Ana Marta Ferreira, e o boato das Doce: "Foi das cenas mais difíceis que já fiz"
Acaba de estrear a personagem Jacinta, na telenovela Serra, e esperamos vê-la ainda este ano em Bem Bom, o filme sobre as Doce de Patrícia Sequeira, onde interpreta Laura Diogo, protagonista de uma controvérsia que marcou a história da girlsband.
Diz que a primeira vez que a começaram a reconhecer, publicamente, foi depois da telenovela Mistura Fina, que a TVI exibiu entre 2004 e 2005 e da série juvenil Clube das Chaves, no ano seguinte, como a Laranja. Antes disso já tinha passado pelo elenco de Morangos com Açúcar como figurante especial.
Ana Marta Ferreira é doce, assertiva e determinada no tom de voz, e sabe bem aquilo quer como atriz. Aos 26 anos, e com mais de duas dezenas de projetos no currículo, já fez telenovelas como Laços de Sangue (2011), Sol de Inverno (2013) ou A Única Mulher (2015). Aos 22 foi mãe de Vasco, que tem 4 anos, e confessa que a maternidade mudou "a minha visão do mundo". No Cinema, estreou-se em O Fim da Inocência, em 2017, ao lado de Oksana Tkach e Joana Aguiar.

Para já, podemos vê-la a encarnar a divertida a teimosa Jacinta Grilo, personagem que abraça com garra na nova telenovela da SIC, A Serra. "Todas as personagens têm desafios, embora a Jacinta tenha muitas coisas da Marta, que também tem um lado refilão. Quando temos personagens assim, é preciso torná-las o mais reais possível, tentar não cair no "boneco" e no exagero" confessa. "O desafio consiste em encontrar o equilíbrio. Estou muito feliz com a minha Jacinta, que é uma mulher cheia de garra" contou-nos no dia da estreia da novela.
Em breve, poderemos ver Ana Marta Ferreira - ou "Martinha", como os amigos a tratam de forma carinhosa - como uma das protagonistas do filme sobre as Doce, ao lado Carolina Carvalho (como Lena Coelho), Bárbara Branco (como Fátima Padinha)e Lia Carvalho (como Teresa Miguel). A realização é de Patrícia Sequeira, o argumento é de Cucha Carvalheiro e Filipa Martins, com pesquisa histórica de Helena Matos.
É uma longa espera, esta da estreia do filme Bem Bom. Ansiosa por mostrar o resultado deste papel?

Tivemos imensa sorte por ter terminado as filmagens duas semanas antes de tudo parar, em março passado. Estávamos super entusiasmadas para estrear, o que no ano passado não fazia sentido nem para os cinemas nem para a produtora. Estamos à espera que seja este verão, estamos ansiosas para partilhar o Bem Bom com toda a gente. Eu sou suspeita, mas eu acho que está incrível.

Foi um processo de casting longo. É verdade?

Fizemos um casting em abril [de 2019], e sei que dei tudo nesse primeiro casting. Foi daquelas experiências em que pensei mesmo: eu tenho que ter este papel, por isso vou fazer de tudo para ficar com ele. Só passados três ou quatro dias é que tivemos resposta, tenho ideia que foram muitas meninas fazer o casting. Depois, quando fizemos o casting final, era mais que óbvio que ficaríamos as quatro, porque bateu tudo certo - a nossa cumplicidade, as parecenças com as personagens reais, tudo estava ligado. Estávamos histéricas, muito felizes.
Como foi aprender as coreografias? E cantar?
Foi muito giro, e tivemos um bom acompanhamento, desde trabalhar a voz a gravar as músicas. As músicas são cantadas por nós no filme, tivemos que aprender tudo, e tivemos aulas de dança. A Lia Carvalho ajudou-nos bastante porque tem mais noção dos tempos e da música. Eu e a Carolina [Carvalho, que interpreta Lena Coelho] fomos as maiores "pés de chumbo" (risos). A Bárbara sabe cantar e dançar, a Lia também! Fartámo-nos de rir.

Interpretar pessoas reais é uma responsabilidade dupla?
Sim, é um enorme peso, porque estamos a fazer um papel que representa a vida de pessoas que estão vivas. Se for uma reinterpretação de alguém que já morreu, não há a mesma pressão! Aqui tivemos esse peso. Conhecemos as Doce originais, cada uma conheceu a sua, e foi ótimo para apanhar "jeitos" e olhares. Falando do meu caso, estar com a Laura ajudou-me imenso, embora também tenha feito um mês em ensaios com a Ana Padrão, à base do improviso. Estudámos tudo o que havia para estudar sobre elas. Infelizmente, na internet não se fala muito sobre as Doce, mas dentro daquilo que conseguimos reunir foi possível construir a personagem.

Foi incontornável contar parte do boato que, aparentemente, levou ao final das Doce?
Eu não posso adiantar muito sobre isso, até porque é um assunto delicado, e posso dizer que tudo o que há para saber sobre esse assunto está relatado tanto no filme como na série. A série aprofunda um pouco mais do que o filme, mas em todo o caso não posso revelar nada. Foi um grande desafio, acho que foi das cenas mais difíceis que já fiz, mas fiquei mesmo orgulhosa. Correu como devia ter corrido, ficou relatado como devia ser relatado, mas sim, foi difícil. Confesso que foi. A Laura é uma personagem mais intensa e inevitavelmente nós acabamos por levar isso para casa também, algo que acontece quando se trabalha uma personagem muito tempo.


É um exercício que se aprende, ao longo de uma carreira na representação?
A minha maior aprendizagem foi sempre em "campo". Eu não tenho um curso de teatro, não fiz o Conservatório…. Toda a aprendizagem que tive foi com as pessoas que me rodeiam, com as relações [de trabalho]. O facto de ter crescido neste meio faz com que tenha um respeito grande pela profissão, e cresci imenso como mulher e como pessoa, tendo este trabalho desde os 9 anos. Os meus pais sempre foram muito liberais, nunca iam comigo para as gravações, então eu cresci. Aprendi valores como o respeito, e a dar valor à profissão que hoje em dia ainda é muito banalizada. Nem toda a gente a respeita como devia. Apesar de tudo, dos altos e baixos ao longo desde quase 20 anos, continuo a querer ser atriz. Sei que não há mais nada neste mundo que eu queira fazer [além da representação]. Já trabalhei na restauração, já fiz outras coisas, mas é isto que eu quero, mesmo com todas as dificuldades.

Na sua família, é a primeira nesta profissão?
Não, o meu avô materno, quando era muito jovem chegou a fazer teatro e alguns filmes. Eu é que com nove anos disse à minha mãe que gostava de ser atriz e que queria experimentar. Fiz logo um curso, e tive a sorte de começar a fazer televisão.


A primeira experiência foi na série juvenil que todos conhecemos, na temporada de verão.
Nos Morangos com Açúcar eu fiz figuração especial, foi só na série de verão. Há pessoas que conseguem associar-me a essa personagem, mas as pessoas lembram-se mais de mim pela Mistura Fina, pelo Clube das Chaves, como a Laranjinha, e pela Floribella.
Da Televisão ao Cinema, onde se sente como "peixe na água"?

Cinema, séries com produtoras independentes. Eu adoro novelas, acabo de estrear a nova novela da SIC, e já tinha muitas saudades, porque a última que fiz foi A Única Mulher. Mas o prazer de fazer Cinema, ou as séries que agora são gravadas com o mesmo método, é completamente diferente. Porque aprofundamos as personagens de outra forma, vivêmo-las de outra forma. E eu adoro isso! Não quer dizer que isso não aconteça em novela, mas é de uma forma mais rápida. Há muitas coisas a acontecer.
As self tapes vieram revolucionar tudo, abrindo mais portas para a internacionalização. É um caminho?
Neste momento, ainda não comecei a pensar muito nisso, porque estive algum tempo afastada das novelas. Quero aproveitar este momento para me cultivar um pouco mais, quero muito mostrar as Doce, porque vai ser uma grande amostra do meu trabalho e a partir daí acredito que as coisas vão surgindo. Claro que seria uma coisa que gostaria de fazer, e nós portugueses estamos a ir cada vez mais para fora. Cada coisa a seu tempo… depois logo se vê! Claro que posso ir atrás disso, mas só irei quando achar que faz sentido. Neste momento quero estar mais focada cá em Portugal.


Há pouco dizia que as pessoas ainda banalizam a profissão...
Claro que há uma quantidade de atores que está muito bem na vida, mas há uma série de outros que não, que fazem uma novela e aparecem uma vez e as pessoas acham que está tudo bem. Se calhar ainda estão a ver como vão pagar as contas. E eu acho que esta coisa de atribuir o glamour aos atores não é bem real. É um bocadinho falso. Aparecer na televisão não é sinónimo de estar tudo bem. As pessoas quase que acham que não somos humanos, que não somos como elas. É isso que depois torna a profissão "superficial", em linha com ‘eu quero ser ator para ser famoso.’ Todo o brilho que a profissão tem, que é incrível, acaba por ser levado um pouco por esse lado.

As redes sociais puxam também por esse lado?
No meu caso, comigo não acontece muito. Mas eu também não dou abertura para isso. Agora, as redes sociais ganharam uma importância que antes não tinham, se não tivermos "números" as coisas não acontecem, e há muita gente que não sabe lidar com isso. Comecei numa altura em que nada disto era preciso, o que era importante era o nosso talento, como trabalhávamos, a nossa pontualidade, o nosso profissionalismo. Hoje em dia é muito à base do que acontece nas redes sociais, e o desrespeito maior é esse mesmo. De repente temos atores incríveis que não conseguem chegar a determinados sítios porque não se focam nesse lado, e ao invés vão buscar pessoas que têm ‘imensos números’, e que ‘vendem’. Deixa pouco espaço para quem realmente trabalha e estuda para [ser ator/atriz].
Foi mãe aos 22 anos. A maternidade trouxe maturidade, e uma forma de assimilar as coisas mais global, digamos assim?

A partir do momento em que nos tornamos pais, há dentro de ti um crescimento. É inevitável. Claro que ficas com mais maturidade, começas a ter outras vontades e a ver as coisas com outros olhos. A forma de pensar muda.

Viver a pandemia tem sido difícil?

Para mim, o início da pandemia foi complicado. Eu tinha acabado de fazer as Doce. Esses primeiros meses foram sem trabalho… foi um dia de cada vez, a ver muitas produções paradas. Nesta área, da Cultura, a realidade é dura. Quando apareceu a oportunidade de fazer a nova produção da SIC fiquei muito feliz.
Viver sem Cultura provou-se ser impossível…
As pessoas deviam desligar, durante 24h, tudo o que está relacionado com Cultura. Desde a Netflix a todos os ecrãs. Para perceberem quão importante é. Não desvalorizando a religião, a Arte pode ser uma forma de "religião" para tantas pessoas, é o ganha pão de muitas famílias. Fechar salas de teatro é das piores coisas que podiam ter feito. Como é que vamos entregar peças de teatro à porta das pessoas? Vamos fazer serenatas?

Um desejo pós-pandemia?
Eu gostava que as pessoas aprendessem a ser mais humanas. De certa forma, quando a pandemia chegou, eu achei genuinamente que as pessoas iam dar valor umas às outras, mas parece que ainda ficou tudo pior. É um ciclo vicioso, mas positivo, esse de nos tornarmos mais humanos.


As mulheres têm o poder de mudar o estado das coisas?
As mulheres, se fossem mais unidas, representavam uma força tão grande que acho que podiam mudar o mundo inteiro. Se lutássemos mais, juntas, por tudo, conseguíamos mais coisas.
Fotografia: Marta Oliveira

Styling: Addicted Productions
Make Up & Hair: Make up by Peterson
