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Teresinha Landeiro: “Porque é que o fado tem de ser uma coisa pesada, negra, séria?

Traz uma jovialidade na voz, um sorriso a cada palavra, e um novo disco de fado. 'Agora' é o segundo álbum da jovem cheia de sede de futuro a tentar viver o presente. Leia a entrevista e oiça o tema que Teresinha Landeiro cantou só para a Máxima.

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07 de julho de 2021 Joana Moreira

De ténis Converse, t-shirt branca e calças de ganga, Teresinha Landeiro sobe e desce as escadas da Mesa de Frades com o à vontade de quem está em casa, conhece todos os recantos e dispensa cerimónias. "Lembro-me perfeitamente do primeiro dia em que entrei aqui. Até te consigo dizer o dia", conta-nos quando nos sentamos no interior da célebre casa de fados em Alfama. Um pequeno scroll no telemóvel e lá chega à data: 18 de junho de 2008. "Vinha ouvir a Carminho, que cantava aqui à segunda e à quarta-feira. Lembro-me que nessa noite estava a Carminho, a Raquel Tavares e estava o Rui Veloso cá a jantar, nesta mesa aqui", aponta. "Chegou também a dona Celeste Rodrigues, foi aí que eu a conheci". O momento marcou-a para sempre. Carminho tinha ouvido Teresinha (que defende o diminutivo com os seus 1,56cm) a cantar e terá dito a Pedro de Castro, guitarrista e dono da casa de fados: "tenho uma miúda que quero que tu ouças". A miúda era, claro, Teresinha Landeiro. "Essa noite ficou na minha memória, até porque foi a noite em que pude trocar duas palavras com o Rui Veloso, que era talvez das minhas grandes inspirações na música. E foi a noite em que conheci os meus músicos, foi aí que eu percebi que queria que eles fossem os meus músicos se isto algum dia se tornasse numa coisa séria", lembra.

Teresinha Landeiro
Teresinha Landeiro Foto: Jenniffer Lima Pais

É nessa casa de recordações que estamos para falar do novo trabalho, Agora, três anos depois de Namoro, o seu disco de estreia. "Sinto que sou uma pessoa diferente", começa por dizer. Entre um disco e outro muita coisa aconteceu na vida da jovem de Azeitão, que entretanto se mudou para Lisboa. Descobriu novos amigos, o jazz, o samba. "Estava muito fechada no meu mundo, e de repente quando resolvo uma quantidade de coisas, da minha vida pessoal mesmo, abrem-se as portas para uma Teresa que não existia. Permitiu-me conhecer-me de outra forma", confessa.

A ânsia do tempo

Celeste Rodrigues dizia-lhe: "Não tenha pressa, para quê tanta pressa, não há pressa de chegar ao fim. A vida é tão longa". Mas há uma certa urgência que Teresinha não consegue conter. Este disco é, aliás, um reflexo disso, com temas, na sua maioria fados e quase todos escritos por ela, sobre a passagem do tempo. Há uma luta permanente entre a fadista e o sentido do presente. "Estou sempre errada. Não vivo o hoje porque estou sempre a pensar no amanhã. Mas depois no amanhã também não estou a viver o amanhã. Nunca estou certa. Sou uma pessoa que sofre por antecipação, que acha sempre que vai tudo correr mal", admite.

Amanhã é precisamente a música que abre o álbum. De todas as vezes que já a ouvimos cantá-la, fá-lo com leveza, entre sorrisos. "Acho que as pessoas pensam que o fado é triste porque não sabem o que é o fado. O fado não é nada mais do que uma história sobre a vida. E nós não somos sempre tristes, temos momentos de felicidade. Agora, há uma coisa que acontece que é termos a tendência de falar de coisas tristes. O que é bom nós gritamos ao mundo, celebramos. Mas se tivermos de escrever uma reflexão não o vamos fazer quando estamos felizes. É quando estamos tristes. E por isso é que os fados são maioritariamente tristes. É difícil às vezes falar das alegrias, porque não nos tocam tão fundo, não nos transtornam", afirma.

Teresinha Landeiro
Teresinha Landeiro Foto: Jenniffer Lima Pais

Teresinha é pouco nostálgica. Vive ansiosa com o futuro: "Se tenho tempo para fazer o que quero, se vou chegar onde eu quero. E daí surgir esta reflexão sobre o tempo, o amanhã. Se alguma coisa corre bem estou sempre a pensar no que vem a seguir. Não consigo celebrar o festejo e a vitória. Só penso no que vem depois. Estou sempre nesta ânsia do tempo".

"Não consigo celebrar o festejo e a vitória. Só penso no que vem depois. Estou sempre nesta ânsia do tempo."

Num universo como a música, em que o escrutínio é permanente, perguntamos-lhe se lida bem com a crítica, praticamente inevitável. "Mais ou menos. Podia dizer que sim, que lido lindamente, mas não, é mentira. Acho que temos sempre dificuldade em aceitar os nossos próprios erros. Ouvir que não estamos a fazer alguma coisa bem é sempre duro. Mas por mais que me doa e que até possa ir para casa a chorar, pego naquilo e tento fazer algo melhor", diz.

O fado ajudou-a a crescer, sendo a mais nova num mundo de adultos com um portento na voz. Aprendeu "a saber estar calada, a saber ouvir". Dos 12 aos 16 anos passou mais tempo em silêncio do que a falar. "Eu que sou uma fala-barato!", lança. Tornou-se boa ouvinte, bebendo todas as referências, ensinamentos e palavras de quem a via e acompanhava nos primeiros passos na música. "Tudo aquilo que eu sou hoje enquanto artista e enquanto pessoa também deve-se muito ao que aprendi aqui e com as pessoas com quem me cruzei, contactei, quem ouvi cantar, os conselhos que me deram. Todas as vezes que me fizeram reparos, de dizer ‘Teresinha não faças assim, não está correto’". Dessas noites de aprendizagem trouxe a banda que a acompanha: Pedro de Castro (na guitarra portuguesa e na produção musical), André Ramos (na viola de fado) e Francisco Gaspar (na viola baixo).

Amores e Nat King Cole

Dos 12 aos 16 não ouviu outra coisa senão fados - dia e noite. Hoje as suas playlists são mais ecléticas. Cabe samba, jazz, Chico Buarque, Caetano Veloso, Elis Regina, Maria Bethania, Silva, Robel, Tim Bernardes. Ouve música portuguesa, "um bocadinho de tudo", diz, desde Rui Veloso a artistas mais novos, como Mimi Froes. Frank Sinatra, Nat King Cole, Freddie Mercury, Pavaroti são artistas que também não dispensa. "Às vezes a brincar com a minha mãe dizia: ‘só arranjo um namorado se ele souber quem é o Nat King Cole’. E a minha mãe dizia ‘estás a elevar muito a fasquia. As pessoas da tua idade não sabem quem é’ (risos)".

"Vou com pressa e a roupa não combina /O cabelo para o que é vai bem assim", dizem os versos de Amanhã. Teresinha explica-se rapidamente: "Isso sou eu. A frase que eu mais ouvi da minha mãe foi ‘ó Teresa, não vais passar uma escova no cabelo?’ Sempre fui zero preocupada com maquilhagem. A roupa era o mínimo e necessário." Por isso, apesar de o disco conter o tema Batom, a artista é pouco dada à vaidade. "Não sou uma pessoa muito vaidosa. Aliás, uma das coisas que disse para este disco foi ‘eu quero um stylist, eu não quero perder um segundo a pensar no que eu vou vestir.’ E diziam-me ‘ah, mas era giro ter um cunho teu’. Mas eu odeio, odeio ir às compras, odeio escolher roupa. O Pedro Aparício, o meu stylist, foi reunir a roupa toda e fizemos as provas em minha casa, ou seja, ele nem me obrigou a ir com ele às compras (risos)".

A jovem quer apresentar-se desempoeirada dos símbolos estéticos associados ao fado: "Porque é que eu não posso ser uma pessoa que se veste com as roupas do dia-a-dia, com um ar de 25 anos? Porque é que o fado tem de estar sempre associado a uma coisa pesada, negra, muito séria? Porque é que eu não posso estar de calças de ganga e ténis? É assim que eu ando. Porque é que quando vou fazer a coisa que mais amo na vida tenho de ser outra pessoa?"

Teresinha Landeiro
Teresinha Landeiro Foto: Jenniffer Lima Pais

"Porque é que quando vou fazer a coisa que mais amo na vida tenho de ser outra pessoa?"

Para se manter fiel a si própria começou também a escrever as suas músicas. "Nos fados o hábito não era cada fadista escrever as suas letras. Havia poetas que escreviam para o fado. Mas chegas a um ponto em que já cantaste muitos poetas. Eu comecei a escrever por necessidade. Tinha 12, 13 anos, queria cantar fados e as pessoas diziam-me que os fados eram muito pesados para mim. E eu ‘bolas, então canto o quê? Vou cantar os patinhos?’. Então comecei a escrever as minhas próprias letras, assim já ninguém podia dizer que eu não as entendia", lembra. A escrita foi uma forma de se defender da crítica e de cantar livremente. "Há muita gente que acha que é uma grande ousadia porque há muita gente a escrever tão bem, é um facto. Mas o fado não vive só da poesia, vive das letras. Não é preciso ser um grande poema com uma grande mensagem para fazer sentido. Até gosto de fados que se ouve à primeira e se percebe a história limpinha, sem ter de pensar muito sobre aquilo."

Sem pressão para escrever, diverte-se a brincar com sinónimos, rimas, e jogos de palavras, palmeando terreno pelas experiências por que já passou: o primeiro namoro, os sentimentos à flor da pele, a perda da prima que partiu cedo e a obrigou a lidar com a morte antes do que seria de esperar. "Porque é que eu não posso falar sobre sentir saudades de alguém? Se calhar com 30 anos posso falar disso de uma maneira mais profunda. Mas eu posso sentir isso com 14 anos".

Enquanto continua a cantar e a escrever – a promessa é a de Agora não parar – continua incondicional do Festival da Canção e não descarta uma possibilidade de um dia representar Portugal no concurso: "Não sei (risos). Não vou dizer desta água não beberei. Não me imagino lá. Acho que gostava de estar como autora. Não como intérprete. Talvez fazer uma letra bonita para alguém levar. Mas não digo que não."
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