Sofia Ribeiro, 5 anos depois: “Quando soube que tinha cancro trabalhava sem parar, não tinha folgas, dormia 4h"
Um dia antes da festa oficial do seu aniversário, que celebrou a 2 de outubro, Sofia Ribeiro esteve na loja da Intimissimi na Rua Augusta, em Lisboa, para o lançamento da campanha Outubro Rosa da Intimissmi, que se destina a apoiar a luta contra o cancro da mama. Uma luta que a atriz conhece na pele e que não esquece.

De voz doce e bem colocada, não fosse ela uma das atrizes com mais atitude da sua geração, Sofia Ribeiro, 37, senta-se connosco no piso superior da loja da Intimissimi, na rua Augusta, para uma conversa de reflexão sobre o cancro da mama que venceu em 2016. Durante a fase em que esteve em tratamentos, foram vários os momentos emocionantes que partilhou nas redes sociais, desde o momento em que cortou o cabelo ao anúncio da superação da doença. Hoje, calma e bem-disposta, a sua luta é outra. Ajudar todas as mulheres (e homens) quanto pode para sensibilizar para a prevenção, apoiar a investigação, e ajudar a angariar fundos para a Liga Portuguesa Contra o Cancro. Há vários anos rosto da campanha Outubro Rosa da Intimissimi, dá mais uma vez a cara e a voz pela causa. Por cada soutien vendido, em qualquer loja do País e na loja online, a Intimissimi doará dois euros à Liga Portuguesa Contra o Cancro.
Passaram cinco anos desde que anunciou que superou um cancro da mama. O que diria à Sofia que ainda não tinha passado pela doença?
Que tivesse calma, dentro do que é possível quando se recebe um diagnóstico de cancro. É muito difícil. É fácil perder a calma e entrar em pânico. É sempre uma reação muito chocante. Sabe aquelas imagens que às vezes vemos nos filmes, quando a pessoa recebe uma notícia chocante e deixa de ouvir, e mesmo que a outra pessoa continue a falar nós não ouvimos? Foi isso que aconteceu comigo durante uns minutos. Parece que a nossa vida passa toda à nossa frente, e o final não é risonho. Mas acima tudo dizia que tivesse calma, que tentasse manter o coração ao alto, o foco, a boa energia e a boa vontade de resolver isto da melhor forma possível e o quanto antes. E eu acho que, inconscientemente, os conselhos que eu daria a mim própria levei-os durante o meu processo de tratamento, quase como um mantra.
Não falando dos efeitos físicos, que são certamente dolorosos de formas diferentes para cada mulher, qual foi o impacto emocional que a doença teve na Sofia?

Há efeitos que são muito semelhantes entre mulheres diferentes, mas há outros que não. Somos de facto corpos e organismos diferentes. O mais difícil é quando esses efeitos começam a surtir no nosso corpo, na nossa imagem. Há momentos de muita incerteza, em que nos perguntamos se as coisas voltarão a ser como eram, se tudo irá passar e se vamos ficar bem, mas no meu caso em particular tentei sempre acreditar que era um momento da minha vida que tinha que ultrapassar, que queria passar por ele da forma mais leve possível, dentro das circunstâncias. Foi esse o meu foco, obviamente com dias mais difíceis em que nos vamos abaixo. Isso foi muito importante para a minha recuperação, a forma como nos colocamos nas coisas, encontrar forma de nos sossegar, de nos pacificar, com esperança e bom humor durante todo o processo. Costumo dizer que é tudo 50/50, entre o paciente e o médico.
Parte da superação tem a ver com essa insistência em levar tudo para a frente?
Sim, os efeitos da quimioterapia são muito pesados para o nosso organismo, levam tudo o que é de mau mas também tudo o que é de bom. A minha missão passou por saber que os médicos faziam a parte deles, mas eu fui tentando fazer a minha de forma a passar por tudo o quanto antes. Eu conheço dois tipos de pessoas que passam por um cancro: as que ficam com esta vontade, de ir para a frente; e há as pessoas que ficam muito magoadas e sofridas. Eu sei na pele que é de facto muito difícil, mas eu acho que o mais fácil é entregarmo-nos. É deixarmo-nos ficar na dor e na incerteza. O mais difícil é arregaçar as mangas e ir buscar forças onde não sabemos que as temos, unir o nosso núcleo forte, as pessoas que amamos, agarrarmo-nos aos nossos sonhos, aquilo que ainda nos falta conquistar, ao que nos faz brilhar os olhos.


Cruzou-se com muitas histórias?
Sim, e ainda hoje. Todos os dias.
A abertura pública quanto à doença foi voluntária? Ou inevitável?
Já falei algumas vezes sobre isso, eu não escolhi partilhar, fui obrigada. Porque um meio de comunicação informou-me que ia fazer a notícia no dia seguinte, e eu decidi que se alguém teria que dar a notícia era eu. Naquele momento nem eu própria sabia ainda o que se estava a passar comigo, eu não sabia se queria ou não partilhar, queria era estar sossegada e tentar resolver o que se estava a passar comigo. Mas entre uma coisa e outra decidi falar eu sobre a minha saúde, escolhi partilhar. A verdade é que eu fui altamente surpreendida com o que esta revelação pública me trouxe, sobretudo ao nível de ajuda. Passou a ser uma ajuda importantíssima para mim, desde as trocas de informação ao afeto e ao carinho. Eu senti que ao partilhar o que estava a viver também estava a ajudar outras pessoas. Foi uma troca de energia que foi muito importante, tanto para mim como para as pessoas. Precisamos todos de referência, tudo era novo naquele momento, e ao contrário também acontecia. Hoje em dia esta sinergia continua, com outra intensidade, mas ainda hoje me chegam pessoas que partilham as suas histórias, com dúvidas, questões. Isto veio colocar-me num lugar onde eu não estava como pessoa, como ser humano, para me fazer uma pessoa melhor, mais ligada ao que realmente importa. Aprimorou os valores que eu já tinha e veio quase como uma missão. Foi por isso que desde o primeiro dia me liguei à Liga Portuguesa Contra o Cancro e que sempre que possa vestirei a camisola por este tema. Fico muito orgulhosa em fazer parte de tudo isto.

É um tema que acredita que a acompanhará toda a vida, deste prisma da prevenção?
Não há como esquecer um processo destes, não há como apagar nem eu quero que aconteça. Aliás, eu continuo a fazer exames de rotina, eu continuo a tomar medicação, há um sem fim de coisas que continuo a fazer que me recordam todos os dias que eu passei por um cancro. Quando soube que tinha cancro eu trabalhava sem parar, não tinha folgas, eu dormia em média 4 a 5 horas por dia, comia quando desse tempo, e mais que não seja, nesses momentos lembro-me que não quero e não posso voltar a essa rotina, por questões de saúde. É um reminder: há tempo para tudo, se cuidares de ti. Há medos que ficam. Por exemplo, cada vez que vou fazer os exames, há sempre uma ansiedade, com o coração apertado. O que é normal. Tento ir sempre de coração leve a pensar que já está tudo bem.

O que é que muda no corpo, depois de vencer um cancro?

Eu só agora, ao fim deste tempo todo, é que começo a voltar à imagem que eu tinha no passado. Não foi uma coisa que eu tivesse procurado afincadamente, porque eu sempre achei que eu teria que dar tempo ao meu corpo para se recuperar de tudo isto, mas sim levou bastante tempo. A alimentação é essencial, o desporto é fundamental, já que o metabolismo nunca volta a ser o mesmo. E quando se continua a fazer medicação menos ainda. Há um momento em que nós sabemos que aparentemente está tudo bem, e que pensamos em recuperar-nos, voltar ao que fomos, ou até tornarmo-nos numa versão melhor. Mas há coisas que não dependem de nós, mas há outras que podemos fazer. Mudar hábitos alimentares, praticar desporto, nem que seja caminhar, trazer a hormona da felicidade para dentro de nós é essencial. Procurar rituais para libertar o stress e as tensões, equilibrando-nos. Esse tem sido o meu processo até ao dia de hoje.
É preciso normalizar a reconstrução, para que se considere uma questão estética e de saúde mental e não meramente "técnica"?
É um tema bastante sensível, eu não sei como funciona nos hospitais públicos. Eu sei de casos de mulheres que não lhes foi proposta a reconstrução mamária, mas não sei como se faz essa escolha, essa triagem. No meu caso, fiz a minha cirurgia num hospital privado, e sinto que tendo essa possibilidade e essa escolha, [o resultado] tem de ficar de acordo com aquilo que for mais feliz [para a mulher]. O que é para ti não é para mim. Aqui está um tema que gostava de aprofundar mais. Acho que acima de tudo [a reconstrução mamária] deve ser vista como a continuidade de um processo de cura.


O que há de novo em relação a esta campanha da Intimissimi?
A abordagem é a mesma, propõe-se que seja uma campanha solidária, inspiracional, que traga boas energias a quem está a passar por uma situação de cancro ou a quem tenha uma pessoa próxima a passar por ela. O objetivo é angariar o maior valor possível para a Liga Portuguesa Contra o Cancro, no sentido de apoiar os esclarecimentos relativos ao diagnostico precoce, ao encaminhamento, [mas também apoiar] estudos e investigações na área. A base da campanha é a mesma, porque há sempre muito a fazer. Quanto à lingerie, a Intimissimi sempre teve imenso cuidado nos materiais, escolhendo peças delicadas, confortáveis, para mulheres que gostam de se sentir sexy mas também práticas no dia a dia. Não há como vestir e não se sentir confortável e bonita, como uma segunda pele.
E este ano há uma unidade móvel.
Sim, conseguimos criá-la através do valor que angariámos o ano passado. Vai andar por todo o País dar informação, apoio, esclarecimento, encaminhamento. É uma grande alegria ter conseguido isso. Temos um valor de 46 mil euros angariados, mais 9,500 que o ano passado [com a campanha da Intimissimi]. Eu não tinha dúvidas de que somos muito generosos, nós portugueses, e ver que as mulheres se unem para esta causa deixa-me arrepiada. É uma realidade que toca a todos de alguma forma, e ainda bem que existem estas campanhas que podem dar voz e amplitude ao tema. Trazer para cima da mesa e ao debate é fundamental. É uma doença que ainda está muito estigmatizada, ainda tem muitos tabus, até quando se diz o nome da própria doença. Eu acredito que quanto mais informação existir mais tudo isso se dissipa.

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