Quinta da Comporta: em estado de graça no meio dos arrozais
Se existe hospitalidade autêntica e de qualidade, que respira o lugar onde nasceu, da Natureza, das pessoas e da herança cultural, é a Quinta da Comporta. Um sonho ao ar livre de onde não apetece acordar.

Nascida de um amor de longa data do arquiteto e designer Miguel Câncio Martins pelo lugar onde cresceu todos os verões, é o projeto de uma vida. Bem longe dos grandes grupos hoteleiros que varrem as paisagens sem alma. “A Comporta é como se fosse uma paragem no tempo”, diz à Máxima. “Apaixonei-me, desde logo, pela integridade do local. E a cada visita, passava aqui e parava, simplesmente, para apreciar a beleza da Natureza. Esta localização única, de frente para o arrozal, é para mim o que melhor representa a Comporta.” Este terreno foi propriedade privada da família Espírito Santo e dantes era campo aberto até ao mar, atravessava-se o pinhal e a aldeia até à “quietude que a conexão com a natureza nos traz, essa qualidade de estar, de forma simples”, que inspirou o arquitecto. “A conjugação desta paisagem, da vivência que aqui fui tendo, e a identificação com o estilo de vida característico desta região, foi o que me manteve 'por perto' e despertou a vontade de, um dia, aqui fazer um projecto”.

Formado na escola de arquitetura ESA Saint-Luc, em Bruxelas, Miguel pensou em espaços como o Bar Fly ou o icónico Buddha Bar, em Paris, também desenhou lojas, residências e hotéis como o Conrad Algarve, o Heritage, na Avenida da Liberdade, ou o W Montreal. Na Quinta da Comporta, vemos uma arquitectura local sofisticada, feita de linhas tradicionais e uma perfeita imersão na natureza. A aldeia do Carvalhal é uma das sete que compõem a grande herdade da Comporta e dela o arquitecto quis preservar as tradições locais, que ajudaram a construir o adulto que é hoje, e quer que respirem no futuro. Este é o seu primeiro projeto de assinatura em Portugal, para o qual também desenhou os móveis, escolheu os atoalhados made in Portugal, para que seja uma casa portuguesa: “Sonhei, imaginei e desenhei, durante muitos anos, um lugar onde as pessoas se pudessem reunir e sentir que aqui pertencem, que estão em casa. É isso que a Comporta representa para mim: o espaço e o tempo para desconectar, de forma a, genuinamente, me poder reconectar com os valores mais fundamentais da vida”.

Manter a memória intacta
Sempre que aqui chegava, Miguel Câncio Martins sentava-se debaixo do grande chorão, junto ao que é hoje o spa, a imaginar o que seria. Quando conseguiu o aval para começar, o ponto de partida era uma eira e um lamaçal, e os edifícios originais, que eram granjas agrícolas e armazéns, onde se tratava e guardava o arroz. As obras arrancaram em 2017 e, no essencial, demoraram dois anos. O arquitecto projetou cada edifício para comunicar com o ambiente envolvente, manteve a eira original, um espaço amplo onde dantes se trabalhavam as colheitas, se secava e debulhava o arroz. É o coração da propriedade, que nasce a partir dela, uma grande praça para todos os encontros, o chão de tijolo original, sofás e zonas de massagem ao ar livre. Cruzamos a eira para ir dos quartos ao restaurante, da shala ao spa. O restaurante e o spa recriam os grandes armazéns da propriedade original, a vontade primeira foi “manter a herança das estruturas, na Arquitetura e Design, mas também do estilo de vida”. Algum material foi salvo e usado nas novas construções, feitas com madeira recuperada de grande qualidade, trazida do Canadá por uma empresa belga.

À entrada o logotipo desenhado pelo arquitecto, onde um Q abraça uma cegonha, avisa ao que vamos. Passada um primeira recepção, deslizamos pelos caminhos de terra até à eira, ladeados por uma horta colorida de vegetais, frutos e ervas aromáticas que emana uma grande frescura, levada depois para os nossos pratos, no restaurante Inari. O perfume a jasmim ajuda à magia natural deste lugar, como os gatos com que nos cruzamos, aqui e ali, cuidados pela equipa. Vemos um pequeno campo de petanca, uma zona de recreio infantil, há programa de baby sitting, e uma loja com roupa, acessórios e peças de decoração criteriosamente escolhidas. Logo a seguir, fica a recepção principal que deixa entrar, suavemente, os elementos, o que a torna muito confortável. Ali pode recostar-se a ler, há livros e revistas disponíveis, a trabalhar ou a tocar piano.
Nas traseiras descobrem-se peças de artistas como Bordallo II, Bela Silva, um painel Viúva Lamego, inspirado no mar, de André Saraiva e uma ceifeira esculpida por Vhils. Pende agora do tecto do restaurante uma das vistosas e coloridas peças de Joana Vasconcelos. Nas mesmas traseiras, um frondoso corredor verde leva-nos ao edifício principal de alojamento. Os quartos são espaçosos, despojados, iluminados, com vistas sobre a Natureza. Lá dentro, a simplicidade da qualidade é evidente em peças de design e mobiliário, muitas desenhadas pelo arquitecto e produzidos por artesãos locais em materiais como o bunho e o vime. As camas são grandes nuvens, e as sanitas são umas supresa que recosta e refresca. Quatro magníficas villas em madeira e telhados de colmo, que mimetizam as casas tradicionais da Comporta, elevam a oferta de hospitalidade. Com serviço próprio, cozinha, vários quartos e piscina privada, olha-se em volta, com os pés dentro de água e é só areia e cactos, como no deserto da Califórnia.

A arte de bem receber e cuidar
O restaurante Inari e o spa Oryza estão mesmo em cima dos arrozais, e recebem todos os visitantes. “São, desde o início, os 'pulmões' do projeto; a hospitalidade, na visão holística como a vemos e trabalhamos, não se limita a criar camas e dar dormidas. Os hóspedes vêm à procura de experiências e aqui, sobretudo, de uma experiência diferenciada, única e fiel à autenticidade da Comporta”, diz Miguel Câncio Martins. Foram construídos com as ditas vigas de madeira centenária, “montadas como um lego”, recorda o diretor do hotel, Mário Stromp. São espaços ambiciosos e muito bem conseguidos nos seus cerca de 800m2, como seriam os antigos celeiros de arroz.

Consta que o restaurante é onde se debulhava o arroz e, mais tarde, os miúdos faziam festas de garagem iluminadas pelos faróis dos carros. Todo envidraçado, e com uma generosa varanda a rodeá-lo, é onde nos afundamos em confortáveis sofás a disfrutar de uma refeição, a qualquer hora, e das magníficas vistas sobre os arrozais. Almoçar ou tomar o pequeno-almoço com vista para os arrozais, e os seus bandos de pássaros em voos rasantos, é das mais belas experiências. Nos canteiros aos lados das mesas e dos grandes sofás confortáveis, as abelhas fazem o seu trabalho e as borboletas passeiam-se alheias às conversas.

A ideia é promover a ligação à terra e provar local. O pequeno-almoço é dos melhores de que temos memória, com uma variedade fresca e saudável, e guloseimas boas como o mel em favo e bolos caseiros à fatia. Quem toma conta das refeições principais é hoje o chef Vítor Sobral, um dos nossos maiores especialistas nos sabores simples mais elevados. O restaurante estende-se a uma longa piscina, um aquário que transborda com os corpos a nadar, pernas em câmara lenta que acompanhamos das camas de sol, e onde saboreamos um dos cocktails feitos na hora com os aromas plantados na quinta. No andar de baixo, uma sala de cinema com filmes novos para ver todas as semanas.

O spa Oryza é dos nossos preferidos, por todas as razões óbvias, da sua grandeza, luminosidade e beleza que começa nas boas vindas dadas num balcão de padaria recuperado. “Quando desenhámos o spa, o ambiente foi todo pensado para promover a introspeção, recarregar o corpo e apaziguar a mente, quisemos levar a inspiração na Natureza mais longe”, sublinha o dono do hotel. O ginásio fica no andar de cima, e várias salas de tratamento depois, a piscina interior aquecida continua para o exterior e paisagem fora. A sua diretora fez uma pesquisa profunda das matérias-primas locais e nacionais, como a flor de sal do Argarve, o óleo puro de arroz (com que fazem a magnífica massagem de assinatura), as pétalas de girassol, alfarroba, para exfoliantes e envolvimentos e criar “experiência s emoções”, diz. “Trabalhamos cada detalhe, os aromas, são experiência sensoriais, viagens, literalmente, para nunca mais esquecer”. Oriza é arroz em latim e a linha Oriza Lab foi criada em exclusivo para a Quinta da Comporta, feita em França à base arroz português, com “propriedades nutritivas, aclaradoras e anti-oxidantes.” É visitada por residentes e clientes de fora, todo o ano, e trabalha mercados específicos como o do golfe, tem até uma massagem com bolas de golfe aquecidas, e arrisca novas técnicas como uma massagem com pequenos potes de cerâmica, com gelo ou óleo aquecido. Para além da shala, onde se fazem retiros e aulas de yoga e Pilates, com vista para os arrozais, fala-se num novo ginásio mas, para já, são 800 metros quadrados de bem-estar, salas, relaxamento, sauna e hammam com luz natural. “Foi desenhado para ver o pôr do sol todos os dias, independente da altura do ano”.

Todos juntos
A sustentabilidade é, naturalmente, uma preocupação que estende os seus longos braços. O aquecimento de águas é feito com painéis solares, as águas residuais são reutilizadas nas regas, bem como se promove o uso de garrafas portáteis. E, como deve ser, a troca de roupa de cama e banho faz-se a cada três dias. Do desenho e construção da quinta, ao staff composto por pessoas felizes. Compraram um hotel em Grândola onde todos têm o seu quarto com wc e transfers. Uma empregada do restaurante conta-nos que lhe pagaram o bilhete para visitar a família, em Benguela, trataram dela, uma vez, quando adoeceu e ofereceram-lhe uma estadia. “Temos três credos no hotel, são empregados de todo o mundo. Brasil, Indico, Nepal, são famílias, tenho três patriarcas e a sua família. Como ligar os indígenas, que somos nós, e todos os outros, que são 80 por cento? No fundo, é como a mala de cartão dos portugueses”, diz o diretor do hotel. “Para ser simples tem de ter uma logística exigente”, diz num sorriso.

Depois, acolhem cerca de 14 gatos, todos vistos por veterinários, e as suas cegonhas, andorinhas e toda a bicharada natural dos arrozais, enchem-nos de ternura. Cá fora, a comunidade, também é impactada pela Quinta da Comporta. Desde o restaurante O Dinis, que recebe os hóspedes, para comer peixe e marisco frescos acompanhados de vinhos jeitosos. “Não podemos deixar fechar os restaurantes tradicionais. Tem de haver equilíbrio, não faz sentido chegar a uma praia e ser tudo caro. Só queremos ser felizes na simplicidade”, diz-nos Mário Stromp Morais. Também têm uma pizzaria popular aberta todo o ano, e não só para hóspedes, com esplanada e uma longa fila take away, as pizzas feitas com produtos da horta e queijos locais, “não pode ser só grande finesse, deve haver coisas para as pessoas da aldeia.” Na Casa da Tina, a antiga casa do feitor, podem organizar-se eventos. E gostavam de construir uma igreja para a aldeia, um centro social com dignidade, a seu tempo.

“Este é um projecto familiar”, diz o diretor do hotel. E consta que Miguel Câncio Martins sempre gostou de receber: “Sinto que me está no sangue”, quis mesmo “criar uma Casa onde as pessoas se pudessem reunir e sentir que aqui pertencem. Sempre quis que quem nos visitasse se pudesse conectar a si mesmo, à Natureza e ao próximo... De certa forma, quis valorizar novamente a simplicidade da vida.” Na mesma Comporta onde os lisboetas, e os portugueses das redondezas, encontravam um paraíso de quilómetros de areia e pinheiros, Natureza intocada. A Quinta da Comporta começou por ser uma utopia, Miguel era sempre um sonhador, “mas eu sabia que era exatamente aqui que queria dar forma ao sonho. E foi isso que aconteceu, quase 30 anos mais tarde.” Este seu hectar e meio de paraíso, já faz seis anos de vida, para cada lado que se olhe, é a calma de um horizonte em matizes de azul e verde, os arrozais a ondular no verão e submersos por um manto de água, no outono. Ao fim do dia, sob o sol do sul, a passarada lança um chilrear alegre e ensurdecedor que chama a recolher, devolvendo-nos um conforto simples, que apazigua os sentidos. Ou não fossemos todos Natureza. Mário Strompf remata: “Repare, os hóspedes andam descalços de um lado para o outro. Se as pessoas não puderem estar à vontade nunca será luxo”.

Histórias de Amor Moderno: “Quando fiquei viúva, não me restava ninguém. Percebi que não tinha quem me acudisse em caso de precisar”
“O meu Gonçalo morreu e eu não queria sair daqui, largar a vida que tínhamos. Resisti o quanto pude. Queria tudo menos regressar à aldeia.” Todos os sábados, a Máxima publica um conto sobre o amor no século XXI, a partir de um caso real.