu a visita guiada à exposição Paula Rego, patente no museu andaluz até 21 de agosto. Resumia, desta forma, as dificuldades inerentes à viabilização do projeto, acentuadas pela pandemia que se atravessou pelo meio. "Quem vê a exposição hoje, não imagina o que ficou para trás", adiantou quase em jeito de desabafo, procurando o olhar cúmplice de Elena Crippa, a comissária, e de Nick Willing, o filho da pintora que, minutos depois, nos haviam de guiar pelas várias salas-testemunho de uma personalidade artística ímpar.

Foto: Paula Rego

A retrospetiva, cronológica e temática, reúne um total de 80 obras, incluindo colagens, pinturas, desenhos, pastéis e gravuras, sendo a mesma que inaugurou na Tate Britain no ano passado, tendo já depois disso passado pelo Kunstmuseum de Haia. Nesta terceira paragem, naquele que é o mais visitado museu de Málaga, surge enquadrada em Women Raising The Curtain, o programa multidisciplinar que o Museu Picasso dedica às mulheres artistas do século XX, numa tentativa de lhes trazer o reconhecimento e aplauso que sempre tardou em chegar. Silenciadas e invisíveis, como tantas mulheres em outras áreas, também as artistas permaneceram na sombra durante séculos. Foi o caso de Paula Rego, pintora que só viu o seu talento reconhecido quando tinha mais de 50 anos. É disso que nos fala o seu filho, recordando uma mãe quase sempre silenciada no ambiente artístico em que se movia, mas também Elena Crippa, que recordou as circunstâncias em que Paula Rego teve de sair de Portugal. "Aos 16 anos, o seu pai mandou-a para Londres, por considerar que Portugal não era um sítio para uma mulher crescer", mas as marcas de uma sociedade patriarcal ficaram para sempre cravadas no seu trabalho.

Foto: Paula Rego

O contexto social e político do país está presente em toda a mostra, funcionando como um enquadramento histórico que ajuda a decifrar cada obra. Estão assim representados marcos históricos da história portuguesa, da Ditadura à discussão pública em torno da legalização da interrupção voluntária da gravidez, simbolizada nas séries Aborto, de 1980. Igualmente importante no trabalho de Paula Rego é a sua vida pessoal, traduzida em pinturas como as da série Possessão, de 2004, (ecos da depressão que assombrou Paula durante a vida, inspiradas pelas fotografias encenadas de mulheres diagnosticadas com "histeria", no século XIX) ou A Dança, de 1988, uma representação das várias fases da vida da pintora, mas também do seu casamento e das infidelidades conjugais do marido. É Nick Willing que nos conta a história por detrás da tela, concluída logo a seguir à morte de seu pai, Victor Willing: "Eu era muito parecido com ele, nessa altura. Por isso, a minha mãe pediu-me que vestisse o seu fato e calçasse os seus sapatos, e que pousasse para ela", recorda, explicando que Paula sempre "usou a arte para perceber coisas importantes acerca dela própria".

Foto: Paula Rego

Dela e do mundo. O mundo cheio das histórias que nunca deixaram de a interessar. "Sempre houve ali rebeldia", assegura Elena Crippa, explicando que era através dos quadros que Paula conseguia expressar o que nem sempre era possível na vida real. Uma verdadeira heroína, num permanente processo de criação e de superação. Carne e sangue, fantasia e realidade, imaginação e transgressão, vida e arte condensadas numa mulher imparável nas suas fragilidades. Ou, como resume e bem Crippa, "alguém que transcende".

Foto: Paula Rego

Paula Rego, pode ser visitada até 21 de Agosto no Museu Picasso Málaga. Mais informações em www.museopicassomalaga.org

Leia também

48h em Málaga, a capital artística da Andaluzia

É irresistível chamar-lhe cidade-museu(s), não fossem eles uma das grandes apostas da cidade andaluza. Mas Málaga também é História, gastronomia, praia, natureza, tradição, novidade. Tudo embrulhado numa leveza que se entranha na pele, como o Sol que, ali, brilha 300 dias por ano.

Paula Rego, 1935-2022

Multidimensional na obra, caleidoscópica na personalidade, Paula Rego era génio e inocência, transgressão e compaixão. A pintora morreu aos 87 anos.

Joana Vasconcelos. A audácia de ocupar espaço

Mesmo os menos atentos à Arte Contemporânea conhecem o seu nome e algumas das suas obras mais mediáticas. Depois de mais de 30 anos de uma carreira que já passou pelo Palácio de Versalhes, Guggenheim de Bilbau ou várias bienais de Veneza, a artista apresenta "Plug-In", a sua exposição no MAAT, em Lisboa, ao mesmo tempo que inaugura outra exposição, na Galeria das Uffizi, em Florença. Sempre em tamanho extra large.

As mulheres que mudaram a História da Arte

A inquietação de Katy Hessel começou ainda na Faculdade, quando compreendeu que não conseguia enumerar vinte grandes mulheres na História da Arte mundial. Para combater este choque, começou a investigar um pouco por todo o lado e, desse esforço, nasceu o livro 'História da Arte sem Homens', agora lançado em Portugal.

As Mais Lidas