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Prazeres

Uma chief winemaker no meio das vinhas alentejanas

Anna Jørgensen viajou pelo mundo antes de se fixar, para já, na Herdade Cortes de Cima, no baixo Alentejo. Da sua passagem breve já saiu um vinho: chama-se DAQUI e é um vinho de talha como poucos.

20 de outubro de 2020 às 07:00 Rita Silva Avelar

Cresceu no Alentejo, no meio da Natureza, aprendeu a viver os bons costumes da região, como o deixar-se estar à mesa ou saber apreciar as coisas boas da vida, nas quais se inclui, claro, um belo copo de vinho. Mas precisou de correr o mundo, da Austrália aos Estados Unidos, passando pela Borgonha e pela Nova Zelândia, para compreender que era precisamente em casa que estava o projeto vinícola a que um dia se iria dedicar. Anna Jørgensen - filha de pais americano-dinamarqueses que se mudaram para o Alentejo no final dos anos oitenta vindos num veleiro - apaixonou-se pela sustentabilidade, pelos encantos e complexidades do terroir e pelas castas autóctones desta região. Assim nasce o seu primeiro projeto de vinho de talha na Herdade Cortes de Cima, o DAQUI, um intemporal que nasceu da parceria com o jornalista e autor inglês Jamie Goode.

DAQUI junta 50% de Aragonez e 50% de Trincadeira, e materializou-se em apenas 430 garrafas, numeradas e engarrafadas em julho de 2020 (com o valor de €30,50), e sem qualquer vestígio de herbicidas, pesticidas e fungicidas de síntese. Conta-se que a apanha juntou mais de 30 pessoas ao cair da noite ao som do encanto de vozes, como as dos Gipsy Kings. Em entrevista à Máxima, a jovem chief winemaker revela como tudo começou, e como quer tornar todo o projeto vinícola da Cortes de Cima biológico, sustentável e inovador.

Quais foram os maiores desafios que encontrou neste processo de criar um vinho de talha, quando decidiu agarrar o projeto?

Fizemos a pisa a pé com cacho inteiro e avançámos com a prensagem no dia seguinte. O mosto fermentou espontaneamente, sem películas, na nossa talha de 1843. Trabalhar com talha, até pelo pouco que sabemos relativamente a estas práticas, tem sempre tanto de beleza como de risco.

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Em que é que este vinho se diferencia, e de que forma sobressai no mercado?

É um vinho descontraído, jovem, frutado mas ao mesmo tempo complexo, que representa a minha homenagem ao verão. É um vinho para se beber sem grandes formalismos, aliás foi por isso mesmo que optámos pela carica e não pela tradicional rolha. É um vinho de partilha, daí termos optado por uma garrafa de litro ao invés da tradicional de 0,75l.

O processo da apanha parece ter sido divertido, com bandas sonoras inusitadas. Um bom ambiente de trabalho é o segredo para um bom vinho?

Sem dúvida. Este ano fizemos pela primeira vez a vindima à noite para fugir ao calor do dia, a começar por volta da meia noite e a terminar ao início da manhã. Foram dias incríveis de muito trabalho, onde todos os pormenores contam, mas também de grande animação. Os Gipsy Kings estiveram por diversas vezes na playlist.

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Quais são as vantagens do Alentejo como terroir?

A sua diversidade. Não falamos de um mas de múltiplos terroirs. No nosso caso, podermos conjugar a acidez e frescura dos nossos terroirs atlânticos, em Vila Nova de Milfontes, com os terroirs mais clássicos da Vidigueira. No nosso vinho "Incógnito" levamos essa ideia ao limite.

Foi desafiante a adaptação ao "dolce far niente" do Alentejo, uma vez que viveu em sítios tão diferentes como a Nova Zelândia ou os EUA?

Sim, apesar de ter sempre viajado muito, desde muito cedo, foi no Alentejo que cresci. Tudo isto me diz muito. Confesso que não estava nos meus planos regressar a Portugal para já, mas depois dos meus pais me desafiarem para os cargos de chief winemaker e managing director, pensei: porque não?! O "Dolce far niente" é relativo, não há tempo para descansar sobretudo em época de vindimas. Há sempre muito em que pensar, ainda para mais agora que vamos converter toda a vinha para biológico.

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A sustentabilidade sempre foi uma prioridade? É mais caro ser-se sustentável?

Sim, a sustentabilidade sempre foi uma prioridade e agora mais do que nunca. Cada vez mais pensamos Cortes de Cima numa visão holística, onde tudo conta: não usamos herbicidas, pesticidas e fungicidas; este ano só regámos uma vez a vinha, porque a ideia é que ela se torne auto-suficiente e que aprenda a viver com menos água; trabalhamos com especialistas em poda para aumentar a longevidade da vinha e evitar doenças de lenho; e especialistas em solo, o Claude e Lydia Bourgignon. O nosso objetivo é devolver vida à vinha e não o contrário. Ser sustentável é muito mais desafiante e difícil, mas é esse o nosso caminho.

O que podemos esperar do futuro da Cortes de Cima?

Um futuro assente em 4 pontos: sustentabilidade, qualidade, respeito e inovação. Que são os nossos valores desde a fundação de Cortes de Cima. Respeito pelas pessoas, pela comunidade local. O respeito pelo ecossistema onde estamos inseridos, que nos leva sempre a pensar em termos de sustentabilidade alongo prazo. A qualidade, porque é um objetivo nosso, em detrimento da quantidade. Por último a inovação. Fomos pioneiros, com os tintos na região da Vidigueira, com o syrah no Alentejo. Está no nosso ADN e vinhos como o DAQUI inserem-se nessa permanente inquietude que nos motiva.

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Há cada vez mais mulheres a abraçar esta área, sendo líderes, ou já existiam e agora estão (felizmente) mais visíveis?

Felizmente há cada vez mais mulheres quer na enologia, quer na viticultura, apesar desta continuar a ser uma área maioritariamente masculina. O paradigma está a mudar e ainda bem. Acho que só teremos a aprender uns com os outros.

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