Exposição ´Corpos Modernos em Palco'. As divas portuguesas dos loucos anos 20
Belas, sedutoras e senhoras de si, as atrizes portuguesas de há 100 anos marcaram a sociedade. Silva Nogueira fotografou-as cheias de glamour e o resultado pode agora ser visto no Museu Nacional do Teatro e da Dança, que nos anuncia um 2022 cheio de surpresas.

Quem disse que em Portugal não se fotografaram grandes nomes do Teatro com um glamour digno de Hollywood ou dos franceses Estúdios Harcourt? Nas décadas de 1910 e 1920, antes que o Estado Novo impusesse ao país a moralização dos corpos e da sua representação, revistas, jornais e o material promocional dos espetáculos davam a ver ao público português homens e mulheres como o bailarino Francis ou as atrizes Corina Freire, Beatriz Costa ou Luísa Satanela em todo o esplendor da sua beleza, graça e sensualidade. Este é o fio condutor da exposição temporária Corpos Modernos em Palco, patente ao público no Museu Nacional do Teatro e da Dança, em Lisboa, até 13 de Março. Daqui seguirá para o Porto, para o Centro Português de Fotografia e ainda para outros pontos do país que desejem acolher estas beldades de há cem anos, mas tão modernas no modo de estar e até na doce provocação com que nos interpelam.
Atrás da câmara estava Joaquim da Silva Nogueira (1892-1959), nascido numa família de fotógrafos e formado, ainda na década de 10, num dos mais importantes estúdios lisboetas da época, a Photographia Brazil. No início dos anos 20 (esses loucos anos 20 que tanto marcariam a sua estética) assumiu a direção artística do estabelecimento, que viria a adquirir pouco tempo depois. Será a partir daí, com condições técnicas e de iluminação escolhidas por si, que assinará longas séries fotográficas realizadas nas décadas de 20 e 30 com Luísa Satanela, Francis Graça, Corina Freire, Beatriz Costa ou Mafalda Evanduns.


Mulheres e homens (estes menos, porque, como se verá na exposição, não se mostraram tão disponíveis para o trabalho em estúdio fotográfico como as suas colegas) que, em muitos casos já pouco dirão ao visitante menos familiarizado com a História do Teatro no século XX, mas de que importa dizer que marcaram profundamente a sociedade do seu tempo. Um desses casos é Corina Freire, amplamente retratada por Silva Nogueira (é ela a mulher de boca vermelha e ombros nus, no cartaz da exposição), chegou a brilhar na cena teatral parisiense, onde contracenou com Maurice Chevalier e conquistou o título de "o mais belo sorriso de Paris." Mas também a bailarina Lucie Snow, a fadista Mariamélia (de cabelo cortado à garçonne, coisa pouco canónica neste género musical) ou as atrizes Maria Helena Matos, Maria Paula ou Brunilde Júdice (uma das poucas atrizes de teatro dito de repertório representadas nesta exposição).


Como nos diz o curador da exposição, Paulo Ribeiro Baptista, doutorado em História da Arte Contemporânea e da Fotografia precisamente com uma tese sobre Silva Nogueira, investigador do Museu e do Centro de Estudos de Teatro, "este é um projeto antigo que só agora viu a luz do dia, em que nos foi possível explorar as diferentes dimensões de modernidade deste espólio fotográfico constituído por milhares de fotografias. Por um lado, podemos observar a mudança estética do retrato, incorporando novidades do Cinema, como o grande plano ou os efeitos de luz; na transformação do espetáculo teatral em Portugal, não só em termos de repertório mas, sobretudo, na sua dimensão visual. E aí temos de dizer que o teatro dito ligeiro, o teatro de revista, foi pioneiro e porventura mais ousado do que o teatro erudito." Novas, nessa época entre as duas guerras mundiais, eram também as técnicas de divulgação e publicidade das imagens fotográficas junto do público, através dos novos magazines ilustrados. Também, neste caso, Portugal mostrava-se perfeitamente atualizado com o que se passava nos Estados Unidos ou nas grandes capitais europeias como Paris e Londres. A décalage virá depois, quando a ditadura se estender da esfera política à intimidade dos cidadãos…

O impacto destas imagens na transformação da sociedade foi profundo. Paulo Ribeiro Baptista nota precisamente essa dimensão, com a inclusão "de fotografias em que Luísa Satanela aparece a fumar ou em que Corina Freire está ao volante do seu automóvel último modelo. Eram mensagens de empoderamento feminino que elas passavam a quem visse essas fotografias num jornal ou numa revista." Tal como acontecia em Hollywood com atrizes como Katherine Hepburn, Louise Brooks ou Joan Crawford.

Com Corpos Modernos em Palco, o Museu Nacional do Teatro e da Dança tenta retomar a normalidade perdida com a pandemia, e o novo diretor (no cargo há cerca de seis meses), Nuno Moura, anuncia-nos um 2022 cheio de atividades e de surpresas: "Depois de estarmos muito tempo encerrados ao público (primeiro devido a algumas obras estruturais cuja realização era absolutamente necessária e, depois, por causa da pandemia), esperamos agora a cativar novos e antigos públicos para descobrirem connosco todas as histórias que temos para contar sobre o espetáculo e sobre aqueles que deram parte da sua vida aos palcos."

Já em março, diz-nos Nuno Moura, no Dia Mundial do Teatro (27), será inaugurada uma exposição retrospetiva da companhia de teatro profissional mais antiga em Portugal: "Vamos mostrar histórias dos 70 anos do Teatro Experimental do Porto." Em julho inaugura no Museu Nacional del Teatro, em Espanha,e pela primeira vez no país vizinho, uma exposição sobre Gil Vicente, a figura mais importante do teatro ibérico do seu tempo e que escreveu, como sabemos, tanto em português como em castelhano. "Vamos celebrar este artista genial e dá-lo a conhecer melhor em Espanha, onde ele é muito pouco representado. Este projeto está a ser desenvolvido em conjunto com o Museu Nacional del Teatro e com a APCEN – Associação Portuguesa de Cenografia". Em novembro, esta exposição ruma a Lisboa e "nessa altura, então, poderemos compreender um pouco melhor o contexto histórico da produção artística do autor, e também perceber a pertinência que a obra vicentina tem na atualidade."

Mas haverá também lugar para a memória da Dança: Em Abril, Francis Graça (1902-1980), o bailarino e coreógrafo autodidata tão fotografado por Silva Nogueira, voltará a "subir" a este palco com uma exposição que lhe é dedicada e em Dezembro celebrar-se-à a carreira de Armando Jorge (1938), um dos nossos principais bailarinos e o primeiro diretor artístico da CNB - Companhia Nacional de Bailado, parceira do MNTD nesta homenagem. Nuno Moura refere ainda a intenção de "recuperar alguns dos eventos que estavam previstos para as celebrações do centenário da Amália Rodrigues, e que por causa da pandemia foram adiados". Recorde-se que, ainda em vida, a mais cintilante e internacional das nossas estrelas doou parte importante do seu espólio a este Museu.

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