Entrevista Bárbara Guimarães: “Muitas vezes me interroguei: Porque é que isto me está a acontecer?”

Superadas algumas duras provas de vida, uma das mais amadas apresentadoras da nossa televisão está de regresso, revigorada e com causas redobradas.

28 de outubro de 2020 às 07:42 Patrícia Barnabé

Olha-se para ela, a mesma gargalhada fácil que a levou muito nova para o pequeno ecrã. Há um tempo que Bárbara Guimarães não entrava regularmente nas nossas casas. Primeiro um divórcio controverso, e muito mediático, onde a violência doméstica foi levada a tribunal, depois um agressivo cancro na mama, contra o qual lutou dois anos. Agora que "acabou tudo, os tratamentos, as reconstruções", acredita na importância de "desdratamatizar uma doença que milhares de pessoas têm e que não pode ser vista como um monstro ou um fantasma, pois tem caminhos que levam à esperança, à luz e à vitória. É assumir sem fantasias", diz assertiva. "Enquanto não regressam os próximos episódios do seu 24 horas de vida, a Máxima conversou com ela num dia de sol de outono, uma bela metáfora de renascimento.

Como está a ser este regresso?

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Muito desejado e muito sentido. Ainda estive, no início deste ano, com o programa 24 horas [de vida], mas com o Covid e o confinamento fomos todos para casa. Eu sou feita de regressos, até costumam dizer que eu não tenho sete vidas, tenho muito mais do que isso! Estou sempre a renascer das cinzas e a verdade é que são sempre muito desejados estes regressos. Este também porque acabei de terminar, no verão, um processo cirúrgico que tinha que fazer oncologicamente e pensei que, a partir de agora, isto só pode mesmo correr bem. (sorriso)

Como foi estar de novo à frente das câmaras e porque escolheste um tema tão intimista e de tom confessional? Vimos uma Bárbara mais próxima das pessoas.

E um tema que poderia ser polémico que é pôr as pessoas a pensar: se tivessem 24 horas de vida, o que fariam? Pôr as pessoas a pensar na qualidade com que devemos viver as nossas vidas, nem que seja nas pequenas coisas. E é também uma questão de valores: a que é que damos realmente valor? É só à família e aos filhos? Não, é também a sabores, a cheiros, a momentos, a sensações, a respirações, a lugares especiais.

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Fui ver este formato de programa à Warner e achei lindo, até pela aventura que é teres diferentes convidados. O convite é pessoal e feito pelo apresentador que entra num mundo mais íntimo e afetuoso do convidado. Quanto mais ele der, mais o programa vibra. A experiência foi ótima. Por exemplo, eu vou sempre a conduzir o convidado, quando fui à Madeira ter com a Dolores [mãe de Cristiano Ronaldo] foi tão intenso, porque ela queria tudo para o segundo, ela gosta de dar e de agradar, eu ia a conduzir e ela dizia: "Vira para a direita! Agora vira para a esquerda!" E eram subidas à séria, não era um carro automático, às tantas eu digo: "Ò Dolores, isto está a ser complicado para mim conduzir aqui!". E ela para mim: "Olha filha, quem conduz na Madeira conduz no mundo inteiro! Vamos embora que se faz tarde!" "Mas ò Dolores, tem de esperar pelos outros!" "Deixa-os estar, vamos fazendo nós", e saia-me disparada do carro, e dizia: "É aqui que eu quero que tu vejas, foi quando eu…" E eu sem câmaras, sem nada! (risos) É muito esse o espírito, que vem dessa cumplicidade com o convidado que às tantas se esquece que há toda uma equipa que tem que gravar. É um programa despretencioso, de emoções e afetos, quisémos convidar as pessoas a parar um pouco, pessoas que estão sempre a trabalhar, e a perceberem o que querem das suas vidas. Foi muito interessante e a SIC quer retomar depois do confinamento.

Este programa parece uma premonição do que estamos a viver.

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(risos) Pois, e é interessante ver, agora, a que é que as pessoas dão valor nas suas vidas, porque isto [a pandemia] é uma chamada de atenção para todos nós. Eu acho que isto nos mudou para todo o sempre.  

Dizes que te sentes sempre a recomeçar, este programa será também uma nova fase, depois de algumas provas difíceis? E a cada recomeço, sentiste uma maior profundidade emocional ou uma nova empatia pelos outros?

Como deves imaginar não quis nada disto (risos), e muitas vezes me interroguei: Porquê? Porque é que isto me está a acontecer? Porque é tudo tão duro? E, de repente, levantas-te, vais com a tua garra, a tua força e a tua vitalidade e acabas por levar com outro turbilhão em cima e outro. A sensação que tive, nestes meus últimos anos, foi que passei quase uma década a mergulhar constantemente e a deixar que petroleiros, barcos e todo o tipo de embarcações passassem por cima de mim. Também para te refazeres novamente e dares valor ao que interessa, e às pessoas que te interessam, vais crescendo em cada etapa. Mas, naturalmente, também perdes forças e às tantas estás perdida no Oceano. Mas depois tens de encontrar a tua bússola cá dentro.

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E descobrem-se forças e qualidades que não sabíamos ter.

Sim, mas também percebes uma coisa, e no meu caso, em momentos que precisas de ter alguma energia, de repente encontras pessoas que estão mil vezes pior do que tu e para quem tudo é mais difícil, e dizes: "Bolas, afinal sou abençoada! Que sorte que eu tenho de estar a conseguir travar esta batalha." E a vida e a morte ficam muito mais presentes, fica tudo mais vivo. E a Bárbara de há uns tempos não é a mesma de agora, vais crescendo. E também é a maturidade dos 40, tudo conflui. Mas não se olha muito para trás, eu pelo menos não sou uma pessoa que fique amargurada ou angustiada a pensar: "Ai os erros que eu cometi". Eu não olho a vida dessa perspetiva, olho sempre para o presente, com uma noção do passado, e quero continuar sempre a caminhar, seguir caminho, seguir em frente.

Também é muito importante a forma como nos rodeamos, a família e os amigos são, muitas vezes, a única força.

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Sim, senti esse apoio gigante, mas é um assunto [o cancro da mama], em que tocas numa espécie de emoção feminina, há um encontro com esse sentimento. Também porque a mulher é a estrutura de tudo, é quem tem os filhos, quem normalmente cozinha, é o motor da sociedade. E eu ainda por cima venho de uma família muito matriarcal, somos muitas mulheres, e mulheres que lutaram sempre muito, em áreas muito diferentes. A minha mãe divorciou-se do meu pai quando eu tinha sete anos e andava comigo atrás para todo o lado, eu era a circunstância das circunstâncias dela, e ela acabou por criar uma filha que sempre foi desenrascada, curiosa. Para mim, a mudança é um princípio, os desafios também. Sou uma pessoa que rapidamente se habitua a outra coisa, sou uma espécie de esponja disto e daquilo. Mudei agora de casa e adoro.

E como tem sido o confinamento durante a pandemia?

Tenho uma casa no campo, fui para lá e adoro. Fiz uma horta e isso fez-me muito bem à saúde. Nunca me imaginei a plantar e a cuidar de uma horta, para mim mexer na terra é como uma meditação ou um yoga, adoro regar e tirar as ervas daninhas. Gosto do campo, desse lado rústico, da genuinidade. Foi um período em que me faltou a família, porque estávamos todos separados, mas esse contacto com a terra fez-me muito bem. Eu divido-me muito entre o campo e cidade, mas preciso dos dois, porque só campo também não me satisfaz. Um fim de semana que vá para essa minha casa, parece que passaram cinco dias; se ficar em Lisboa, na segunda, estou cansada.

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E nasceste em África, de onde vieste muito pequena, mas esse apelo forte dos sentidos também o deves ter herdado.

Sim, a minha família sempre me contou as estórias todas e viajei imenso para África. É o cheiro da terra, a paisagem de perder de vista, o espaço, é uma dimensão que te abraça por dentro completamente. E é isso que eu sinto quando estou no campo, parece que fica tudo mais leve, não sei explicar.

A vida também nos torna mais contemplativos.

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Sim, ficamos mais profundos, mas também menos tolerantes (risos). Já não fazes o que não te apetece fazer, já não aturas quem tu não queres, se te está a maçar vais-te embora, arranjas sempre um caminho porque o estado de suportabilidade fica de outra maneira. Sempre com boa educação, mas lá está, não se perde tanto tempo com o acessório.

Vamo-nos transformando, cada vez mais, naquilo que somos e renovamos a autoestima ao mesmo tempo que a vida nos vai dando encontrões.

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É, ficas mais apurada. É como aqueles cozinhados que te correm mesmo bem. Imagina, um arroz que eu adoro fazer e que a minha mãe me ensinou e que é um arroz agulha cheio de tomilho e cominhos e só corre bem quando estou bem, mas quando fica bom, desaparece num ápice! É isso, ficamos mais apurados para a vida, e vamos tentando cozinhá-la, como aquele arroz. Não sei se isto te faz sentido? (risos).

Vamos sofisticando. E já que falamos do universo feminino em que cresceste, és das primeiras geração de mulheres que sente essa energia feminina de uma forma mais evidente, e o vive na rua, e não apenas no espaço doméstico. Mas ainda há muito trabalho para fazer.

Há ainda muita coisa para fazer… E outra coisa, eu sempre fui muito ciosa das minhas amizades, das minhas amigas, mas também abri o leque: é bom teres, de repente e fora do baralho, pessoas que se ligam a ti por alguma razão das tuas circunstâncias de vida. E ficas amiga delas como és daquelas que conheces desde os tempos das melhores amigas, lembras-te? (sorri) A mim aconteceu-me isso ultimamente e é extraordinário. Mas também aconteceu uma aproximação maior às mulheres da minha família que vivem no norte, porque chegas a uma determidade etapa em que te identificas mais, antes vivias a correr e agora vives com mais argúcia para saber aquilo que te pode fazer mais feliz. Por exemplo, tenho uma prima que é maravilhosa, uma lutadora que consegue sair da zona de conforto e reinventar-se. São espetaculares estas mulheres com vida própria, com garra e com luz.

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Vivemos uma fase de feminismo mais evoluído em que essas mulheres são reconhecidas.

Estamos numa fase evolutiva e as mulheres têm a seu cargo as futuras mulheres e os futuros homens que educamos para que tenham as bases para ir mais além no sentido da proximidade, do companheirismo, da igualdade, da forma como vão ser como pessoas. Mas esta geração dos 40 e dos 50 está mais atenta porque os nossos pais foram uns grandes aventureiros. É assim que eu o vejo. Estavam a sair de regimes extremos, de ditaduras, são pais que lutaram pela liberdade, pela igualdade, por profissões que eram quase proibidas, ou que eram mal vistas, pais que se divorciaram, e era um escândalo na altura, repara, isto é próximo! Eu tinha sete anos e aquilo foi mais ou menos um escândalo. Portanto, são pais que nos fizeram crescer rapidamente, porque não estavam sempre ali a ver os trabalhinhos de casa, a ver se a criança tinha o protector solar, se comeu, se vai nadar, fizeram-nos mais desenrascados, mais livres do que eles foram, mas transmitiram-nos valores para a prática da vida que é: "Faz, vai, cai, ok, sopra que isso passa." Não eram protetores demais, tinham a sua vida! Pelo menos no meu caso, o meu pai tirou o curso de Belas-Artes já eu tinha nascido, era bebé, e lembro-me perfeitamente de ele ir dar aulas, eu tinha poucos anos de vida e ia para a sala de um escultor, era o Zé Rodrigues, mexer na madeira ou no barro, e ficava ali porque ele tinha uma aula para dar. Agora temos uma geração de filhos em que é importante o acompanhamento dos TPCs e disto e de aquilo… Temos de aliviar estas coisas e pegar nessa nossa liberdade e não sermos avassaladores e só nos concentramos nisso. Assim não os estamos a fazer crescer. E quem fala de filhos, fala de outras coisas. Porque também somos de uma geração que já opta por não ter filhos. São os que se convidam para padrinhos (risos) A vida é feita de escolhas, e às vezes fazemos umas certas, outras não. Mas realmente, a minha mãe, e também o meu pai, injectou-me sempre com uma dose de alegria. Acho que é na Bela Adormecida que existem as três fadas que dão os valores: "Que tenhas bondade, e generosidade… e alguma maldade! (risos) E o humor, é fundamental, mesmo no mais negro dos cenários, tem de se dar umas gargalhadas e inverter a situação. Uma coisa é mergulhar, outra é enterrarmo-nos.

O Ricardo Araújo Pereira diz que o humor é uma forma de dares a outra face à vida.

E é mesmo. De repente, estás no bloco operatório e vais para a "não sei quantas" cirurgias, e tens uma anestesista que te diz: "Agora pense num pôr do sol lindo". E tu respondes: "Olhe, vá com o seu pôr do sol para onde quiser, eu só quero a mão do meu médico, mainada!" (risos) Temos de brincar com as coisas, e este exemplo até um pouco tétrico, mas é levar na descontracção. E quando estás a sair de uma quimio e só te apetece um hambúrguer cheio de queijo e maionese, a babar-se! (risos) A pessoa tem de aceitar as coisas como são. Eu fui, por exemplo, uma mãe que quis amamentar, mas tenho grandes discussões com uma amiga minha, o bebé tem um ano, já com dentes, já anda, e ela está a amamentá-lo! (risos) Mas é o gosto que cada um tem e não podemos criticar, lá terá o seu fundamento, sendo que para ti é uma coisa e para ela é outra, e a vida é feita destes contrastes.

Que idade têm os teus filhos agora?

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Ele fez 17 e ela fez 10, estou com medo dos 13 anos dela, já tem opinião sobre tudo, não são os nossos 10 anos! Eu só gostava de estar com amigos, na praia, passei a minha infância na Apúlia e no Furadouro, o cheiro a sargaço, adoro as praias do norte, e lembro-me que éramos todos enfiados na praia meses! E depois alguém levava umas sandes e ninguém se lembrava do protetor solar. Acho que me caiu a pele do nariz umas 30 mil vezes. Para mim, o mar pode ser gelado. Agora fui ao Douro e acordei de manhã com aquele novoeiro, o cheiro, e pensar: eu ia para a praia com este nevoeiro. E jogava ao prego, corria o dia todo, chegavamos à cama e desmaiávamos.

Há alguma coisa que faças questão de passar aos teus filhos?

Não sei, eu faço o que posso, e algumas coisas podiam ser melhores, mas sei que há uma preocupação constante e um amor incondicional. Há momentos em que ficas a admirar aquelas gargalhadas redobradas, é maravilhoso, e pensas mesmo: o mundo é isto, é esta gargalhada.

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Na pandemia, houve um amor renovado pela casa, sentiste isso?

Comprei três potes de vidro antes de vir para aqui, vou-te confessar, que andava a namorar há séculos. E estive a negociar com o senhor, eu adoro regatear, sou uma negociante, não há paciência para mim em Marrocos, eu saio dali com dois tapetes pelo preço de um. Regateio sempre tudo e adoro mercadinhos, com peças portuguesas ou art deco, neste caso eram uns potes da Marinha Grande, que são lindos, e eu andava atrás daquele homem há séculos. São três potes enormes para a cozinha, com três cores diferentes, adoro aquilo.

O que é que te dá mais gozo fazer?

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Tenho paixão por fazer, para já tenho paixão pela televisão, estou ali a 200 por cento, eu entrego-me, eu sofro, estou completamente disponível, estou despida para dar, receber, sentir coisas e de as transmitir com muita verdade, frontal e com afecto. Tive pessoas que me disseram: "Sabe, tinha o sonho de a conhecer, é que me entra pela televisão, parece que está mesmo lá dentro, fala connosco assim tão diretamente". E isso é que é importante, fico mesmo contente que reconheçam essa paixão, essa entrega, adoro o écran e transpô-lo e sentir que falo para as pessoas. Gosto muito de ser mediadora, de dar o bom dos outros, que passe o que as pessoas são. Mas também me entrego a projetos sempre tentando um lado criativo e diferente na abordagem, não me prendo a cânones. Às vezes podemos fazer a diferença com uma ideia (estala os dedos) que aproxime as pessoas. É o que me faz pensar: estou pronta para isso, pronta para abraçar tudo o que vier dando aquilo que sou e metendo as mãos na massa, como eu gosto. Não é uma apresentaçãozinha, não há "zinhas" para mim, é a "zona" toda, seja fazer um festival de moda em Castro de Algodre, seja num programa, estou toda lá, sempre. Mas tem de ter a ver comigo, tudo o que eu faço, as publicidades, por exemplo. Vou mais por uma boa ideia do que por muito dinheiro.

Tens algum projeto novo e que nos possa contar?

Sim! Viver a vida!

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Lutar contra o cancro

És o rosto da campanha de apoio à luta do cancro da mama da Ausónia

Já tinha estado ligada à Laço e à Liga Portuguesa Contra o Cancro e foi um convite que aceitei de imediato. A Ausonia conseguiu criar este fundo de investigação para esta luta e conseguiu valores ótimos, mesmo irreais, mais um caminho a percorrer. Achei que estava na altura certa, eu a regressar ao trabalho e a voltar a gerir a minha imagem social, que tem de se ter quando se é apresentadora de televisão. Foi uma sessão fotográfica, para mim, muito importante, porque já não o fazia há muito tempo, e senti-me muito bem e muito bem recebida, estava um ambiente fantástico. Numa hora, tinhamos exatamente a fotografia, o sorriso, a simplicidade, a verdade, ali. 

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Também me tornei embaixadora de uma revista faulosa, feita no norte, chama Cuidar, humanizar a oncologia, sem tabús. O cancro existe, tem de ser tratado, e temos de fazer tudo para dizimá-lo, mas ficas a saber o que fazer ou como ajudar ou como cuidar. E nesta edição podes encomendar uma das três velas feitas por uma fábrica portuguesa: Maria Vitória, Maria da Luz e Maria da Esperança, que devem ser iluminadas a 30 de outubro e as suas vendas revertem completamente para a Heróis e Espadachins, uma associação do norte que apoia doentes oncológicos carenciados, que vai com eles aos tratamentos e faz coisas de que ninguém se lembra como ir fazer compras ao supermercado. Das coisas piores de que me lembro, é terrivel mesmo, entrares num supermercado e as luzes incomodam-te, o cansaço, às tantas estás com um carrinho nas mãos e abandona-lo, isto aconteceu-me.

O que dirias às mulheres que passem pelo mesmo?

Primeiro, quem tem um cancro não pode ter um caminho solitário, é fundamental o lado do cuidar. Encontras aqui mulheres que tiveram de tirar o peito e não quiseram a reconstrução, não é importante, como o não é o estigma de ficar careca, mesmo! Das coisas que mais me incomodou dessas quedas foi das pestanas, a perda das sobracelhas deixa-te sem expressão, mas sem pestanas vais à rua e estás permanentemente a chorar, porque não tens protecção, tens de estar sempre a pôr gotas para aliviar o congestionamento dos olhos. E nunca pensamos nisso. As perucas é um calor imenso na cabeça, é desconfortável, às vezes escorrega para trás! (risos) Vais almoçar com uma amiga e ela diz: "Chega aqui!", e puxa-te a peruca para a frente, pumba! (risos) Eu às tantas quando começou a crescer um bocadinho, assumi o bocadito que tinha e acabou!

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Depois a violência dos tratamentos, temos de estar sempre acompanhados no processo. E o apoio dos enfermeiros, que é absolutamente fundamental. Fui acompanhada pelo Hospital da Luz e pelo IPO, onde fiz todos os meus tratamentos. E fui sempre muito bem tratada e vi sempre todos a serem tratados com um carinho incondicional. E eu própria, que muitas vezes nem queria saber qual era o passo a seguir. Levei uma injecção durante um ano numa coxa, parece que estão a injectar-te vidros, mas consegues ir ultrapassando certas coisas. E chegas a essa fase, em que já não estás a levar com a quimio, mas estás onde estão as pessoas em tratamento, e conversas e dás apoio. E há um truque que é muito bom, isto foram as enfermeiras que me ensinaram, que é contar para trás: tens 34 tratamentos, o próximo é o 20, já só faltam 19, quando chegas aos 10 já estás histérica, wow!  Nunca tive medo de chamar os bois pelos nomes. Disse logo publicamente: Eu tenho um cancro! Porque é uma cura também, para ti própria, assumires que tens a doença ou que estás extremamente cansada e tens dias em que não consegues batalhar e tens de te enterrar no sofá, ajuda-te à cura, porque deixas de andar em batalhas contigo própria, como eu andei, mesmo. Tens de ver sempre o lado positivo das coisas, isto faz parte.

No dia em que rapei o cabelo chamei os meus amigos lá a casa, o meu cabeleiro, o fotógrafo que eu amo, o Augusto Brázio, a minha amiga galerista Ana Matos. Como o cabelo estava a cair às postas, achei: não, não pode ser mais. Depois pedi-lhe as fotografias, e olha o que ele me manda [imagens lindas, a preto e branco, Bárbara de cabelo rapado, em várias poses, a fazer caretas, o cabelo a fazer de bigode). Não têm photoshop, nada! Estão no meu quarto, olho para elas todos os dias e dá-me alegria. Mas pronto, agora é para frente.

É tempo de fechar o ciclo.

Sim, queres é falar dos novos projetos, queres é faze-los, queres é viver, andar para a frente, brincar com as coisas. É difícil? É. É duro? Muito. Mas vamos lá, estamos vivos, conseguimos lutar!

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