Os encantos de Ventozelo, ou como viver o Douro numa só quinta
A somar à beleza natural da Quinta de Ventozelo, a chegada do enoturismo é um convite a desfrutar o melhor do alto Douro vinhateiro sem sair do sítio. De copo na mão, claro, e com as melhores iguarias à mesa.
Foto: Luís Ferraz26 de novembro de 2020 às 07:00 Rita Silva Avelar
Antes de virarmos costas a Ventozelo, o Estevão, o simpático cão de gado transmontano que reside na quinta, estende-se no asfalto, pachorrento, como quem diz "até à próxima". Geralmente é ele quem dá as boas vindas à chegada, mas neste caso é ele a nossa última memória visual desta quinta no Douro com mais de 500 anos e que nos faz lembrar uma pequena aldeia. Despedimo-nos de três dias de verdadeiro descanso e pura contemplação, com a sensação de que vivemos o Douro inteiro num só lugar.
Construida a partir de um largo anfiteatro que vai do rio e atinge 600 metros de altitude, a Quinta de Ventozelo situa-se em São João da Pesqueira, entre o Pinhão e Ervedosa do Douro, e estende-se por 400 hectares, 200 deles de vinha plantada, 20 de olival e o restante de mato. As vinhas, situadas entre vales e socalcos num terroir muito particular, assumem contornos enviesados que não só favorecem a paisagem, como se revelam um atributo de ouro ao moldar o carácter dos vinhos.
Foto: Luís Ferraz
Um local que era outrora de passagem, a Quinta de Ventozelo conserva a hospitalidade de outros tempos adaptando-as às necessidades dos viajantes de hoje, que procuram pernoitar, comer num bom restaurante, realizar provas de vinhos, quiçá aprender sobre a história deste lugar num centro interpretativo (aqui existe um!), realizar um dos sete percursos pedestres (com audioguide) e fazer atividades de turismo de natureza no geral. Com sorte, porá a vista em cima das aves, dos javalis, das raposas e de outros animais que circundam pela quinta. Em tempos de covid-19, o ex-líbris são os deliciosas piqueniques preparados pelo restaurante do hotel, ideais para famílias ou estadas mais românticas.
Em Ventozelo há tudo isso e ainda uma aragem que é própria do Douro, onde tudo é para ser vivido com calma. "Ventozelo ainda é daqueles sítios onde se pode ouvir o silêncio das estrelas" resume com graça Jorge Dias, diretor geral do Grupo Gran Cruz, (que atualmente detém a quinta) enquanto subimos de jipe da Casa Grande em direção à Cantina de Ventozelo, e paramos um momento para contemplar o cair da noite.
Em 1996, Jorge Dias, conhecedor profundo do mundo dos vinhos, esteve ligado ao lançamento da Rota do Vinho do Porto e foi um dos seus impulsionadores. Além disso, já tinha um olho em Ventozelo há vários anos, precisamente desde 1999, quando estava numa sociedade de desenvolvimento regional. "Esperemos que o enoturismo seja um produto que se afirme em Portugal, não propriamente só como uma visita e prova de vinhos, porque de facto tem que ser muito mais do que isso. Tem que permitir a quem nos visita uma experiência completa à volta deste universo fascinante que é o vinho, que é muito mais do que a visita a uma adega (...) podermos mostrar os ecossistemas em presença, o respeito que temos pelo ambiente, a história que encerra cada um dos projetos, a gastronomia, a par de tantas outras coisa, é o que enriquece o destino e que permite que quem nos visita prolongue a estada e volte outra vez" explica, descontraidamente, na varanda da Cantina de Ventozelo. "Como uma das mais antigas quintas do Douro, com esta diversidade ecológica, a riqueza patrimonial de ser quase uma aldeia, só poderia resultar neste projeto."
A Casa Grande, onde ficamos alojados, é uma das sete edificações que fazem parte do projeto de hotel de Ventozelo, e que alberga cinco dos 29 quartos agora existentes na quinta. Se outrora existia apenas a quinta, quando a Gran Cruz a adquiriu em 2014 (embora já tivesse adquirido vinhas em 2011), agora junta-se a novidade do enoturismo e da hotelaria. Além da Casa Grande, um espaço indicado para famílias numerosas ou grupos de amigos, que tem uma piscina própria e uma sobeja vista sob o rio, há ainda a Casa do Laranjal, outrora um celeiro, onde existem hoje cinco quartos duplos que um dia foram pocilgas e que foram estão delicadamente decorados com motivos do passado e do presente da história de Ventozelo.
Já a Casa do Feitor, que tem cinco quartos duplos e uma suite para pessoas de mobilidade reduzida, inclui uma sala de estar comum com lareira e varanda com vistas sobre o rio. Há uma casa de armazenamento de alfaias agrícolas que agora é a mais romântica das suites, para quem procura mais uma experiência a dois. No edifício dos Cardanhos, onde ficavam instalados os trabalhadores (a dormir em camaratas) estão agora sete quartos duplos e uma sala de estar com lareira.
A Casa do Rio, junto ao Douro, é a experiência mais premium de Ventozelo contando com dois quartos duplos, sala, cozinha e terraço. O prémio da originalidade vai para os dois balões que antes eram reservatórios de vinho e que hoje deram lugar uma suite com quarto duplo, sala de estar e alpendre aberto sobre a paisagem. Em época baixa, é possível pernoitar em Ventozelo por €140 a noite, em quarto duplo.
Já a Casa do Feitor, que tem cinco quartos duplos e uma suite para pessoas de mobilidade reduzida, inclui uma sala de estar comum com lareira e varanda com vistas sobre o rio. Há uma casa de armazenamento de alfaias agrícolas que agora é a mais romântica das suites, para quem procura mais uma experiência a dois. No edifício dos Cardanhos, onde ficavam instalados os trabalhadores (a dormir em camaratas) estão agora sete quartos duplos e uma sala de estar com lareira.
A verdade é que depois de passarmos aqui longos dias tornamo-nos imediatamente suspeitos, mas esta é sem dúvida uma das mais belas e distintas quintas desta região vinícola. A Cantina de Ventozelo, agora aos comandos do chef Miguel Castro e Silva é um dos pontos mais magnéticos do local: estamos constantemente ansiosos por lá voltar, seja para o pequeno-almoço, para o repasto do almoço ou para o jantar, que tem os seus encantos especiais na lareira exterior, que está quase sempre acesa no inverno e que convida a bebericar ali um copo de vinho, tapados com uma manta. De quase todas as vezes somos recebidos pelo Óscar, o desavergonhado gato "residente" da quinta.
Foto: Luís Ferraz
Da cozinha que funciona com pratos do dia, afixados num letreiro lá fora, saem pratos tradicionais que se faziam há décadas na região e que caíram em desuso - até Miguel Castro e Silva os reinventar à sua boa maneira portuguesa mas contemporânea. Em jeito de pesquisa, o chef e juntou-se a João Paulo Magalhães, diretor-geral da quinta e do hotel, e foram em busca dos antigos inventários de receitas do Douro, falaram com pessoas, e escolheram a dedo pequenos produtores, a fim de os apoiar neste novo capítulo da história de Ventozelo. Isto porque, à semelhança do que acontece no hotel, também aqui se aplica a máxima de proporcionar a vivência do "O Douro numa só quinta". Assim, resgatou-se a cozinha sustentável desses tempos, em que se comiam só peixes do rio ou secos (como o bacalhau ou o polvo) e nas carnes a vitela barrosã, a maronesa e o porco bísaro. Bacalhau à lagareiro com batata a murro e couve, posta de vitela barrosã com molho vilão, coxa de galo com arroz de legumes da época ou rancho de legumes da época são alguns dos exemplos dos pratos que agora encontramos na Cantina de Ventozelo.
Durante o mês de novembro, a Cantina de Ventozelo vai celebrar a colheita da azeitona com um menu inédito, inspirado no receituário das refeições tradicionais que ocorriam nos lagares nesta época. Entre as iguarias estarão a bola de azeite, o bacalhau lascado e o pudim de mel, integrados num menu que contempla três entradas, uma sopa, um prato principal e duas sobremesas. Vai estar disponível apenas aos sábados, tanto ao almoço como ao jantar, e tem um valor de €40 por pessoa (sem vinhos).
E por falar em vinhos, os desta casa são edições memoráveis, que privilegiam sobejamente do terroir desta região em particular. O Azul de Ventozelo em particular foi assim apelidado em homenagem às grandes portadas azuis que a quinta tinha, e tem, já que foram mantidas em homenagem ao bom gosto dos antepassados que aqui viveram. Jorge Dias não deixa escapar um pormenor da história da quinta, e é no interior do lagar que se alonga a revelar como eram as vindimas, da apanha à pisa, da fermentação à passagem para as cubas, e como passou a ser, hoje.
Foto: Luís Ferraz
Também o azeite que é feito na quinta é de uma qualidade superior, aveludado e suave, estando à venda na Mercearia de Ventozelo, tal como os vinhos, a aguardente, e as compotas caseiras com ingredientes do Douro. Ah! E sim, também o gin. No ano passado, Ventozelo viu nascer o seu primeiro gin, que desde o seu lançamento é um sucesso, e que é produzido com as aromáticas que existem na horta, que tem produção biológica de legumes, frutas e aromáticas (já mencionamos que existem?), logo à entrada. Leva coentros, tomilho bela luz, perpétua roxa, limão, zimbro, alfazema e, claro, vinho. Parece cliché, mas é mesmo com um copo de gin a contemplar o lusco fusco em Ventozelo que sabemos que estamos no sítio certo, à hora certa.
A Morais Rocha Wines, produtora da Vidigueira, aliou-se à artista plástica Maria Seruya e à sua iniciativa Velhas Bonitonas – The Power of Old Ladies e o resultado foi um Reserva Tinto que faz uma belíssima homenagem às mulheres, ao mesmo tempo que sensibiliza para o idadismo.