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Histórias de amor moderno. “A minha ex-mulher obrigava-me a declarar quanto gastava ao fim de cada dia”

“Quando dei por mim vivia uma vida dupla.” Todos os sábados, a Máxima publica um testemunho de como é o amor no séc. XXI.

'Scenes From a Marriage' (2021).
'Scenes From a Marriage' (2021). Foto: D.R
11 de março de 2023 Máxima

Entrei numa relação através do Bumble por insistência dos meus amigos e no seguimento de um período depressivo – tinha passado por uma relação falhada e pela perda de uma amiga de forma súbita. Ela trabalhava em saúde, eu em marketing e, ao longo das semanas seguintes, encontrámo-nos várias vezes, fomos bebendo café e combinando programas noturnos. Em nenhuma dessas ocasiões me pareceu que o dinheiro era, para si, uma obsessão. Percebi rapidamente que não comprava "pequenos luxos", objetos que considero, eu, pequenas coisas que nos aconchegam a alma. Um creme para o rosto, uma camisa especial, um presente para oferecer sem razão nenhuma – mesmo que custasse dois euros – para dizer ou assinalar que se lembrava de mim.

Casámos. Achei que esta fraqueza da minha mulher, que tanto amava, era apenas um sinal de que era poupada e precavida. Até que passou a ser gananciosa: arranjou três trabalhos, nunca queria sair nem jantar fora, abominava programas de grupo que envolvessem gastar dinheiro em conjunto, cancelava planos a dois à última da hora.

Um dia descobri que usava uma aplicação de poupanças que contabilizava tudo, até ao mais ínfimo detalhe. Noutra ocasião discutimos no supermercado porque eu escolhi uma peça de carne mais cara. Percebi que era o fim quando me começou a pedir que fizesse o mesmo: cronometrasse o meu dinheiro até ao mais ínfimo detalhe, e que só o gastasse em coisas "que dessem retorno" financeiro e que realmente fossem vistas como um investimento.

Eu estava apaixonado e não via, mas a situação começava a tornar-se insuportável, ao ponto de ficar ansioso sempre que comprava um tal mimo para mim, e de, por isso, o esconder. Inventava que me ofereciam coisas ou que as tinha herdado de um familiar. Quando recebia um bónus no trabalho, ao fim do mês, não dizia que o tinha ganho. Comecei a esconder as idas a jantares fora com amigos, e mesmo nos almoços de família, quando levava um vinho mais caro, fazia-o de forma discreta para que ela pensasse que já lá estava ou que outra pessoa o tinha comprado. Um dia repreendeu-me quando passeávamos na baixa do Porto e dei uma nota de cinco euros a um sem-abrigo. Aquela frieza gelou o meu coração – penso que foi esse o momento em que tudo mudou.

Quando dei por mim vivia uma vida dupla. Já não lhe contava o meu dia – fiquei completamente consciente de que tudo o que fazemos envolve dinheiro ou envolve falar sobre gastos e queria evitá-lo ao máximo. Quando dei por isso, apercebi-me que nem de férias podíamos ir. Foi o fim de um pesadelo, e o início da liberdade, o dia em que assinámos o divórcio. Hoje sei que as pequeninas coisas, os pequenos detalhes, tomam conta de tudo e assim como começam relações também as destroem.

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